Sérgio e Priscila

DEPOIMENTO ("deficiência auditiva")

Meu nome é Sérgio Marmora de Andrade , sou surdo profundo, tenho 49 anos de idade, funcionário público e moro no Rio de Janeiro, onde nasci e cresci.

Para começar não gosto de usar o termo "deficiente auditivo" pois esta palavra tem uma conotação negativa e pode levar à idéia de que os surdos são incapazes o que não é real. Utilizarei , portanto o termo, que para mim é mais apropriado: "surdo".

Nasci completamente surdo e minha surdez é hereditária. Minha mãe, meu pai e alguns tios, até onde sei, também são surdos.

Nunca ouvi nenhum som sequer: as ondas no mar, o vento, o canto dos pássaros e por aí vai. Para mim, entretanto, esses sons nunca foram essenciais para a compreensão do mundo, já que cada um deles sempre foi substituído por uma imagem visual, que me transmitia exatamente as mesmas emoções que qualquer pessoa que ouve sente, ou talvez ainda com mais força, quem sabe?

As minhas palavras nunca faltaram, e nunca fui uma criança rebelde ou nervosa por uma simples razão: sempre tive como me comunicar, as pessoas em minha volta sempre entendiam o que eu queria pois compartilhavam das mesmas palavras que eu: os sinais.

Nunca tive vergonha dessa forma de comunicação já que era eficaz e me fazia entender o mundo bem como fazê-lo entender-me. Muitas pessoas, infelizmente, ainda têm preconceito, e o que é pior, na própria área de educação. Uma vez, uma professora chamou minha mãe no colégio para dizer-lhe que os sinais eram feios e perguntou onde eu tinha aprendido! É claro que minha mãe não entendeu a pergunta já que a mesma era surda e nós só conversávamos através dos sinais. Onde eu tinha aprendido?! Onde uma pessoa que ouve aprende suas palavras? O processo é exatamente o mesmo...

Mais tarde eu aprendi que os sinais que eu usava não eram apenas sinais, apenas gestos ou mímica, aprendi que se tratava de uma língua: a Língua de Sinais. A Língua de Sinais, como qualquer outra língua, possui uma estrutura própria. Existe uma Língua de Sinais diferente para cada país: a Libras (Língua de Sinais Brasileira), a ASL( American Sign Language), etc... E em cada país essa língua pode variar dialetalmente, regionalmente ou socialmente e assim por diante...

Aprendi a ter respeito por essa língua que afinal de contas era a minha própria! Existem muitos surdos que ainda desconhecem essas questões e não sabem o quanto se pode estudar sobre esse assunto, o quanto é rica a nossa língua, o quanto é expressiva, conhecer sua gramática é mergulhar em um mar sem fim... É maravilhoso!

Atualmente trabalho na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e faço muitas pesquisas sobre a LIBRAS, a questão lingüística de uma forma geral, entre outras coisas. Faço palestras por todo o Brasil e fora também. Em muitas lugares como a Suécia por exemplo, estas questões estão muito desenvolvidas. É lamentável que no Brasil ainda estejamos engatinhando nesse assunto...

Tenho uma vida completamente feliz e bem sucedida, tenho amigo surdos e ouvintes e não faço qualquer distinção entre eles, sei apenas que quando estou lidando com ouvintes, na realidade é como se estivesse falando com estrangeiros dentro de meu próprio país. Tento me esforçar para entender a Língua Portuguesa que me envolve entre jornais, outdoors, revistas, etc, mas gostaria imensamente que os ouvintes também tentassem aprender essa outra realidade que faz parte do seu país: a Língua de Sinais, assim como se esforçam para aprender inglês, espanhol, francês, etc.

Sou casado pela segunda vez com uma pessoa ouvinte, cujo nome é Priscila . Digo "ouvinte" porque o termo "normal" me faz parecer "anormal", coisa que certamente não sou. Priscila conhece a Língua de Sinais, e é assim que conversamos 24 horas por dia, sobre todos os assuntos possíveis, sejam eles concretos ou abstratos.

Tenho um mundo de informações sobre a minha vida e a vida da pessoa surda que gostaria de compartilhar com quem estivesse interessado em conhecer. Pais de surdos, surdos, ou curiosos sobre o assunto.

Quem quiser pode me encontrar através do endereço: _marmora@ig.com.br ou visitar a página da Federação Desportiva a qual presido: http://membro.intermega.com.br/fdserj

E para finalizar: "Nós surdos não somos deficientes e sim diferentes.

Sérgio Marmora de Andrade

Email - _marmora@ig.com.br

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