Ariel Bogochvol[1]
Este trabalho é
produto de uma síntese de 2 trabalhos que apresentei sobre o tema genérico das relações entre Psicanálise e
Psiquiatria, acrescido de alguns desenvolvimentos novos.O primeiro foi
publicado no Correio da Escola Brasileira de Psicanálise n.12 de agosto de 1995
e o segundo no Boletim de Novidades da Pulsional n.99 de julho de 1997.Pretendo,basicamente,desenvolver
algumas considerações sobre a psicofarmacologia,sua importância no mundo
contermporâneo,a revolução que provocou e discutir algumas articulações que
podem ser feitas no tocante à relação entre psicanálise e psicofarmacologia.
O desenvolvimento da psicofarmacologia é um dos fatos
mais marcantes da modernidade.
A introdução da
clorpromazina por Delay e Denicker em 1952 foi o momento de fundação da moderna
psicofarmacologia e o marco inicial de uma revolução que afetou primeiramente a
terapêutica, a clínica psiquiátrica e as
neurociências e que acabou por afetar o conjunto das ciências e a visão
que o homem tem de si mesmo.
Seria necessário
retomarmos os passos desta progressão, que transformou um tema clínico
sucessivamente em fundamento de um conjunto de ciências,em corte
epistemológico, em ontologia e,por último,em uma cosmovisão,para diferenciarmos
os planos em que ela ocorreu.
Pois a
psicofarmacologia é simultaneamente um fato da clínica,da ciência,da epistemologia,da
ideologia,da mídia,da economia,da metafísica e da ética e em torno dela
gravitam e se entrelaçam discursos de fundamentos e consequências variados e se
colocam algumas das questões mais fundamentais do pensamento contemporâneo.
Impossível, para
qualquer discurso atual, permanecer alheio e ignorar os desafios que lhes são
lançados pela psicofarmacologia,pelas neurociências e,de forma mais extensa,
pela biologia. Como afirma Luc Ferry no livro A Sabedoria dos Modernos-Dez questões para o nosso
tempo,em um tom um tanto retumbante: “...se as pretensões da neurobiologia
se revelassem consistentes, toda a visão da humanidade ficaria mudada- a tal
ponto que as ciências humanas,a começar pela psicanálise,mas tambem a filosofia
clássica,não poderiam mais continuar a falar da loucura,da ética ou da
liberdade como fazem hoje.” [2]
Fato da Mídia, da Economia, da Ideologia, da Política
A psicofarmacologia
e as neurociências são ,em primeiro lugar, um fato da mídia. Diariamente somos
informados do lançamento de substâncias capazes de tratar os mais variados
males e da descoberta de suas causas: impotência, depressão, euforia, bulimia,
anorexia, delírio, alucinação, angústia, medo, obsessão, desamparo...,a lista é extensa e
continuamente renovada.
As novidades são
lançadas com grande alarde pelos laboratórios e centros de pesquisa,
amplificadas pela imprensa, defendidas pelos especialistas e tem extensa
repercussão: “descoberta a cura da depressão!”, “método revolucionário para o
tratamento da esquizofrenia!”, “remédio resolve problemas de timidez!”, “acabe
com a impotência!”
Atividades
ligadas à biologia,à neurobiologia e à psicofarmacologia são florescentes tanto
em termos científicos como em termos econômicos. Bilhões de dólares são gastos
em pesquisas, desenvolvimento de tecnologias, testes, divulgação e
marketing.Uma ampla rede envolvendo universidades, centros de pesquisa,
laboratórios, indústria farmacêutica e outras empresas trabalha em
cooperação,emprega milhares de pessoas em todo o mundo e é responsável pela
produção de um dilúvio de dados e informações[3].
As
informações se difundem e passam a fazer parte do senso comum, do sistema de
crenças partilhadas,como verdades cientificamente provadas. São assimiladas sem
qualquer crítica e se reproduzem no meio social que as trata com
espanto,reverência e banalização.
É
parte do senso comum contemporâneo a idéia de que várias formas de
sofrimento,de mal estar,de distúrbios psíquicos, são causados, tratados e
curados biologicamente,que já conhecemos o modo de funcionamento de nossos
cérebros e mentes e que a ciência já teria descoberto ou estaria prestes a
descobrir as razões últimas da normalidade e anormalidade do homem.
A
opinião consensual contrasta fortemente com a opinião de alguns
clínicos,cientistas e filósofos. John Searle,por ex,entende que é escasso o
conhecimento que temos do cérebro humano e que as pretensões de certas teorias
são proporcionais ao tamanho desta ignorância.Cita o neurologista David
Hubel,para quem “o nosso conhecimento do cérebro encontra-se num estado muito
primitivo.Enquanto para algumas regiões desenvolvemos uma espécie de conceito
funcional,há outras acerca das quais se pode dizer que estamos no mesmo nível
de conhecimento em que nos encontrávamos relativamente ao coração antes de nos
darmos conta de que ele bombeava sangue”.[4]
O otimismo reinante,crédulo em relação ao saber e ao
poder da ciência, contrasta fortemente, tambem, com o incremento do mal estar
na civilização. Em torno de ilhas de prosperidade e felicidade proliferam os
continentes de miséria e penúria,as massas famintas e em guerra,os racismos,a
segregação e os fundamentalismos de toda a espécie, a recessão e a depressão da
ordem globalizada.
A Biologização e a
Psiquiatrização
A
euforia associada às neurociências e à biologia é correlativa de uma marcante biologização
do homem. Para os defensores mais radicais do biologicismo que se instalou
no pensamento moderno a natureza humana se reduz à sua estrutura biológica,o
mal estar que a afeta é explicável
biologicamente,seu tratamento é biológico e tudo isto já estaria
definitivamente comprovado pela ciência. Esta posição extrema “...pretende
encontrar na infra-estrutura genética os motivos últimos de nossos
comportamentos,desviantes ou não,e até de nossas opções morais e estéticas”.[5]
Termos
derivados e da psiquiatria se tornaram parte da linguagem cotidiana: “sou um
deprimido”,”estou deprimido”,”tenho um T.O.C, “me falta lítio no cérebro”,
“tenho síndrome do pânico” são expressões ultilizadas pelos pacientes e pela
população em geral,representativas do modo como o homem comum se apreende a si
mesmo.
Associada
à biologização há uma psiquiatrização da vida social que,
partindo do “homo biologicus”,transforma seu mal em doença mental, sua doença
em fato biológico puro e que conduz, como consequência, a uma despolitização e
a uma desresponsabilização generalizadas.Há uma alienação do homem em relação a
si mesmo e ao seu destino,como se o seu mal lhe fosse alheio, já que inscrito
em seus genes e circuitos neuronais.
Estamos
em uma era em que a biologia tornou-se ciência-mestra e base para uma série de
posições para-científicas e totalizantes.O biologicismo e o psiquiatrismo
são sub-produtos do discurso científico e oferecem uma nova modalidade
de compreensão do homem, reduzido,finalmente, ao seu estado natural.Apesar de
seu materialismo,é inevitável sua associação à direita política, quer em função
de sua posições inatistas, que resvalam facilmente na eugenia, quer em função
de sua filosofia naturalista que aponta a natureza como “causa do mal” e
,dentre eles ,da desigualdade e da diferença entre os homens.
Mas as
neurociências e a psicofarmacologia são, antes de mais nada, um fato
científico e um fato científico de tal relevância que não pode ser
obscurecido pelos usos políticos, ideológicos, filosóficos, morais, metafísicos
que fazem de seus resultados. É necessário diferenciarmos a ciência e a pseudociência
que se produz em seu nome.
História da
Psicofarmacologia
Desde tempos imemoriais sabe-se que substâncias químicas
introduzidas no corpo podem modificar estados psíquicos. Alcool, ópio, haxixe,
cocaina, alucinógenos... foram usados largamente na história, pelas mais
diversas civilizações associados `as práticas de cura, de união com os deuses e
com o sagrado, de revelação e `aquelas puramente hedonistas. “O serviço prestado por estas
substâncias na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão
apreciado como um benefício que tanto indivíduos quanto povos lhes concederam
um lugar pemanente na economia de sua libido”.[6]
Esta
farmacopéia do espírito não parece,de forma alguma,ter convidado religiosos,
filósofos e cientistas a se interrogarem sobre os ensinamentos que dela podiam
ser tirados para a compreensão da vida mental.[7] É preciso esperar o sec XIX para que um
alienista,Moreau de Tours,coloque,à propósito do haxixe,o problema da relação
entre certas formas de alienação mental e os efeitos psíquicos de uma droga.
Em 1860,o químico alemão Albert Nieman extraia da folha
de coca seu alcalóide,a cocaina,comercializada 20 anos depois, e suas
propriedades estimulantes e efeitos terapêuticos sobre a dependência morfínica
eram comprovados. Freud que, durante muito tempo, autoprescreveu-se cocaina,
escrevia em 1884:... “a cocaina parece convocada a preencher uma lacuna no
arsenal dos medicamentos de que a psiquiatria dispõe.(...) É por isto que se
recomendou a coca nos estados de enfraquecimento psíquico mais diversos,para
combater a histeria,a hipocondria,os distúrbios da melancolia,o estupor,etc”[8].
Uma
substância específica era capaz de tratar vários quadros psiquiátricos.
A descoberta,nos anos 30,das propriedades alucinógenas da
mescalina,alcalóide extraido de um cacto e depois,alguns anos mais tarde,de um
produto de síntese ,o LSD, abriu caminho para um estudo comparativo com as
alucinações patológicas,estabelecendo-se o modelo das psicoses
experimentais.Produtos quimicamente bem definidos eram capazes de provocar
anomalias precisas e limitadas da vida mental.[9]
Estabelecia-se,com firmeza, a relação entre a ultilização
de certas substâncias e a produção ou cura de certos estados mentais e a
semelhança entre os quadros mentais naturais e aqueles causados por estas
substâncias.
É interessante notar como um mesmo
produto podia ser classificado,em função da época e do lugar,ora como um remédio ora como uma droga ou tóxico. A
substância passava de uma categoria a outra.Há um século a heroina era um
remédio contra a tosse e a coca era vendida livremente como psicoestimulante.O
LSD já foi proposto como auxiliar de psicoterapia e a maconha , proibida na
maior parte dos paises, é liberada para uso médico em alguns estados dos EUA e
para uso recreativo nos Paises Baixos. Recoloca-se aqui o problema do
Pharmakon, introduzido por Platão,substância que porta em si a capacidade de
funcionar como veneno e como remédio[10].
Pode-se dizer que antes da descoberta
dos medicamentos psicotrópicos propriamente ditos,os psiquiatras não estavam
totalmente sem recursos. Faziam uso,com um certo sucesso,dos opiáceos ( como o
láudano ) para tratar determinadas formas de melancolia,do cloral para acalmar
e adormecer,dos barbitúricos como hipnóticos e contra a epilepsia e apelavam
tambem para o eletrochoque ainda hoje eficaz para o tratamento de vários
quadros psiquiátricos.[11]
Em 1952, Delay e Deniker relataram o
sucesso obtido no tratamento de um paciente psicótico com a
clorpromazina,substância ultilizada inicialmente por Laborit para obter uma
hibernação artificial durante a anestesia e que apresentava propriedades e
características singulares como atenuação/ cessação de delírios e
alucinações,lentificação psicomotora e indiferença afetiva sem prejuizo das
funções cognitivas. Nascia a classe dos antipsicóticos,os neurolépticos, e a
psicofarmacologia moderna.
No mesmo
ano, Zeller e Selikoff relataram suas observações acerca da
iproniazida,substância ultilizada no tratamento da tuberculose e que produzia
melhora do humor e sensação de bem estar independente de sua ação
bacteriológica e nascia o primeiro antidepressivo do grupo IMAO.
No final da década de
50,Kuhn,pesquisando efeitos antipsicóticos da imipramina, substância
estruturalmente semelhante à clorpromazina,descobria seus efeitos
antidepressivos, fundando o grupo dos antidepressivos tricíclicos.
Em 1960,com o clordiazepóxido
iniciava-se a era dos benzodiazepínicos que substituiam com grandes vantagens
os barbitúricos no tratamento farmacológico dos estados de ansiedade.
Na década de 70 ocorria a difusão do
uso de sais de lítio e de medicações
inicialmente ultilizadas na epilepsia(carbamazepina,ácido valproico) como
estabilizadores de humor.
Nos anos 80 eram lançados ou
relançados os neurolépticos chamados atípicos e uma nova classe de
antidepressivos, os ISRS(inibidores seletivos de recaptação de serotonina).[12]
Nos anos 90 proliferaram os ISRS e
foram lançados os IRSN(inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina)
e os ISRN(inibidores seletivos de recaptação da noradrenalina).
A moderna psicofarmacologia é
feita,portanto, de medicações antipsicóticas,
antidepressivas,ansiolíticas,estabilizadoras do humor e anti-epilépticas,
distribuidas em vários grupamentos químicos com seus protótipos.
A extensão do uso provou que elas
não eram tão específicas quanto se imaginava inicialmente e,apesar de
permanecer vigente a classificação por
finalidades terapêuticas básicas,elas se modificaram sensivelmente, se ampliaram
ou confluiram. Assim,verificou-se que os antidepressivos tratavam mais
eficazmente alguns distúrbios ligados à angústia (síndrome do pânico,por ex) do
que a maior parte dos ansiolíticos;verificou-se que os neurolépticos podiam ser
ultilizados em transtornos impulsivos ou em doenças pertencentes ao espectro
obsessivo compulsivo(Gilles de la Torrete, por,ex);verificou-se que algumas
medicações antiepilépticas podiam ser ultilizadas para tratamento e prevenção
de transtornos de humor ou afetivos...
A maior parte das descobertas
fundamentais da psicofarmacologia decorreu de observação clínica ou se deu por
acaso,como um achado, precedendo em muitos anos os modelos teóricos destinados
a explicar seus efeitos.Somente no final da década de 60 surgiu o modelo da
neurotransmissão cerebral e o modelo da ação farmacológica, sugerindo que os
psicofármacos agiam ou nos neurotransmissores ou nos neuroreceptores ou em
ambos.
A revolução psicofarmacológica
que,em torno de 10 anos, modificou o cenário da terapêutica estava,por um lado,
em estreita continuidade com o período anterior já que prosseguia as pesquisas
destinadas a decobrir ou sintetizar substâncias capazes de modificar o estado
psíquico.A descontinuidade se produziu nos métodos, profundamente transformados
pelo desenvolvimento vertiginoso das neurociências catalizado pelos
psicotrópicos.
Com a formulação do modelo da
neurotransmissão,a Psiquiatria passava,finalmente, a partilhar com o conjunto
da medicina os mesmos esquemas referenciais e acedia a um estatuto científico.
Conhecidos nos planos da ação molecular e da neurofisiologia dos transmissores
e receptores, os psicotrópicos provocavam uma reinvenção da clínica e da
terapêutica.
Neurotransmissão é
um termo que designa tanto a transmissão do impulso nervoso ao longo dos
circuitos neuronais como as estruturas e dispositivos necessários à sua
efetuação.[13]Cada
neurônio recebe sinais pelos seus dendritos,os processa em seu corpo celular e
emite um sinal através de seus axônios para o próximo neurônio da linha.Tal
emissão consiste em enviar um impulso elétrico
que se propaga como ondas de despolarização ao longo da membrana celular
até os terminais do axônio.
Entre o axônio e os
dendritos de outro neurônio há um espaço de descontinuidade denominado
sinapse,que consiste basicamente em uma saliência com a forma de um cogumelo no
axônio que se encaixa próximo a uma protuberância do tipo dorsal na superfície
do dendrito.A área entre o botão e a superfície dentrídita pós-sináptica é a
fenda sináptica,e quando o neurônio descarrega,o sinal é transmitido através
dela.
A transmissão do
sinal não é feita por uma ligação elétrica direta entre o botão e a superfície
dendrítica mas pela liberação de pequenas quantidades de fluidos denominados
neurotransmissores.Estes neurotransmissores se ligam a receptores na membrana
pós-sináptica e causam a abertura de “portões” que possibilitam a movimentação
dos íons de dentro para fora do lado dendrítico acarretando uma alteração de
sua carga elétrica.
O procedimento
padrão é este: existe um sinal elétrico do lado do axônio,seguido por uma
transmissão química na fenda sináptica que,por sua vez, é sucedida por um sinal
elétrico do lado dendrítico.A célula absorve uma quantidade enorme de sinais
provenientes de seus dendritos,faz uma síntese deles em seu corpo celular e,com
base nesta síntese,ajusta o índice de descarga para as próximas células na
linha.
neurotransmissores
/________/
/____________/ fenda
/__________________/
/______________
neuroreceptores sináptica
Temos,em nosso cérebro,bilhares de circuitos neuronais e
trilhares de combinações interneurônicas,dispostos em redes eletroquímicas
descontínuas que,em um jogo entre funções inibitórias,excitatórias e
modulatórias, interagem e produzem um resultado absolutamente complexo, a
mente.
Não
deixa de ser surpreendente que nossa vida mental tenha como base a atividade de
neurônios cuja função principal é apenas aumentar ou diminuir seus índices de
descarga e que nosso destino se desenhe nestes microscópicos espaços de
descontinuidade do sistema nervoso,a sinapse,a fenda.
Uma Teoria da Clínica
e a Psiquiatria Biológica
Os distúrbios psíquicos seriam provocados por alterações
da neurotransmissão em determinadas regiões do cérebro: aumento ou diminuição
dos neurotransmissores, maior ou menor disponibilidade dos receptores,
interferências em suas relações recíprocas.
Estas
alterações,por sua vez, poderiam ser provocadas por causas adquiridas -
infecções, tumores,deficiências nutricionais, fatores psicológicos... ou por
causas genéticas,as principais.
Neste
caso, os genes determinariam, por vias ainda desconhecidas, o funcionamento
cerebral e seus distúrbios e poderiam ser entendidos como a causa primeira,a
causa das causas,como aquilo que acionaria o conjunto de eventos cuja
resultante final seria o fenômeno psíquico e psicopatológico
O fenômeno psicopatológico é concebido,portanto, como
produto de um distúrbio neurofisiopatológico tratável farmacologicamente.O
sintoma expressaria no plano psíquico aquilo que é primariamente um transtorno
da neurotransmissão cerebral, manifestaria em um registro aquilo que é alteração
do outro.Temos uma concepção sináptica do distúrbio mental.
Assim,em um quadro esquemático,poderíamos colocar:
Alt/Neurotransmissão |
Efeito Clínico |
Tratamento |
Da dopamina no sist.
Mesolímbico |
Transtornos Esquizofrênicos |
Neuroléptico:bloqueio dos receptores pós sinápticos |
Das monoaminas cerebrais |
Transtornos Depressivos |
Antidepressivos:inibição da recaptação da serotonina ou da
noradrenalina |
Dos
sistemas GABAérgicos |
Transtornos de Ansiedade |
Ansioliticos:potancialização do efeito inibidor do GABA |
Este é o esquema
básico de orientação da chamada Psiquiatria Biológica que era, até há algum
tempo, um ramo da Psiquiatria dedicado ao estudo dos fundamentos
neurobiológicos da atividade psíquica e que se tornou,na atualidade, uma
concepção abrangente da clínica.
Apesar
de ser apresentada como tal,a Psiquiatria Biológica não é um campo unificado:
há objetos,métodos,concepções e resultados radicalmente divergentes. Parodiando
Lacan,poderíamos dizer que A Psiquiatria Biológica não existe e
que ,na verdade, existem discursos,disciplinas,ciências que tem como referente
o biológico em variadas versões.[14]
Para os defensores do
biologicismo,uma das concepções mais influentes da Psiquiatria
Biológica,epistemologica/científica/“midiaticamen/ te”, o sintoma psíquico e o
próprio psíquico, seriam causados biologicamente e deveriam ser pensados
estritamente nesta dimensão.Não haveria qualquer razão para postularmos uma
ordem propriamente psicopatológica ou qualquer autonomia da dimensão
psíquica,já que elas seriam apenas epifenomênicas.
Entre o psíquico e o
psicopatológico haveria uma diferença que é
função de uma diferença puramente biológica . É a intervenção do
biológico que pode transformar o psíquico em psicopatológico já que o
psíquico,ele mesmo, não pode produzir nada, por ser apenas um produto.A
causalidade nunca poderia ser psíquica,apenas extra-psíquica e neurobiológica.
Os sintomas,as
síndromes e entidades clínicas seriam,então, conjuntos epifenomênicos que se
ordenariam apenas por laços de temporalidade,de simultaneidade e sucessão.Em
lugar de uma lógica do psicopatológico, temos uma lógica baseada na ocorrência
estatística de determinados eventos, que se propõe a ser uma razão pura,
ingênua, não contaminada por teorias ou abstrações,sensível aos efluxos
estatísticos da realidade clínica.
Estas concepções nortearam em grande parte a
organização das nosografias contemporâneas(o CID 10 e o DSM IV),que,
ironicamente, são apresentadas como ateoréticas,,denegando,assim, seus próprios
pressupostos.
Temos,de qualquer
forma,uma “teoria completa” da clínica que articula coerentemente causa
biológica,mecanismo fisiopatológico,manifestação sintomática e tratamento.
Existe,neste modelo, a proposição de uma sequência
causal determinística,verificável empiricamente: há causas que causam causas
que causam efeitos. Ou,dito de outro modo:
a b
c ... y onde a é a alteração genética,b é a alteração da
neurotransmissão e y o evento psíquico.
O modelo é bem simples,tem fecundidade heurística,
possibilita o entendimento de vários fenômenos e sua validade pode ser
demonstrada à partir de sua aplicação aos fenômenos psiquiátricos e ao problema
da eficácia dos psicofármacos.
Podemos caracteriza-lo,sinteticamente,como
ontologicamente materia/ lista, fisicalista, monista, reducionista e eliminativo.[15]
Aporias de uma Psiquiatria sem Psiquismo
O ponto fraco desta concepção e dos modelos que
ultiliza reside no fato de que ela parte de uma aporia: afirma e nega simutâneamente
o elemento psíquico.
A sequência causal postulada parte de um evento
biológico(alteração genética,alteração da neurotransmissão) e chega a um
estado psíquico (o sintoma),dotado, aparentemente,de propriedades
diferentes do evento biológico.A diferença,no entanto,não é tratada. Passa-se
por cima da própria formulação, nega-se o ponto de partida e a questão que
deveria ser resolvida.
Como se relacionam,de fato e de direito, os registros
neurofisio/ patológicos e psicopatológicos? Como alterações da noradrenalina ou
da serotonina podem causar o delírio de culpa do melancólico? Como alterações
da dopamina podem produzir o delírio esquizofrênico? O automatismo mental? Que
relações podem haver entre os rituais obsessivos e os sistemas GABAérgicos? Ou
com os ataques de pânico? Ou com os quadros conversivos e dissociativos? Como
alterações quantitativas podem produzir modificações qualitativas? Como um
fenômeno biológico pode produzir um fenômeno psicológico? Como um corpo pode
produzir o psíquico e o psicopatológico?
São questões,obviamente,fundamentais e para as quais
não há respostas consistentes. São, até certo ponto as questões iniciais,ou
seja, retomam o perene e ancestral problema mente-corpo não mais pelo viés da filosofia ou da
religião,mas da clínica e da ciência.
Trata-se de tentar captar,no plano do encadeamento
causal proposto, o momento em que o fenômeno fisiopatológico se transforma em
um fenômeno psicopatológico. Momento terminal do encadeamento causal,o fenômeno
psicopatológico representa um ponto de ruptura que se dá em um plano que é
primariamente psíquico.É em uma trama psíquica,em meio às representações,
cognições,afetos,impulsos,recordações e desejos,em uma subjetividade enfim, que
o psicopatológico faz sua irrupção.
Como coloca J.Searle: “não temos qualquer ideia de
como os processos cerebrais,que são fenômenos objetivos publicamente
observáveis,poderiam causar algo tão peculiar quanto estados internos
qualitativos de ciência e sensibilidade,estados que são,em um certo
sentido,particulares àqueles que os possui.(...) Como fenômenos
privados,subjetivos e qualitativos poderiam ser causados por processos físicos
ordinários, tais como as descargas neuronais eletroquímicas que ocorrem nas
sinapses dos neurônios?Como o cérebro transpõe o obstáculo, passando da
eletroquímica ao sentimento?”[16]
O fenômeno psicopatológico é tanto um ponto de ruptura
na trama da existência de um sujeito como tambem na própria sequência dos
fenômenos biológicos que seriam sua causa.Há claramente um hiato entre aquilo
que é a causa e aquilo que é o efeito,algo rateia.
Esta vertente da psiquiatria biológica tenta resolver
a questão desqualificando,de entrada, um dos termos.Propõe uma explicação
reducionista e eliminativa de uma descrição em nada reducionista e que tem de
ser, necessariamente, seu ponto de partida.[17]
Em seu projeto mais radical,o reducionismo “tenta explicar os fenômenos reduzindo-os às
suas partes.(O comportamento pode ser reduzido às suas bases biológicas)[18].
As bases biológicas da conduta podem ser reduzidas aos movimentos dos músculos
e à secreção das glândulas,o que,por sua vez,é resultado de processos
químicos.Estes processos podem ser compreendidos a partir das mudanças das
estruturas moleculares,que,por sua vez,reduzem-se a mudanças das relações dos
átomos no nível molecular e que se expressa em índices matemáticos.A extensão
lógica do reducionismo permite expressar o comportamento do homem em conceitos
matemáticos” .[19]
Como afirma Bento Prado Jr :“(...) o temor de incidir em um dualismo metafísico leva a admitir que
o acolhimento e compreensão dos fenômenos mentais implica a afirmação da
existência de entidades não físicas “ao lado” do mundo físico. A confusão
conceitual consiste em supor que a decisão quanto ao estatuto do sujeito ou da
consciência está condenada a oscilar e escolher entre dois e apenas dois
polos.(...) que teríamos de optar entre o materialismo reducionista e o
dualismo metafísico”.[20]
Neste sentido,esta versão da psiquiatria biológica
autorizou-se a confundir níveis e ordens que continuam a ser diferentes e só
podem ser conhecidos em sua especificidade ou em sua autonomia relativa
separadamente.Tentou anular a emergência
,que é o surgimento neste ou naquele nível de complexidade de um fenômeno novo
e único, causado mas não explicado totalmente pelo nível de complexidade
inferior (segundo a máxima “se o superior vem do inferior,dele se distingue
efetivamente”).Como obervava Lucrécio,podemos rir sem sermos formados por
átomos ridentes ou podemos filosofar sem sermos formados por átomos filósofos. [21]
É notável observar como esta vertente,tentando escapar
de um dualismo metafísico e adotando um materialismo reducionista, acabou por
produzir uma psiquiatria bem eficaz, sustentada em um cérebro sem psiquismo,sem
mente,sem mundo,sem sujeito,esvaziado.
É casual o fato de assistirmos,ao lado dos sucessos
terapêuticos, uma degradação da clínica, substituida por entrevistas
padronizadas,pela lista de sintomas,pela proliferação dos diagnósticos e das
polifarmacoterapias?
Contrapondo-se a esta posição, colocam-se os
idealistas,os mentalistas, os humanistas, os religiosos/espiritualistas,os
psicanalistas e todos aqueles que, situando-se como materialistas no sentido
ontológico,adotam uma perspectiva
emergentista, entendendo a mente
e/ou como um produto emergente da atividade cerebral, e/ou como produto
do encontro de um cérebro com as formas histórico-sociais da existência do
homem e/ou de seu encontro com o Grande Outro/A[22].
A Psicanálise Questionada
Para além de suas aporias, a psiquiatria biológica
promoveu uma revolução na Psiquiatria, na clínica,na terapêutica,nos métodos,na
ética,no ensino,afetando globalmente os discursos e disciplinas que a compõe.
Para seus defensores mais radicais,a velha ordem
psiquiátrica construida por gerações de pensadores,psiquiatras,
psicólogos,psicanalistas e neurologistas ao longo dos séculos XIX e XX teria
sido soterrada.A nova ordem,baseada nas neurociências e na eficácia dos
psicofármacos, teria recolocado,enfim, a Psiquiatria em seus eixos,
intrinsecamente biológicos.O próprio termo psiquiatria biológica já não
seria mais que uma redundância.
Disciplinas filiadas às chamadas ciências
humanas,psicológicas, históricas,antropológicas nada teriam a dizer sobre estes
eixos e são duramente questionadas quanto à legitimidade de sua pertinência ao
campo clínico.É como se o desenvolvimento das neurociências implicasse no
desaparecimento de outras disciplinas ou como se as neurociências trouxessem a
prova material da falácia destas disciplinas.
As neurociências são apresentadas como se pudessem
oferecer,ao mesmo tempo,as provas afirmativas da veracidade das posições da
psiquiatria biológica e as provas negativas para a refutação de todas as outras
disciplinas.Ocupam um duplo papel,empírico e metacientífico.
A Psicanálise, em particular,é um dos alvos preferidos
desta ofensiva e anuncia-se,mais uma vez na história, sua morte,sua
desaparição. Se os modelos biológicos podem explicar a psique e a
psicopatologia e, se através dos psicofármacos,pode-se tratar eficazmente os
transtornos psíquicos,que lugar resta para a psicanálise?
Há debates acalorados amplamente ultrapassados.Aquele
que opõe regularmente neurociências e psicanálise ou psiquiatria e
psicanálise,em uma relação de anulação ou de exclusão recíproca, não oferece
mais ,na verdade,muito interesse,exceto para estes tipos de exercício de
discussão que,com seu rumor,obscurecem as questões verdadeiras.[23]
A Psiquiatria é um campo de saber,i.é. um conjunto de
conhecimentos metodicamente adquiridos,mais ou menos organizados
sistematicamente, passíveis de serem transmitidos.É produto da concorrência
de disciplinas, ciências,discursos
díspares e contraditórios - psicopatologia, psicologia,
neurologia,neurofisiologia,neuropsicologia,antropologia,cibernética biologia
molecular, psicanálise...- que gravitam em torno do fenômeno psicopatológico.A
reunião disto tudo é um imenso mosaico,um quebra cabeças.[24]
A Psicanálise,enquanto modo de investigação dos
processos mentais,método de tratamento baseado nestas investigações e conjunto
de teorias psicológicas e psicopatológicas em que são sistematizados os dados
introduzidos a partir da investigação e tratamento[25],
pertence,evidentemente, ao campo clínico.Ela se aplica à psiquiatria e
estabelece com os discursos e disciplinas que a compõe relações das mais
díspares.
Obviamente há imensas zonas de disjunção e conjunção
entre estas disciplinas.Querendo ou não,aceitando ou não,os analistas e os
neurocientistas são obrigados a se posicionar tanto em relação às questões
fundamentais suscitadas na psicanálise pelas neurociências/biologia como pelas
questões suscitadas nas neurociências/ biologia pela psicanálise, mesmo que
seja para dizer que não há qualquer questão que possa ser tratada
simultaneamente por ambas.
O Corpo e o Aparelho Psíquico
Os psicanalistas são confrontados,inicialmente, com a
noção de corpo/cérebro trazido pela ciência contemporânea. Para alguns,estas
noções da biologia não lhes dizem respeito e seriam absolutamente exteriores à
psicanálise. Para outros,elas estariam situadas no limite ( entendido como
fronteira ou como ponto extremo[26]
) do campo psicanalítico e deveriam,
portanto, ser abordadas psicanaliticamente.
Freud,desde o início
até os desenvolvimentos mais tardios de sua obra, não ignorou o lugar do
corpo e a função que poderia ser concedida ao biológico e ao químico no
movimento da sua especulação.[27]
Participou,intensamente,do ideário de sua época,
cientificista e naturalista[28].Tinha
intimidade com a pesquisa e a literatura biológica bem como a psiquiátrica.Suas
referências a estas disciplinas são constantes e ultilizava com grande
frequência seus modelos concreta ou metaforicamente. Considerou,em várias
ocasiões, as teorias psicanalíticas como construções provisórias e precárias e
acreditava que,talvez, o progresso da biologia pudesse resolver este estado de
coisas.O Projeto de uma Psicologia Científica representa,de início, esta
esperança e mostra que sua obra já começa com as tentativas e os fracassos da
aproximação e com os dilemas e as contradições suscitadas pela relação
psicanálise-biologia.
Em um de seus últimos textos, Esboço de Psicanálise,
espécie de testamento,Freud escreve:“Só conhecemos de nossa vida mental duas
coisas:seu órgão somático e o lugar de sua atividade,o cérebro ou o sistema
nervoso,de uma parte, e nossos estados de consciência como dados imediatos,de
outra parte”[29]
Seu aparelho psíquico se funda,inequivocamente, em um
corpo biológico,mas dele se destaca.O modo de relação entre ambos é problemático mas nenhum dos polos é
negado,nem suas organizações específicas.Talvez os termos que melhor condensem
esta forma de articulação sejam pulsão e apoio.
Pulsão é “um conceito situado na fronteira entre o psíquico
e o somático,como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro
do organismo e alcançam a mente,como uma medida de exigência feita `a mente no
sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo”.[30]
É uma montagem
que reune quatro elementos díspares: a fonte (Quelle),processo
somático que ocorre em um órgão ou parte do corpo, a pressão(Drang),seu
fator motor,a quantidade de força ou a medida da exigência de trabalho que ela
representa, a finalidade(Ziel) que é sempre a satisfação e o objeto(Objekt)
,a coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir sua
finalidade.[31] O resultado
é uma verdadeira “colagem surrealista” como afirmava Lacan.[32]
Apoio é um
termo que designa a relação primitiva das pulsões sexuais com as pulsões de
autoconservação.As pulsões sexuais,que só secundariamente se tornam independentes,apoiam-se
nas funções vitais que lhes fornecem uma fonte orgânica,uma direção e um
objeto.[33]Esta
relação é particularmente evidente na atividade oral do lactente.
Como escrevia Freud em 1905: “... a satisfação da zona
erógena estava a princípio estreitamente associada à satisfação da necessidade
de alimento.A função corporal fornece à sexualidade a sua fonte ou zona
erógena;indica-lhe imediatamente um objeto,o seio;finalmente causa-lhe um
prazer que não é redutível à pura e simples satisfação da fome,uma espécie de
brinde de prazer”.[34]
Estas noções e conceitos trazem em si a marca de uma
contradição[35] e não
resolvem propriamente a questão da articulação entre o psíquico e o somático.Ao
contrário,eles representam esta articulação paradoxal,são termos que nomeiam
uma zona de ignorância.
A pulsão parte do somático,apoia-se no
somático,torna-se pressão e apresenta-se no psíquico com um representante,
podendo satisfazer-se com objetos variados.Neste movimento o corpo se apresenta
mas é apenas representado dentre o conjunto de representações, diferente
do que é em sua origem orgânica,ao nível psíquico.
Existe,então,o corpo suporte das funções corporais
importantes para a vida no modelo das quais se opera o apoio,corpo da
necessidade e,pelo viés deste brinde de prazer,deste lucro obtido
à margem,encontramos o corpo erotizado e erógeno.
Não se trata de retomar toda a problemática do corpo
em Psicanálise[36], mas de
trazer alguns conceitos que evidenciam que não há,à princípio, uma contradição
entre as noções de corpo oferecidas pelas neurociências e pela psicanálise,mas
diferenças.De uma forma sintética, poderíamos dizer que a noção psicanalítica
supõe e se apoia nas neurociências,mas dela se destaca.De um ponto de vista
freudiano, poderíamos admitir,por ex, que os
psicofármacos agem na fonte(Quelle) e na pressão(Drang), o que
resultaria em modificações da pulsão.
Seria necessário,por outro lado, que as neurociências
incluissem em sua análise esse corpo erógeno e representacional apresentado
pela Psicanálise(por ex,o corpo histérico).
Uma Introdução ao Outro
As vertentes
biologicistas apresentam o cérebro,a mente,o corpo, em uma dimensão
estritamente biológica.Estes objetos passam por um processo de naturalização
e são mostrados como outros fenômenos naturais. Para elas,no limite,esses
“seres naturais” existiriam em um mundo natural, ordenado por leis naturais,
biológicas.
A redução naturalista não deixa de evocar o
mito bíblico de um paraiso onde o homem e a natureza seriam perfeitamente
harmônicos.Neste Eden primordial,antes do pecado original,o homem era um ser
natural,co-natural,sem qualquer diferença ou conflito com seu Unwelt.
O mito da gênese ultilizado,implicitamente, por esta
concepção parte da co-naturalidade do homem e denega os efeitos produzidos,
“após sua queda”, por sua inserção em um mundo cuja “natureza natural” é bem
questionável.
Como afirma a Gênesis: (Então o Senhor) disse tambem à
mulher: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto;darás `a luz com dores,teus
desejos te impelirão para o teu marido e tu estarás sob o seu domínio”.E
disse,em seguida, ao homem: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do
fruto da árvore que eu te havia proibido comer,maldita seja a terra por tua
causa.Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de sua
vida.”(...) E o Senhor Deus disse: “Eis que o homem se tornou como um de
nós,conhecedor do bem e do mal”.[37]
Expulsos do
paraiso, estes seres se desnaturalizaram. A ingestão da “fruta proibida”,a
fruta do saber,da ciência,da linguagem,o pecado original, desnaturalizou a
mulher em sua relação ao sexo e à maternidade e o homem em sua relação ao sexo
e ao trabalho. Para ambos tratava-se,então, de entrar/criar,sofrer/trabalhar
em um mundo humano “desnatural”.
Como coloca A. R. Luria, “o homem se diferencia do
animal pelo fato de que,com sua passagem à existência histórico-social,ao
trabalho e às formas de vida social a elas vinculadas,mudam radicalmente todas
as categorias fundamentais do comportamento.A atividade vital humana é
caracterizada pelo trabalho social e este,mediante a divisão de suas
funções,origina novas formas de comportamento,independentes dos motivos
biológicos elementares.(...) O segundo fator decisivo que determina a passagem
da conduta animal à atividade consciente do homem é a aparição da
linguagem(...) que levou ao surgimento de um sistema de códigos que,
inicialmente ,designava objetos e ações e que,logo,começou a diferenciar as
características dos objetos,as ações e suas relações e que acabou por formar códigos sintáticos(e semânticos)[38]
complexos.Este sistema teve uma importância decisiva para o desenvolvimento da
consciência”. [39]
Se,na perspectiva darwinista,o homem está próximo de
seus ancestrais símios e se partilha com os chipanzés 99% de sua carga
genética,este 1% de genes que os diferenciam,esta pequena diferença
quantitativa no plano biológico, pode traduzir-se em mudanças qualitativas
fundamentais[40] e é nesta
diferença que encontramos as condições biológicas de sua hominização.
Trabalhos etológicos mostram,por ex,que entre os
macacos há sistemas de comunicação mas nenhuma estrutura de linguagem,hierarquizada.Que
as habilidades que desenvolvem não são transmitidas.Que manipulam objetos mas
são incapazes de confeccionar instrumentos e que estes rudimentos nunca são
conservados.Que há condutas ritualizadas mas nunca cerimoniais e rituais.Que há
limitações para o acasalamento consaguíneos,mas nunca proibições.Que não há
culpa que acompanhe sus ações agressivas ou “transgressivas”.Que há percepção
mas não reconhecimento de si próprio[41]
O processo de hominização
implica,necessariamente,no encontro de
um corpo biológico/genético/organismo, com um universo estritamente
simbólico,povoado de humanos.
É somente à partir de sua relação com os outros e com
o Outro que o sujeito humano irá se formar.É no intercâmbio com seus
semelhantes,em um universo regido pela fala,por leis simbólicas de
trocas,proibições,prescrições, que este ser,seu cérebro, consciência e
inconsciência, se constituem e que seu corpo ganha corpo.
Para Lacan, “os símbolos e o simbólico envolvem,com
efeito,a vida do homem com uma rede tão total que conjugam,antes que ele venha
ao mundo,aqueles que vão engendrá-lo pelo osso e pela carne que trazem no seu
nascimento(...) e pelo desenho de seu destino,que dão às palavras que o farão
fiel ou renegado,a lei dos atos que que o seguirão até onde ele não está ainda
e para alem de sua morte mesma”[42]
O corpo está submetido à linguagem e,em
consequência,ele se desnatura. Na criança,a libido é canalizada para certas
regiões,as zonas erógenas à partir das demandas de seus pais e em função disso
o corpo é subordinado à demanda do Outro,à linguagem,e suas diferentes partes
tomam determinado sentido.O corpo é então desenhado,escrito por significantes,
encravados para sempre na carne.A linguagem incide no organismo para produzir o
corpo humano[43].
É à partir deste Outro que precede seu nascimento e
que perdura após sua morte,que o sujeito deverá se constituir como homem ou
mulher em relação à sua progenitura e descendência,em sua vida e na antecipação
de sua morte,à partir de leis que que regulam as relações entre os sexos e as
gerações.
O cérebro deverá oferecer as condições para que o processo
de hominização se efetive, i.é deverá servir de suporte para a passagem do
reino da natureza ao reino da cultura atravessada por todo sujeito em sua
hominização.
Por isso deverá ser capaz de regular-se por este
Outro,a Cultura,o Discurso Universal e de modificar-se à partir de suas
relações sociais com os outros.É necessário que esta ordem se instale e que o
cérebro apropriando-se dela se modifique para que possa finalmente nela se
inserir .
À partir daí,tudo que lhe concerne,seus
pensamentos,afetos, percepções,memórias,sensações,estarão indelevelmente
marcados pelo simbólico.Seu corpo e seu cérebro,submetido a esta rede estará,em
sua constituição biológica mesma,perpassado,atravessado,marcado definitiva/
mente por uma ordem diversa da ordem biológica.
As neurociências,a psicopatologia, a psiquiatria
biológica e a psiquiatria podem prescindir desta dimensão?
A
Superposição Clínica ou Sobre a Intersecção dos Campos
Contra aqueles que
afirmam que não há qualquer vinculação possível entre psicanálise e
neurociências apresenta-se,soberana,a clínica.
A clínica
psiquiátrica,em qualquer de suas modalidades,é o ponto de articulação e a
referência comum de todas estas disciplinas.Todas,sem exceção, tem de situar-se
diante do psicopatológico, das esquizofrenias,
paranoias,depressões,manias,histerias,transtornos ansiosos,do fetichismo... das
neuroses, psicoses, perversões,
A Psicanálise foi
fundada à partir da clínica psiquiátrica,contribuiu intensamente para sua
formação e foi ,de certa forma,a primeira teoria que conseguiu ordenar e
explicar um vasto setor da clínica.Tornou-se,durante certo tempo e sob a
denominação Psiquiatria Dinâmica ,uma concepção hegemônica da clínica.Na
atualidade,a eficácia dos modelos neurobiológicos e dos psicofármacos coloca em
questão suas teorias e seu método terapêutico.
Os psicofármacos agem
em praticamente todos os quadros psiquiátricos. Se tomarmos a classificação por
finalidades terapêuticas – antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos,
estabilizadores de humor e antiepilépticos – podemos agrupar grosseiramente as
condições clínicas em que atuam. ssim:
*AntipsicóticosÞ Esquizofrenias, Disturbios Delirantes, Episódios Psicóticos
Agudos, Psicoses Orgânicas, Depressões com sintomas
Psicóticos...
*AntidepressivosÞ depressões,ataque de pânico e transtornos de ansiedade
em geral (fobias,TOC...)
*Estabilizadores de HumorÞ Transtornos afetivos,bi ou monopolares.
*AntiepilépticosÞ epilepsias,transtornos impulsivos e transtornos afetivos bi
ou
monopolares
O que há em comum em
todos estes quadros e em seus fenômenos
típicos e característicos?
Pelo menos de um ponto de vista lacaniano podemos
colocar que o traço comum é o
aparecimento no real de algo que,por alguma razão, não pode
permanecer no plano simbólico.
O que é o real? Como afirma J.A.Miller “a
pergunta mesma sobre sua natureza não convem ao real. O procedimento de
definição busca uma verdade e precisamente o real não é da ordem da verdade.Ele
deveria ser abordado à partir das respostas e não da questão”.[44]
Não é a ocasião para retomarmos a problemática do
conceito de real na teoria lacaniana.Importa colocar que ele sofreu ao longo do
tempo diversas mutações que alteraram profundamente seu sentido e lugar no
corpo teórico.
Em um primeiro momento foi tomado como aquilo que se
situava totalmente exterior ao campo analítico,impossível de ser abordado por
ele.Em um segundo momento foi abordado sucessivamente como significado e como
significante.E em um terceiro momento surge como algo que não é nem
significante nem significado,um real outro que o sentido e o saber,totalmente
heterogêneo à linguagem.[45]
Haveria,na psicanálise,tanto a experiência da
linguagem como a do real,sob diversas modalidades.Sinteticamente,há fenômenos
que obedecem a fórmula “estruturados como uma linguagem”e aqueles que escapam
totalmente a este modo de organização.Em oposição aos primeiros, chamados formações do Ics, J.D.Nasio
propõe chamar os segundos de formações
do objeto a[46]
A expressão formações do objeto a permite
agrupar em torno de um nome diversos produtos psíquicos que tem como
características o fato de serem formações terminais que não resultam de nenhuma
combinatória e que se apresentam na clínica como um fato compacto,na dimensão
do fazer,do feito,particulamente sobre o corpo,como reais ou vindas do real.Implicam
sempre em um gozo que é necessariamente inconsciente,indiferente à noção
satisfação/insatisfação e autoerótico. [47]
A Depressão (uma hemorragia libidinal),a Mania (uma
excitação mortífera),a Angústia (sinal e irrupção) e o Delírio e a Alucinação
podem ser tomados como formações do objeto a, fenômenos em que há a
percepção ou intrusão de um objeto que aparece no real ou que retorna do real.[48]Estes
quadros,em sua disparidade, poderiam,então, ser agrupados, dentro da
perspectiva adotado por J.D. Nasio, como formações do objeto a produzidas
por forclusão.( com exceção da angústia)
Há uma notável superposição entre estes quadros,com
seu modo específico de produção, e os quadros tratáveis farmacologicamente.Esta
coincidência suscita diversas questões: os psicofármacos poderiam intervir no
real? Poderiam modificar a experiência do real?Como abordar analiticamente os
efeitos das medicações?
De um ponto de vista lacaniano poderíamos admitir,como
hipótese, que os psicofármacos intervêm no real,que modificam a experiência do
real e que agem atraves da modulação do
gozo.
A Psicofarmacologia e a Psicanálise
Quanto `a questão da eficácia dos psicofármacos os
psicanalistas adotam 4 posições básicas
que podem ser resumidas em 4 afirmações dogmáticas:
a) “a
psicofarmacologia é um mito criado pela
indústria farmacêutica”
b) “os
psicofármacos são drogas e como tais produzem apenas estados de alteração de
consciência ou estados de embriaguez”
c) “os
psicofármacos agem, são eficazes, mas isto não tem qualquer importância para a
psicanálise já que a psicanálise,por seus métodos e objeto,se distingue
radicalmente da psiquiatria”
d) “os psicofármacos agem,são eficazes, e isto tem importância para a
psicanálise,afetando seu campo que possui numerosas intersecções com a
psiquiatria”.
Pelo exposto
anteriormente é evidente que adoto a posição d e entendo todas as outras
como refutáveis e refutadas empiricamente.
A posição a é
indefensável já que a experiência clínica e as inumeráveis pesquisas
científicas demonstram a eficácia dos psicofármacos.Ao abordar a
psicofarmacologia como um mito esta posição cria um mito para seu uso próprio e
se recusa a discutir as questões
suscitadas pela psicofarmacologia
A posição b fixa-se em uma equivalência entre a
medicação e a droga recusando o avanço oferecido pela noção de
Pharmakon,descrita anteriormente,que pode ser
tanto o remédio como o veneno. Se a droga visa o a mais,mais de
prazer/mais de gozar, a medicação visaria o a menos,o menos prazer,a
menor adptação.Esta posição acaba recusando um dos polos da tensão instaurada
pelo Pharmacom.
A posição c entende que a psiquiatria e a
psicanálise são campos absolutamente distintos,em sua
problemática,objetos,métodos e que mesmo não negando a eficácia dos
psicofármacos assume que esta questão não deve ser tratada pela Psicanálise.A
superposição,evidente no campo clínico, coloca em suspeita esta posição.
Parece-me evidente que
as medicações agem e que isto tem um enorme interesse tanto para os psiquiatras
biológicos quanto para os psicanalistas.Na verdade os psicofármacos são muito
significativos para ficarem apenas nas mãos dos psicofarmacologistas. Como afirma P. Fedida: “A pesquisa
psicanalítica ganha mais,sem ceder em suas próprias exigências,em considerar a
incidência dos novos psicotrópicos e em contribuir para a compreensão das
mudanças que induzem, se não nos próprios processos,pelo menos em suas
manifestações”[49]
É cada vez mais comum
a prática de co-terapia e do psicanalista, quando psiquiatra, medicar seus
pacientes. São frequentes,portanto,os casos de pacientes que estão análise e
que se ultilizam de alguma medicação.
Há,na clínica e na pesquisa,várias linhas de
convergência e questões comuns.Cito algumas:
*Quais são os efeitos subjetivos concretos da introdução de um agente
farmacológico?[50]
*Qual o papel e qual é a estrutura transferencial própria aos
efeitos-placebo?[51]
*Quais são os efeitos do discurso biologizante sobre os pacientes?
*Como produzir a implicação subjetiva de pacientes que seriam
desresponsabilizados pelo discurso biologicista
*Como manejar a transferência em situações de co-terapia?
*Como pensar a noção de sujeito à partir da ação dos psicofármacos?
*Como diferenciar os efeitos dos psicofármacos nos registros
imaginário,simbólico e real?
*Como diferenciar o corpo nos registros real simbólico e imaginário?
*Podemos explicar os efeitos dos psicofármacos por uma ação na pulsão?
*Podemos explicar os efeitos dos psicofármacos por uma ação no gozo e
no real?
Para concluir, podemos
dizer que,diante das questões suscitadas pela relação entre a Psicanálise e a
Psicofarmacologia,seria necessário adotarmos uma postura de prudência e
admitirmos a necessidade de “uma
espécie de pluralismo epistêmico que não implica qualquer tese metafísica;um
pluralismo das formas de linguagem para a qual é possível falar
significativamente,segundo registros conceituais diferentes,do mesmo mundo”[52]
O debate continua...
NOTAS
[1] Psiquiatra e Psicanalista- Médico Assistente Comissionado do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP,Supervisor de Psiquiatras-Residentes e Membro da Escola Brasileira de Psicanálise Seção São Paulo
[2]A. Comte-Sponville,L.Ferry. - A Sabedoria dos Modernos, Martins Fontes São Paulo,1999
[3]Segundo a revista de divulgação científica Galileu, um único laboratório envolvido no Projeto Genoma é capaz de produzir,por dia, um volume de informações 20.000 vezes maior do que as obras completas de Shekspeare!!!
[4] J. Searle- Mente Cérebro e Ciência- Edições 70-Lisboa,pg 13
[5] A. Comte-Sponville,L. Ferry – A Sabedoria dos Modernos – Martins Fontes 1999 ,pg 67
[6]S. Freud. - O Mal Estar na Civilização –Vol XXI da Edição Standard Brasileira –Imago Editora Ltda-1974
[7] D. Wildlocher – O Cérebro e a Vida Mental – Boletim de Novidades Pulsional,n 99
[8] S.Freud – Uber Coca – citado por D. Wildlocher em artigo supracitado
[9] D.Widlocher – O Cérebro e a Vida Mental – Boletim de Novidades Pulsional,n 99
[10] M.E.Costa Pereira – Psicanálise e Psicofarmacologia :Novas Questões de um Debate Atual- Boletim de Novidades Pulsional,n 99
[11] E. Zarifan – Os Limites de uma Conquista –Boletim de Novidades Pulsional,n 99
[12]T.A.Codás,R.A.Moreno – Condutas em Psiquiatria –Lemos Editora,1993
[13] Sigo,na descrição da neurotransmissão, J. Searle no livro O Mistério da Consciência-Editora Paz e Terra 1998
[14] ver livro o Mistério da Consciência em que J. Searle debate com vários autore as referências ultilizados pela psiquiatria biológica.
[15] Para definição destes termos consultar,por ex, A Sabedoria dos Modernos,pg 30
[16] J.R.Searle-O Mistério da Consciência,já citado
[17] Alguns autores entendem que o reducionismo seria um caráter contingente e não necessário dos modelos ultilizados pela Psiquiatria Biológica-ver,por ex,M. E. Costa Pereira em texto já citado
[18] O que está entre parênteses é acréscimo meu.
[19]Th. y Taylor –A Primer of Psychobiology. Brain e Behavior.NY 74,citado por A.Comte-Sponville-em A Sabedoria dos Modernos já citado
[20] Bento P. Jr – Apresentação do livro O Mistério da Consciência,já citado
[21] A.Comte-Sponville- Sabedoria dos Modernos já citado
[22] A – Autre –O Grande Outro- Lacan
[23] P.Fedida – A Química e o Psíquico- Boletim de Novidades Pulsional,n 99
[24] A. Bogochvol- Psiquiatria e Psicanálise –Correio da Escola Brasileira de Psicanálise –n.12
[25] Laplanche e Pontalis – Vocabulário de Psicanálise
[26] Aurélio B. de Holanda-Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa-1988
[27] P. Fédida- A Química e o Psíquico – Boletim de Novidades Pulsional,n. 99
[28] Durval M.N.Filho-Toxicomanias- Ed Escuta 1999
[29]S. Freud –Esboço de Psicanálise -Obras Completas Vol XXIII
[30] S. Freud – A Pulsão e suas Vic issitudes – Obras Completas Vol. XIV
[31] idem
[32] J.Lacan-Os Quatro Coceitos Fundamentais da Psicanálise –Zahar Editore1979
[33] Laplanche e Pontalis- Vocabulário de Psicanálise- Martins Fontes Editora 5@ Edição
[34] S. Freud – 3 Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade – Obras Completas Vol VII
[35] Durval M.N.Filho –Toxicomanias- já citado
[36] Ver,por ex, a Metapsicologia Freudiana de Paul Laurent-Assoun onde discute o Corpo captado pela clínica,propõe uma metapsicologia do Corpo e tenta desdobrar a idéia do Corpo como função do Innconsciente
[37] Bíblia Sagrada- Edição Claretiana,1981
[38] O acréscimo é meu
[39] A.R.Luria –Pensamento e Linguagem-Artes Médicas-Porto Alegre 1987
[40] A. Green – Neurobiologia e Psicanálise –Corpo e Mente:uma fronteira móvel-São Paulo-Casa do Psicólogo,1985
[41] idem
[42] J.Lacan-Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise
[43] I. Gurgel- A Ginástica dos Significantes –na revista Correio n. 23 da Escola Brasileira de Psicanálise
[44] J.A.Miller – A Experiência do Real na experiência psicanalítica – Seminário Inédito-texto traduzido livremente
[45] idem
[46] J.D.Nasio – As Formações do Objeto a
[47] idem
[48] J.Lacan- As Psicoses -
[49] P. Fedida – O Químico e o Psíquico –já citado
[50] Mario E.Costa Pereira – Psicanálise e Psicofarmacologia –já citado
[51] idem
[52]Bento Prado Jr – Apresentação do livro o Mistério da Consciência já citado
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