Cirrose

CIRROSE HEPÁTICA
     Há fibrose e nodulações difusas, com desorganização lobular e vascular do órgão.
     Etiologia - 
metabólicos 
- galactosemia, 
- tirosinemia, 
- doença de Wilson - quando há deposição excessiva de cobre há danos hepáticos.  Na doença de 
Wilson (degeneração hepatolenticular) há acúmulo de cobre no fígado, cérebro, rins e córnea.
- hemocromatose e 
- deficiência de alfa 1 antitripsina - doença hereditária, autossômica recessiva, sendo causa 
comum de cirrose na infância e adolescência, e rara em adultos.
virais (B e C)- o vírus da hepatite B pode causar hepatite aguda ou crônica, e após a 
hepatite aguda ocorre resolução em 90% dos casos, estado de portador em 5%, evolução para hepatite 
crônica persistente em 3,5% e para hepatite crônica ativa em 1,5%.  Às vezes a hepatite crônica 
persistente evolui para a forma ativa, e, esta, em geral progride para cirrose, e nem sempre há 
relação direta com as formas mais sintomáticas.  Evoluindo para cirrose, a sobrevida após 5 
anos é de 55%.  A transmissão do vírus C geralmente é pós-transfusional, e costuma evoluir para 
hepatite crônica.
alcoólica - é a principal etiologia em adultos.  Mas somente 20% dos etilistas desenvolve 
cirrose. 
drogas - amiodarona, clorpromazina, isoniazida, metildopa, metotrexato, nitrofurantoína, 
sulfonamidas, etc.
autoimune - afetando mulheres jovens ou na pós-menopausa.
biliar - é o processo final de patologias crônicas que acometem a árvore biliar com colangites 
de repetição como na colangite esclerosante e nas obstruções das vias biliares.
criptogênicas.

Fisiopatogenia
     A instalação da fibrose e da regeneração nodular leva a hipertensão portal (pressão portal maior que 5 mmHg
da pressão da veia cava inferior).  
     O fluxo sangüíneo desse sistema é originário das veias mesentéricas inferior e superior e da veia esplênica,
que formam a veia porta.  Esta se ramifica no interior do fígado e, a partir do trato portal, onde se inicia a 
interação com o sangue vindo pelos ramos da artéria hepática, ganha os sinusóides hepáticos que drenam em 
direção à veia centrolobular; após recolhido para as veias supra-hepáticas, o sangue é direcionado para
a cava inferior.
     Esse sistema venoso transporta 1 a 1,2 litros/minuto; representa 65% da oxigenação hepática e é importante
no metabolismo pelas funções sintética e metabólica dos hepatócitos, e na defesa contra as bactérias e
toxinas, pela ação detoxificante do fígado e da atividade das células sinusoidais. 
     Classificação da hipertensão portal: 
a) pré-hepática (trombose da veia porta e veia esplênica); 
b) hepática: 
1) pré-sinusoidal - esquistossomose, fibrose hepática congênita;
2) sinusoidal - cirrose alcoólica, viral e biliar primária; 
3) pós-sinusoidal - doença veno-oclusiva; 
c) pós-hepática - sindrome de Budd-Chiari, pericardite constritiva. 
     A cirrose e a esquistossomose são as causas mais comuns. 
     A hipertensão pré-hepática, apesar de formar varizes esôfago-gástricas de grossos calibres, não é 
acompanhada de ascite, que é volumosa na hipertensão pós-hepática.  Uma vez instalada a hipertensão
portal, forma-se extensa rede colateral, que objetiva restabelecer o fluxo sangüíneo para a circulação
cardio-pulmonar.  
     Mas os níveis pressóricos portais são mantidos graças a dois fatores: maior fluxo sangüíneo hepático e
maior resistência oferecida pela parede dos vasos colaterais.  O maior débito cardíaco e a menor resistência
arteriolar esplâncnica levariam a maior fluxo sangüíneo para os órgãos abdominais e, portanto, ao sistema 
portal, incluindo os vasos colaterais.  A vasodilatação esplâncnica e sistêmica se explica pelo 
desequilíbrio entre os mecanismos vasoconstritores (como o sistema renina-angiotensina-aldosterona, o 
sistema nervoso simpático, a vasopressina,
a concentração plasmática da endotelina-1) e
os vasodilatadores, que incluem o glucagon, o fator natriurético atrial, o peptídeo relacionado ao gene 
calcitonina, óxido nítrico, e mecanismos locais como as prostaglandinas, o fator de necrose tumoral,
o peptídeo vasoativo intestinal e a substância P.
     A ascite decorre da excessiva reabsorção tubular de sódio e a hipertensão portal é o fator desencadeador,
mas não o fator determinante de seu aparecimento.

Diagnóstico
     É histológico, mas a biópsia hepática quando há alterações da coagulação sangüínea e sinais
inequívocos de hipertensão portal e insuficiência hepatocelular é desnecessária.
     Ultrasonografia na identificação da trombose da veia porta, usando Doppler, o que permite verificar
a presença, direção e velocidade do fluxo sangüíneo.  Também observa a patência dos shunts portossistêmico
intra-hepático transjugular e cirúrgico portocaval, além da evolução das anastomoses venosa e arterial
após transplante de fígado.   
     A doença de Wilson é suspeitada se há história familiar de hepatopatia.  
     Escurecimento da pele, diabetes, insuficiência cardíaca e cirrose hepática sugerem hemocromatose.
     Dosar ferro sérico, ferritina, e biopsiar o fígado; tomografia computadorizada auxilia;
a remoção do excesso de ferro tecidual é alcançada por flebotomias repetidas).  
A deficiência de alfa 1 antitripsina é sugerida na eletroforese de proteínas, pela grande 
queda da alfa 1 globulina e confirmada pela dosagem sangüínea da AAT ou histologia.  Sem tratamento.
     Cirrose por hepatite autoimune é sugerida pela clínica positiva e anticorpos anti-músculo
liso, anti-mitocôndria e FAN (nas hepatites AI tipo I) ou Ac antimicrossomais para fígado e rim 
(hepatite AI tipo II). Trata com corticóides, com ou sem azatioprina.   
     Entre as causas virais, pesquisar os marcadores sorológicos (HBsAg, anti-HBc e anti-HCV);
também análise histopatológica do tecido.  Se a sorologia é positiva para HBsAg e HBeAg (e, se 
possível, para HBV-DNA), com histologia compatível com início de cirrotização ou com cirrose hepática 
compensada e atividade inflamatória significativa, podemos usar interferon.  
     Na hepatite C, pela chance de falso positivo para anti-HCV, sua positividade deve ser confirmada 
pelo immunoblot ou pela pesquisa do RNA do vírus pela técnica de PCR.  O interferon é a escolha nos 
casos compensados, associado ou não com a ribavirina.  
     Nas hepatopatias medicamentosas e alcoólicas basear na clínica; deve retirar o agente 
agressor. 
     Nos alcoolistas a prevalência de marcadores virais para os vírus B e C da hepatite é maior e 
assim esta associação deve ser investigada. 
     A cirrose biliar primária, além do quadro clínico colestático e grandes elevações da
fosfatase alcalina e da gama GT tem positividade (90%) para o Ac anti-mitocôndria.  A biópsia pode ser
conclusiva no início, mas não em estágios avançados.  
     Nas cirroses biliares secundárias fazer colangiografia endoscópica retrógrada.

Tratamento
     O mais cedo possível usar SoyBean (Extrato de soja PGF2901) para que suas fibras diminuam a absorção
do álcool ingerido.  Ao mesmo tempo suas proteínas corrigem a desnutrição protéica destes
pacientes.  E ainda as vitaminas do complexo B que são responsáveis por participarem junto com
a lecitina de soja no controle da polineuropatia periférica.  Além de que nos quadros prolongados 
de colestase, Soybean repõe vitaminas A, D, E, K, para evitar alterações de pele, na coagulação 
e a instalação de osteoporose e osteomalácia
     Deve ser usado uma colher de sopa 15 minutos antes do almoço e do jantar, associado a qualquer 
tipo de alimento ou líquido.
     Usar colchicina para a fibrose hepática (complicação mais deletéria), especialmente nas 
formas alcoólica e biliar primária.  Ela interfere no metabolismo do colágeno, diminuindo sua deposição 
e aumentando sua dissolução.  Não usar em pacientes com lesões pépticas ulceradas em atividade.  
     São pacientes  hipercatabólicos e desnutridos e devem receber suprimento calórico-protéico
adequado.  Só restringir proteínas se há sinais de encefalopatia.      Nas encefalopatias graus I 
e II usar dieta sem proteína animal, mas com 1,0 g de proteína vegetal/kg de peso. Preferir a soja.
Nos casos dos pacientes já usando SoyBean não há porque se preocupar com a proteína vegetal
já que ele fornece em média 34% de proteínas.
     O transplante hepático dá sobrevida (70%) em 5 anos; é contra-indicado em infecção ativa 
ou septicemia, HIV positivo, tumores hepatobiliares com metástases e DCP avançada.  
Transplantar se há albuminemia menor que 2,5 g/dl, encefalopatia hepática crônica, ascite refratária
a tratamento clínico e sindrome hepatorenal.
     A hemorragia por varizes de esôfago  é a complicação mais comum e uma das principais 
causas de óbito.  Letalidade de 30%, com recidiva de 50% em 6 meses, sendo o grau de insuficiência
hepatocelular o principal fator determinante da letalidade.  
     Além de pressão portal maior que 12 mmHg, também são fatores de risco o calibre das varizes 
e a presença dos "red signs": telangiectasias, "cherry spots" e avermelhamento da parede das varizes.
     O diagnóstico topográfico da HDA, pela endoscopia é importante, pois em tais pacientes
é freqüente sangramento por patologias pépticas ou gastropatia congestiva (com dilatações dos
vasos da mucosa e submucosa, na ausência de inflamação), com lesões difusas da mucosa gástrica.  
Também em duodeno, jejuno ou cólon (colopatia hipertensiva portal).  
     O tratamento endoscópico consiste na esclerose das varizes com injeção de substâncias irritantes
para o endotélio vascular, quer de maneira paravariceal ou intravariceal.  Há parada do sangramento
em 85% dos casos.  
     Pode também usar a vasopressina (leva a vasoconstrição primária das arteríolas
da região esplâncnica, diminuindo o fluxo das veias porta, gástrica e ázigos; no entanto, também
age a nível sistêmico, levando a hipertensão arterial, angina e arritmias).  
     Também pode usar-se o balão de Sangstaken-Blackmore, mas pode lesar a mucosa esofágica. 
     Se falhar, operar.
As diferenças entre as técnicas não são grandes, e a opção dependerá da experiência da equipe.  
     Shunt esplenorrenal distal: exige pacientes com diâmetro adequado da veia esplênica, 
boa drenagem para a veia cava inferior e adequada distância entre as veias esplênica e renal.  
     Shunt esplenocaval: 
1. Indireta: necessita uma veia esplênica adequada, com posição anatômica e drenagem da veia
renal esquerda normal.  O shunt é feito com anastomose término-terminal da veia renal com 
a veia esplênica.
2. Direta: sua escolha depende de uma veia esplênica adequada, com posição anatômica da
veia renal esquerda inadequada.  O tronco da mesentérica deve ser rodado para a direita, propiciando
uma dissecção ideal da veia cava inferior.
     Shunts mesocavais com diâmetros pequenos: nos pacientes que não preencheram critérios
angiográficos para os shunts anteriores, principalmente se há anomalia da veia esplênica (trombose,
tortuosidade ou diâmetro inadequado); também quando há falha na escleroterapia recente.  
     Devascularização: é a mais indicada nos portadores de esquistossomose; também a principal
opção em pacientes com trombose esplenomesentérica e de veia porta ou naqueles com vasos 
inviáveis para o shunt (trombose recanalizada ou tortuosa).  
     Mas a longo prazo, em pacientes que já tiveram sangramento, fazer: 
a) esclerose ou ligadura das varizes via endoscópica; 
b) o propranolol previne recidivas (dose = aquela que diminua em 25% a FC de repouso); 
c) cirurgia - não altera a sobrevida dos pacientes.  
     Em geral  uma infecção, hemorragia, sedativos, excesso de ingestão protéica, obstipação intestinal
desencadeiam encefalopatia.  
     Há alterações neuropsíquicas de origem metabólica e potencialmente reversíveis, traduzindo
agravamento funcional do fígado.  Há 4 estágios: 
1) alteração do comportamento e do ritmo sono-vigília; pode haver sonolência ou euforia.  
2) igual ao primeiro, com maior predomínio da sonolência e aparecimento do "flapping" ou asterixis.
3) paciente dorme a maior parte do tempo, mas responde a estímulos verbais; confuso, voz
arrastada, asterixis evidente. 
4) doente comatoso podendo responder (IV A) ou não (IV B) a estímulos dolorosos; asterixis ausente.
     Instalada a encefalopatia, a dieta deve ser modificada.  
     Nos casos brandos, reduzir a proteína animal para 20 g/dia, usando-se carnes brancas.  Nos casos
graves suspende-se a proteína animal, e usa-se a vegetal.  Nos comatosos fazer solução de glicose
hipertônica, tendo-se em mente que é comum  a intolerância à glicose, que pode ser corrigida 
com pequenas doses de insulina.  Solução EV de aminoácidos ramificados nos pacientes com 
intenso catabolismo ou onde se prevê longa recuperação.  
     A absorção intestinal de compostos nitrogenados está relacionada ao aparecimento ou 
agravamento da encefalopatia, e medidas visando o bloqueio dessa absorção ou modificações da flora
intestinal se justificam.  
Lavagem intestinal com neomicina (sulfato, 4 a 6 g/dia nos casos agudos), lactulose (Lactulona, 20 a
40 ml 6/6 horas até que hajam 2 a 3 evacuações pastosas ou semilíquidas/dia) ou lactose ou
sulfato de magnésio é importante nas hemorragias digestivas ou obstipações.  
     Na ascite, celularidade maior que 500 cél/mm3, com predomínio de linfócitos
sugere tuberculose ou tumor peritonial (encontro de células neoplásicas em 40%; biopsiar o 
peritônio via laparoscopia).  Lípides totais e amilase auxiliam nas ascites quilosas e pancreáticas.
     Quando há ascite pela primeira vez, por descompensação hepática, tratar apenas com restrição
salina.  Diuréticos são feitos apenas após esta tentativa ou em pacientes hipoexcretores de sódio
- inferior a 40 mEq/dia.  Antes do diurético certificar que a albumina plasmática seja maior ou 
igual a 3,0 g/dl e o paciente não esteja desidratado.  Usar espironolactona, 50 a 100 mg 
(podendo chegar a 300 mg) e avaliar em 3 a 5 dias, pela perda de 300 g/dia.  Se não há boa resposta
aumentar a dose e/ou usar furosemide (40 a 120 mg/dia), mas há maior risco de encefalopatia.
     Faz-se então paracentese evacuadora, retirando 4 a 6 l/punção, com a administração 
concomitante de albumina humana (1 frasco/litro de ascite drenada) ou haemacel (200 ml/l).  
     Pacientes com edema periférico toleram maior perda de peso, sem prejuízo da função renal.  
     Restrição hídrica apenas nos quadros avançados com sódio menor que 130 mEq/l, indicando 
excessiva reabsorção tubular de água livre, quando a ingesta deve ser reduzida para 800 ml/dia.
     Durante este tratamento teme-se a peritonite bacteriana espontânea, e a sindrome
hepatorenal, que é uma insuficiência renal funcional (não há lesão morfológica renal) por
desvio córtico-medular do fluxo renal e redução do fluxo sangüíneo para os rins.  Suspeitar quando o paciente evolui com azotemia e oligúria, com função
tubular preservada.  O diagnóstico diferencial com a insuficiência pré-renal é feito pela
expansão do intravascular que não é capaz de restabelecer a função na sindrome hepatorenal.
     Tal sindrome é indicação formal de transplante hepático.

     E pensar que muitas vezes um quadro tão grave começou como uma brincadeira no buteco da esquina!!!

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