PSICANÁLISE E PSICOFÁRMACOS
Beatriz Aguirre
Quero agradecer ao colegas do grupo
de psicofármacos e psicanálise dos Estados Gerais por terem escutado minhas
indagações e problematizações sobre este tema, e aportado as suas. Foi uma
troca muito produtiva, espero que continue.
Estas reflexões começaram há muito tempo,
na medida em que, a separação entre um tratamento psicanalítico e um tratamento
psiquiátrico foi aprofundando-se de tal maneira que acabamos falando e tratando
objetos-sujeitos totalmente diferentes.
Esta situação não só afeta os pacientes,
mas também a mim psicanalista, pois introduz um forte elemento de estranhamento
nos resultados da dinâmica do tratamento com sua conseguinte produção de mal
estares e angústias.
Tudo foi acontecendo no contexto do
trabalho clínico dentro do Hospital-dia “A CASA”, com seus vinte anos de experiência, instituição de tratamento de
neuroses graves e psicoses, que denomino Instituição Psicanalítica, contra uma
forte tendência geral de enquadrá-la como Psiquiátrica.
Tive a agradável surpresa de encontrar
que já em 1947, Frida Fromm Riechman e Grodeck, chamavam instituições parecidas de Hospitais
Psicanalíticos.
Acho que este é um tema importante para
discutirmos, mas não tem espaço neste trabalho, simplesmente diremos que nestas
instituições o enfoque, o entendimento da dinâmica psicopatológica está dado
pela teoria psicanalítica, ou seja, uma determinada compreensão do
desenvolvimento da subjetividade e suas vicissitudes.
(Mencionaremos este tema referido à forma
em que as ações terapêuticas são desenvolvidas no Hospital Dia).
Estas ações de continência são motivadas
pelas particularidades das psicoses comparadas com as organizações chamadas de
normais e as neuróticas.
Desde esta comparação, é fácil concluir
que essas formas de continência que efetuamos com os psicóticos constituem a
contrapartida de sua particular forma de estrutura subjetiva.
Esta diferença com a “normalidade” e as
neuroses, pressupõe nestas a existência de uma estruturação subjetiva
“suficientemente” autocontida, o que significa uma organização psíquica dentro
do que chamamos de Ordem Edípica. Pelo contrário, as tentativas de
auto-continência que o psicótico se dá estariam por um lado dentro daquilo que
alguns autores chamam de próteses simbólicas, por exemplo, o que Winnicot chama
de falso self. Quando estas fracassam dão lugar ao que se constitui na ruptura
psicótica.
Pressupondo o fracasso deste tipo de
prótese, existe uma tentativa restitutiva, seria o delírio, o que Lacan chama
de metáfora delirante, tanto mais eficaz quanto mais sistematizado.
Este delírio é a própria explicação do mundo que o psicótico
propõe-se, já que a que lhe foi dada
ficou inexistente ou confusa e ambivalente no melhor dos casos. É por isto que
esta possibilidade (delirante) não está ao alcance de todos os psicóticos.
A CONTENÇÃO PSIQUIÁTRICA
Agora as ações de contenção dadas ao
psicótico, desde a psiquiatria sustentada pelo pensamento científico natural,
consistem em imprimir a ele, uma ordem pré-existente sobre a desordem
psicótica, que supõe a anulação subjetiva, e a exclusão do sujeito da ordem
simbólica comum, das possibilidades da intersubjetividade.
Estas ações constituem um fim em si
mesmas, ações eu diria puramente
físicas, ações no Real, impedindo o funcionamento do Simbólico e o Imaginário,
só levam em conta os “sintomas psicóticos” como se estes tivessem uma existência
também Real, independentes do Sujeito particular, sua subjetividade dinâmica,
vínculos e todos os estímulos que poderiam e podem modificá-los.
Esta contenção, que não chamo de
continência, se acentua ainda mais com as internações nos manicômios e clínicas psiquiátricas, onde se colocam de fato
muros em torno do psicótico na absurda tentativa de dar um “contorno” (uma vez
mais) físico concreto e de concreto, em aquilo da ordem da “insustentável
leveza do ser”, que sofre por não ser compreendido e por seus inúteis esforços
de compreender-nos.
Na minha visão do tratamento, a
continência cumpre um papel fundamental, e esta é tanto física como simbólica.
Esta continência se dá na Instituição
Psicanalítica com sua equipe disposta a ter que utilizar além da compreensão da
subjetividade do paciente, desde uma abordagem clínica psicanalítica, muitas
outras formas de agir, todos aqueles atos e ações que implicam gestos, toques,
movimentos, expressões afetivas, cuidados, etc. que não passam pela palavra, e
que podem ser planificados ou não.
Todas elas juntas têm a possibilidade de
provocar um enfraquecimento pulsional necessário, com o suporte, da
transferência dos pacientes e dos terapeutas.
Inclusive, podemos afirmar em função de
todas essas reflexões que o efeito da medicação não será o mesmo dependendo de
como estas “funções” transferências
sejam exercidas na relação com o paciente.
(Voltemos aos psicofármacos)
Grande parte das pesquisas em
psicofarmacologia, como, por exemplo, a de George M. Simpson e Philip R. A. May
“Schizophrenia: Somatic Treatment” encontram insatisfatória a natureza e o
tempo de resposta clínica aos antipsicóticos. A terapia de manutenção acaba
sendo insuficiente e decepcionante.
Reconhece-se a quase impossibilidade de
indicar em forma precisa a dose de manutenção mínima para um paciente em
particular.
As pesquisas mostram reiteradamente que
os psicofármacos retardam, mas não fazem prevenção das recaídas, e que muitos
outros fatores entram na prevenção dos
episódios de crise.
A atenuação dos surtos é temporária, e
não ajuda quase nada nas dificuldades cotidianas que experimenta o psicótico na
vida em sociedade.
Confrontando diferentes pesquisas, se faz
evidente que não há um tratamento único aplicável tal ou qual tipo de paciente.
Chegamos a conclusão que a medicação é
eficaz para aliviar as dores das psicoses. Porém, ela não cumpre com o objetivo
de ser capaz de curar. Para mim, o medicamento é ineficaz em tratar tudo que
leva a marca dos problemas humanos, dos conflitos intersubjetivos, dos
problemas de convivência com os outros, etc.
Poderia se pensar em dar tranqüilizantes
a um namorado para acalmar sua loucura transitória? Porque afinal de contas o
amor se mostra em determinados momentos como uma doença.
Por outro lado, e para terminar faço um
chamado aos psicanalistas sobre estas questões citando Fedida:
“É o conhecimento da ação terapêutica pelo psíquico que é próprio para determinar segundo quais incidências intervém uma ação farmacológica. Apostamos que os psicanalistas se privam de todo um campo de elaboração psicanalítica, fazendo da crença da onipotência do psíquico uma posição de ignorância da ação de uma substância. Pois a despeito deles, tal crença equivale a do Pharmakom”.
Bauleo A. “Notas de Psicologia y
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S.: Mas Alla del principio del placer” Ed. Paidos Buenos Aires 1971. outras Completas Tomo III
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Liberman, K. T. Mueser Schizophrenia: Psychosocial Treatment in Kaplan H.,
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Baltimore 1989-
Dra. Beatriz Aguirre
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Jardim Paulista – CEP 01403-010
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