Há 3 grupos etiológicos: a) secundárias à hipersecreção ácida (Zollinger-Ellison); b) ou à ingesta de antiinflamatórios não hormonais (AINE); c) pelo H. pylori; é o fator ambiental mais importante na gênese de aproximadamente 98% das úlceras duodenais (a úlcera ocorre em indivíduos HP positivos, e a cura da infecção cura também a úlcera; é pois uma doença infecciosa). A hereditariedade é marcante (em torno de 35% ); mais comum em grupo sangüíneo O, ABO não secretores. O tabagismo influencia a evolução, com mais complicações, refratariedade e recidiva. Os AINE inibem o ciclo de produção de prostaglandinas pelo bloqueio da cascata da cicloxigenase com menor produção de muco e bicarbonato; também há lesão da célula parietal por efeito tópico da aspirina. Esta por ser um ácido fraco, quando em contato com a mucosa gástrica, penetra rápido na célula onde é desacetilada formando salicilato, que é lesivo para a célula.
1) fatores agressivos - relacionados com a produção ácida; mas só 30% dos ulcerosos são hipersecretores, sugerindo outros elementos atuantes. Nestes doentes há maior população de células parietais, e células G. Além do mais, as células D, que produzem somatostatina, acham-se em número menor, gerando menor capacidade de bloquear a atividade da célula G e de inibir a célula parietal. 2) mecanismos de defesa - a) fatores pré-epiteliais - é a única barreira física entre o lúmen e a superfície da mucosa gástrica, composta pela barreira muco-bicarbonato e os fosfolipídeos que revestem a camada celular. O muco, sob as formas aderente e solúvel, é uma substância viscoelástica, hidrofóbica, composta por glicoproteínas polimerizadas, as sialomucinas, sob a forma de gel. A pepsina tem ação mucolítica, e o muco dos ulcerosos contém menor concentração de glico-proteínas polimerizadas, em razão da maior proteólise de seu componente de mucina promovendo piora da qualidade gel, e maior facilidade de atuação dos fatores agressivos. Também o H. pylori tem ação mucolítica. O bicarbonato é produzido pelas células superficiais sob estímulos como a concentração de H+ e prostaglandinas, e é armazenado nas malhas do muco, formando a barreira muco-bicarbonato, que neutraliza o H+, formando água e gás carbônico. No ulceroso a produção de bicarbonato é menor. A camada surfactante é a última das defesas; formada por fosfolipídeos, dando-lhe propriedade hidrofóbica; repele o HCl, impedindo que ele se disperse sobre a mucosa gástrica. b) fatores epiteliais - quando o epitélio superficial é lesado não há replicação celular, mas rápida migração das células do colo glandular para a área afetada, cobrindo a lesão; isto é limitado pela isquemia, depleção de cálcio tecidual e acidificação do meio. A resistência celular e os transportadores ácido-básicos são estabilizadores alcalinos quando há dano na barreira muco-bicarbonato e queda do pH. Já o fator de crescimento epidérmico estimula a síntese de DNA e o desenvolvimento celular. c) fatores subepiteliais - o principal é o fluxo sangüíneo. É clareador de substâncias lesivas como H+ e toxinas, e fornece nutrientes, impedindo a lesão celular.
Os pacientes tem ou não sintomas. Os assintomáticos evoluem assim por longos períodos e a sua primeira manifestação pode ser uma hemorragia ou perfuração. A dor é comum; melhora após alimentos (pré-pilórica ou duodenal); se localiza no epigástrio ou RCD, região interescapulovertebral e periumbilical. A sensação de peso pós-prandial pode ser por processo orgânico na região antropilórica (subestenose ou estenose), ou por hipersensibilidade da via nervosa sensorial aferente. Pirose indica refluxo gastro-esofágico, em geral, junto com úlcera duodenal. Há periodicidade da dor, com períodos de acalmia e piora. A dor persistente que não cede com alimentos, antiácido ou vômito significa complicação (úlcera penetrante em pâncreas ou órgãos vizinhos). Em 95% dos casos, a UD é solitária e localiza-se no bulbo, e tem diâmetro menor que 2 cm; a úlcera gástrica é geralmente única, na pequena curvatura, no antro, próxima à incisura angular, adjacente à mucosa secretora de ácido.
O mais importante é a endoscopia pois detecta a lesão e possibilita biópsia (obrigatório em úlceras gástricas; a lesão maligna em geral não cicatriza, mas há exceções). Pesquisar também o H. pylori (teste rápido da urease - usar um caldo com uréia, onde é colocado um fragmento de biópsia da mucosa gástrica; é positivo quando há aumento no pH e o indicador vermelho fenol muda sua cor de laranja vivo para vermelho em 5 minutos; o teste é barato, sensibilidade e especificidade altas; se for negativo, a mucosa estará normal em 90% dos casos. Cultura - indicações: nos pacientes com alergias medicamentosas e quando falhou terapia prévia. As biópsias são mantidas em solução salina e semeadas em até 2 horas após a endoscopia; o crescimento do H. pylori se dá em 3 a 6 dias, em meio chocolate-ágar-sangue; sensibilidade e especificidade altas; a ingestão prévia de omeprazol ou antibióticos interfere com o diagnóstico, devendo a endoscopia ser postergada em 2 semanas. Rx é também útil. Se pensar em Zollinger-Ellison determinar a gastrinemia em jejum e, se alta, estudar a secreção gástrica (para verificar se há hipercloridria).
Psicoterapia (converse com seu paciente); hospitalização (nas complicações); dieta (evitar leite - além da alta taxa de proteína contém também cálcio, estimulantes da secreção ácida; evitar alimentos que causam dispepsia; usar fibras; café e álcool não complicam); evitar o cigarro (diminui o efeito inibitório dos antagonistas H2 sobre a secreção ácida noturna). Pró-secretores: a liberação de prostaglandinas é o mecanismo principal. São: antiácidos - associam sais de Al com sais de Mg, com maior neutralização do alcalino e menos diarréia (com os sais de Mg) e obstipação (com os sais de Al); 3 vezes/dia é tão eficaz quanto cimetidine 800 mg à noite em 8 semanas. Sais de bismuto coloidal - ação bactericida e pró-secretora (estímulo da produção de muco, HCO3), por liberação de prostaglandinas endógenas. Anti-secretores: a cimetidine foi o primeiro bloqueador H2; a ranitidine foi introduzida em 1981, e a famotidina em 1985; com qualquer destes a cicatrização é de 70% em 4 semanas. A cimetidine inibe o sistema enzimático citocromo P-450, alterando o metabolismo pelo fígado de: lidocaína, warfarina, teofilina e diazepan (mas principalmente com anticoagulantes e anticonvulsivantes); também ocorre ginecomastia e oligospermia, o que não se dá com ranitidine e famotidina. Os bloqueadores H2 alteram a qualidade protetora do muco, interferindo em sua propriedade gel, o que explica as recidivas freqüentes. Já os inibidores da bomba protônica (omeprazol, sintetizado em 1979, é um derivado benzimidazólico que bloqueia a ATPase K+ ativada, enzima responsável pelo fluxo de H+ e influxo de K+, constituindo-se em uma bomba protônica). A cicatrização da úlcera após 4 semanas, com dose matinal de 20 mg é de 95%. Também controla pacientes com gastrinoma, em razão do bloqueio intenso e prolongado da secreção, onde a dose de 65 mg/dia inibe 80% da secreção em 48 horas. Devida a potente ação anti-secretora, há hipergastrinemia após 48 horas (aumenta 2 a 3 vezes); há risco de aumento na população das células enterocromafins-símile e o aparecimento de tumor carcinóide do estômago; também lansoprazol e pantoprazol. Com a supressão ácida, níveis de acloridria ou próximos a ela poderiam levar ao desenvolvimento bacteriano no estômago e formação de compostos nitrosos considerados carcinogênicos. Mas não se vê carcinóide de estômago ou maior taxa de câncer. Helicobacter pylori (virulência) - a resistência dele à acidez gástrica é atribuída a uma urease de peso molecular de 500-600 kilodaltons, localizada no espaço periplasmático e na membrana externa do mesmo. A enzima promove hidrólise de uréia (presente no suco gástrico), formando amônia que age como aceptor de H+, aumentando o pH ao redor da bactéria. Assim o H. pylori é protegido dos efeitos deletérios do pH ácido, podendo ter acesso à camada de muco gástrico. Sua motilidade (dada pela forma em espiral, e os flagelos) lhe permite, então, atravessar o muco e atingir a superfície da célula de revestimento, onde irá colonizar. Também a amônia produz alterações morfológicas e funcionais no epitélio gástrico, como aumento da difusão retrógrada de H+ na cél epitelial, aumento de aderência bacteriana e inativação do Complemento. A adesão do H. pylori à membrana celular das células da superfície mucosa é o passo final do processo de associação do microrganismo com a mucosa gástrica, feito pelas adesinas. O H. pylori é bem adaptado à mucosa gástrica, vivendo aí toda a vida. Ele também produz enzimas, como superóxido dismutase e catalase que conferem proteção à bactéria contra lise pelos macrófagos e polimorfonucleares, impedindo boa resposta inflamatória. Antibióticos: 1) sais de bismuto: subcitrato de bismuto coloidal isoladamente dá cicatrização de 40%. 2) amoxicilina: 2 g/dia, em esquemas duplos ou triplos. 3) metronidazol e tinidazol: sempre associados a outras drogas. Esquemas: tinidazol 12/12 horas e amoxicilina (ou claritromicina 250 mg, 8/8 horas) por 7 dias mais omeprazol por 14 ou 21 dias. Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, prurido oral, vaginal. 80% dos pacientes tem recidivas em 1 a 2 anos. Nas úlceras refratárias usar omeprazol ou bismuto por 8 semanas. É comum haver resistência ao metronidazol, a qual é menor quando associado. A terapêutica antiulcerosa é eficaz na cicatrização, mas o índice de recidiva é elevado e independe do medicamento empregado. 20% dos pacientes exteriorizam sua doença pela primeira vez através de sangramento. Após as primeiras medidas de ressuscitação e controle clínico, impõem-se a endoscopia digestiva, que será diagnóstica e terapêutica (injeção de solução com adrenalina e/ou álcool, interrompendo o sangramento). Os antiinflamatórios não hormonais tem ação: a) tópica: como com o AAS (danifica o metabolismo energético, levando à morte celular, com quebra da barreira mucosa e difusão retrógrada de prótons, com liberação da histamina intra-mucosa pelos mastócitos, e congestão vascular, edema e transudação de plasma para a luz gástrica; em minutos se produzem petéquias e erosões superficiais). b) sistêmica: há menor produção de prostaglandinas pela mucosa gastroduodenal.
O gastrinoma se localiza geralmente no pâncreas (cabeça); também no fígado, estômago, duodeno (primeira ou segunda porções, sendo solitários ou múltiplos, e pequenos), hilo esplênico, ovários, linfonodos mesentéricos e peripancreáticos. Assim o "triângulo do gastrinoma" é limitado acima pela inserção do cístico no canal biliar comum, abaixo pela transição da segunda para a terceira porção duodenal e pela junção da cabeça com o corpo do pâncreas. 60% dos gastrinomas são malignos. A evolução para Zollinger-Ellison nos pacientes com hiperparatiroidismo é comum e tem relação com a hipercalcemia que estimula a secreção de gastrina, tornando funcionantes gastrinomas latentes (em geral no duodeno proximal); são diminutos, múltiplos e submucosos. Clínica: úlceras pépticas resistentes ao tratamento; esofagite de refluxo; diarréia em 50% dos casos, pela grande concentração de ácido clorídrico intraluminal, mas também pela hipergastrinemia que aumenta a secreção intestinal de k+ e diminui a absorção de água e Na+. Diagnóstico: secreção ácida basal maior que 15 mEq/hora, e ácida noturna (12 horas) maior que 100 mEq. Acentuada hipergastrinemia também se acha em anemia perniciosa. Radiografia contrastada de esôfago-estômago-duodeno e endoscopia revelam esofagite e úlcera. Em 40% dos casos o tumor não é identificado. Tratamento: cirúrgico, com ressecção do gastrinoma, ou clínico, com omeprazol ("prazóis" em geral).
Há febre com leucocitose, taquicardia, taquipnéia e abdome em tábua de instalação súbita. O íleo é precoce por irritação peritonial e o aumento discreto da amilasemia decorre da absorção de enzima derramada na cavidade. O pneumoperitônio, sinal radiológico clássico, às vezes demora a surgir (algumas horas) ou é discreto demais para ser reconhecido. A injeção de gás no estômago por sonda naso-gástrica é válido para precipitar seu reconhecimento ao Rx. Os exames contrastados do trato gastrointestinal estão absolutamente contra-indicados. A endoscopia confirma o diagnóstico.