O insólito lugar da Psicanálise
Prof. Dr. Juan Guillermo D. Droguett
Na minha pesquisa sistemática sobre a Vigência clínica de Freud, enquadrada na produção teórica da Associação Espanhola de Psicanálise Freudiana e no grupo de investigação em Psicanálise da FFLCH - USP, surge um questionamento importante e prospectivo. As teorias que sustentam o marco interdisciplinar nos abrem para um diálogo franco tanto "intramuros" como "extramuros" , a partir do lugar que ocupa a Psicanálise no âmbito das ciências do ser humano.
Uma pergunta surge no horizonte da proposta dos Estados Gerais da Psicanálise. Qual é o futuro da disciplina psicanalítica e, de alguma forma, da própria Psicologia em geral? Qual é o futuro da Psicanálise, em si, mas sobretudo, da Psicanálise no seu confronto com a chamada "Psicologia positiva"?.
O ponto de partida desta questão prospectiva vem proposta nos termos de Neri Dourella, no prólogo para a edição espanhola de sua importante obra interparadigmática de M. Hugh Erdelyi:
"No campo da Psicologia, desde fins do século XIX, coexistem dois paradigmas que vêm fazendo caminho de forma paralela, ignorando-se mutuamente e mencionando-se só para refutar, claro com honrosas exceções (...) A psicologia acadêmica, em sua maioria, tem-se identificado com o método experimental, com o paradigma condutivista, com uma visão molecular do comportamento, e tem desconfiado daqueles que utilizavam fundamentalmente o método clínico, enquadravam-se no paradigma psicanalítico e propugnavam uma visão molar da conduta. (...) Por sua vez, a comunidade psicanalítica receosa da psicologia acadêmica, mais preocupada pelo purismo metodológico do que com a compreensão da realidade, considera-a merecedora da crítica que Freud faz àqueles que "sempre estão limpando seus óculos em vez de colocá-los e ver com eles".
O lugar histórico da Psicanálise na Psicologia
A Psicologia é uma ciência de clara singularidade histórica e epistemológica; nisto encontra-se a sua precariedade e sua grandeza, ainda em condição de protociência. Desde as suas origens convive e disputa no seu seio com vários modelos da mente e da conduta, todos eles parcialmente válidos e nenhum absolutamente dominante. Talvez por este motivo a Psicologia, durante todo o século XX, tenha desenvolvido múltiplos nacionalismos teórico-práticos e, quando não peca de artificialismo experimental, peca de ambigüidade, abstração e confusão de línguas entre os diversos modelos ou construções.
Quando a Psicanálise apareceu a Psicologia denominada científica estava desabrochando e, em muitos sentidos, inexplorada. De fato, o laboratório fundado por Wundt no ano de 1879, em Leipzing acontecimento que pressupôs o estabelecimento formal da independência da Psicologia a respeito da Filosofia apenas precede em poucos anos ao texto freudiano Projeto para uma Psicologia Científica (1950[1895]). Seria ingênuo acreditar que Wundt aglutinou todas as frentes da investigação abertas pela Psicologia até esse momento. Limitou-se a concretizar e avançar mais um passo na linha iniciada por Müller, Helmholtz e outros psicofisiólogos alemães no estudo das sensações. Ambos aspiravam a decifrar os elementos que compunham e os processos que ocorriam na consciência. Wundt pioneiro e Freud neurólogo compartilharam mestres, leituras, inquietações por desenhar uma Psicologia inteligível para o mundo científico da época, utilizaram sua linguagem e traçaram um perfil mecanicista, energicista e fisiologista para a nova ciência.
Só a tirania exercitada durante décadas pelos mandamentos positivistas dentro da Psicologia levou a anular e esquecer todos os aportes de outras correntes, como as fenomenológicas, reflexivas ou a menosprezar seu valor, comparando-as com as derivadas dos métodos experimentais. Desde então, os laboratórios monopolizaram todo o patrimônio científico da Psicologia, reduzindo todo o saber, forma de obtenção de dados ou resolução de problemas.
No fim, o passo e o peso da história têm permitido ponderar a Psicologia científica (acadêmica), ao mesmo tempo potencializar as propostas teóricas e os aportes de modelos que, como o psicanalítico, estão sob suspeita da Psicologia oficial.
Freud adentrou-se na Psicologia pelo viés da Medicina, de modo concreto, a partir da neuropatologia, assim como seus ilustres predecessores, Jackson, Ribot, Charcot, mas esta situação não é excepcional, pois a Psicologia construiu-se como conseqüência das perguntas de outras ciências sobre o sujeito humano(filosofia, sociologia, pedagogia, etc). Muitos localizam a Psicanálise, porém, no limiar médico da Psicologia, como sucede com outras teorias que se posicionam nas fronteiras da filosofia (correntes fenomenológicas, estruturalistas, humanistas,etc), da biologia (correntes condutistas radicais, reflexológicas, psicofisiológicas,etc), da sociologia (correntes sistêmicas, etc), ou da cibernética (correntes cognitivas). O velho problema das fronteiras na Psicologia aparece acorrentado aos reducionismos, monopólios, fragmentações ou escolásticas no interior da Psicologia.
A origem médica não constitui para a Psicanálise motivo de vergonha, mas só a configuração de um de seus interesses preferenciais: a compreensão da dinâmica da doença psíquica para propiciar a cura. Mas, também, não se limitou a sentar as bases dinâmicas atuais da psicoterapia, nem a constituir-se como emblema da Psicopatologia. Compôs um sistema psicológico forte e autônomo com seu objeto, seu método, sua organização explicativa e suas aplicações às disciplinas e áreas internas e externas da Psicologia mesma.
A "revolução" histórica que propôs a Psicanálise parece um alarde apologético ao falar de ruptura epistemológica, já que é produto de seu tempo e engancha com seu tempo, ainda que o tivesse transcendido e sobrevivido. Alguns autores enfatizam a capacidade da Psicanálise para questionar e até ridicularizar a epistemologia racionalista, propondo uma Psicanálise da epistemologia que permita ir do apodítico à dúvida, do asserto do conhecimento à sua simples suspeita. O que a configura historicamente como um paradigma não é a absoluta novidade de seus conceitos, pontos de vista ou finalidades, a maioria deles préexistentes em outros cientistas ou pensadores filosóficos, mas a original combinação dos elementos do sistema, sua coerência interna apesar de sua complexa e abundante rede de hipóteses, leis, etc, e a sabedoria ao realizar sínteses entre as distintas microciências (fisiologia, física, psiquiatria, neurologia, etc) entre pontos de vista normalmente tratados separadamente até então. Os parâmetros estruturais, econômicos, dinâmicos e adaptativos da metapsicologia freudiana, apontados no nosso trabalho das categorias peircianas em Dresden, Alemanha (Droguett, J. ,1999) seguem outros paradigmas da Psicologia contemporânea: correntes psicofisiológicas, mecanicismo, estruturalismo, elementalismo introspeccionista, escola hórmica, funcionalismo, etc.
É obvio que também introduziu delimitações com respeito a tais paradigmas. Assim, frente à exclusividade na preocupação pela consciência da introspecção wundtiana, a Psicanálise inicia suas indagações e aplica a introspecção ao campo do inconsciente. Frente às inquietações por explicações naturalistas de todas as correntes fisiológicas e sensacionalistas, a Psicanálise abre um interesse pela compreensão com a dinâmica de forças desconhecidas internas que também a deixavam longe de Dilthey e da Escola de Würzburgo, diante do pragmatismo do funcionalismo e o condutivismo americano, a Psicanálise se inclina ao estudo do conflito do homem desadaptado; frente ao mecanicismo puro do conexionismo behaviorista, que entende a conduta e o aprendizado como produto da equação E-R, a Psicanálise propõem conceber a conduta manifesta como um simples emergir de significados, motivações e intenções latentes e até reprimidas: frente ao homem público, abordar o homem privado...
Enfim, a hipótese que sustento é que a Psicanálise reúne condições para aceder à entidade do paradigma, mas que apesar da inumerável literatura que se empenha em demonstrar o contrário, historicamente, não foi uma ilha nem um produto proscrito da psicologia científica contemporânea, no entanto, tem-se mantido integrado no seu seio, parcialmente na ruptura e parcialmente na continuidade como qualquer outro paradigma de muitos que abrigam esta disciplina.
O lugar epistemológico da Psicanálise na Psicologia
Nada parece tão longe da verdade que o fato de que a Psicanálise tenha-se mantido marginal à Psicologia ou que sua instauração nos domínios "objetais" e metodológicos da Psicologia não possa efetuar-se sem o agravo de ruptura da unidade desta ciência multiparadigmática e jovem.
Este pressuposto parte de uma história com a dicotomia entre os métodos de explicação e compreensão, entre os "objetos" susceptíveis uns da inteligibilidade direta e inacessível, outros ao conhecimento fenomênico , entre o nemotécnico e o ideográfico, entre a história e a estrutura dos fenômenos, entre o abstrato-mentalista e o concreto-empirista.
Foi Laganche um dos principais pioneiros e pontuais na luta pela "unidade da psicologia", para além dos paradigmas ou perfis modelizadores que inculcaram tanto a ideologização como praxis da Psicologia, além das versões naturalistas e humanistas, dos métodos experimentais versus os clínicos, da conduta como resultante versus a determinação motivacional e o processo.
Com garra pronunciou-se contra os pruridos da experimentação de forma tão resoluta que parecia governar os destinos da investigação psicológica, inclusive quando a adequação objeto-método resultava forçada. "Os problemas falou não estão feitos para os métodos, mas os métodos para os problemas". Pensar de outro modo nos levaria a um "fetichismo metodológico" tão inconveniente como espúrio, já que viraria uma restrição artificial do conteúdo e do processo mesmo da investigação.
Existem tantos rostos na Psicologia, tantas escolas, tantos ramos, como caleidoscópio é o próprio objeto que a ocupa. Afirmar que a Psicanálise, neste concerto, ostenta um lugar central, como sua estrutura nodular, é um claro tropo, uma pars pro toto que contribuiria a posicionamentos doutrinários e desintegradores.
Na verdade a Psicanálise nasceu com uma vocação dialética, não oposicionista aos elementos da consciência e da racionalidade, herdados como átonos e triviais, tais como os lapsos, os atos falhos e os sonhos. Desenterrou a magia, o primitivismo e a irracionalidade que subjaziam nas significações da conduta atual, apoiava a Psicologia precedente limitava-se a roçar a superfície dos fenômenos, preferindo supor que, dado que a "coisa em si", essencial, seu eixo gravitacional, não era acessível aos métodos cognitivos em uso, tal fundo não existia. A Psicanálise introduz o hiato da racionalidade.
A verdadeira ciência e a Psicanálise têm em comum sua impertinência, seu inconformismo, seu gnosticismo (alheio a toda revelação e a toda dogmática); portanto: abertura ao insólito, às perguntas mais do que as respostas, ao escondido mais do que ao revelado. É o desafio do desejo do conhecimento: saber o impossível.
A irrupção inovadora da Psicanálise na Psicologia.
O caminho da implantação psicanalítica no seio da Psicologia esteve semeado de dificuldades: a identificação entre o fato psicológico e o dado empírico, entre a causa e a razão, entre o racionalmente acessível e o real perturbaram as chaves inconscientes no vasto continente psicológico. Identificações que repousavam no centro mesmo das legítimas aspirações cientificas dominantes no positivismo e as que Freud veio subverter com o que M. Foucault qualifica de "saber arqueológico" ou de "contra ciência". A Psicologia profunda, como toda outra Psicologia supõe uma "reconstrução racional" do objeto conduta, susceptível de uma composição à base de conjecturas e refutações. Isto é possível em virtude da preciosa conjunção entre o conhecimento "puro"(investigação), e o conhecimento "aplicado"(terapia) decorrentes da teoria mesma.
O edifício da Psicologia profunda fecha- se com uma hermenêutica que o dota de estrutura e lhe confere essa necessária armação de sentido que completa a energética, e que em definitivo constitui objeto último de todas as vertentes psicológicas que não incorram em uma falaz descrição.
Compreendemos, assim, que a Psicanálise brinda a Psicologia, à luz de múltiplos registros epistemológicos, a temática da vida em relevo, a aproximação em profundidade a grandes enigmas existenciais e históricos, aportando sólidos argumentos holísticos e instrumentalizando uma "tecnologia revolucionária" de penetração sincrônico estrutural e diacrônico evolutiva. Uma temática que vá do determinismo para a teleologia ou a prognoses da ação humana.
Como componente básico desta frutífera dialética que afeta a Psicologia, a Psicanálise mostra-se irredutível, tanto nas suas formulações behavioristas ou fenomenológicas, como fisiologistas ou filosóficas. Oferece um tratamento cognitivo-racional do irracional. Infere do manifesto, e desde ffissuras de sua significação, por meio de um método hipotético-dedutivo, as bases que conduzem aos confins do inconsciente, do reprimido, do ambíguo e fronteiriço entre a modelização neurológica e a estrutura psicológica e simbólica da personalidade. Olha os "imprinting" culturais e afetivos, descompõe analiticamente a síntese histórica das vivências do homem atual e se detém, centralizando-as, justamente na investigação dessas "variáveis estranhas" que o dispositivo experimental procura isolar ou mermar num mínimo manejável.
Há um século de vida, se consideramos como data inicial o ano de 1895 com a publicação dos Estudos sobre a Histeria (1893-1895), constatamos que apesar das vicissitudes, altos e baixos, entre resistências e paixões, o modelo psicanalítico tem sobrevivido, enquanto outros têm sucumbido ou desgastado com o tempo e têm cedido ante o empurre de prometedores e abertos paradigmas.
A Psicanálise enriquece a Psicologia com um instrumento de investigação, de interpretação coerente e avaliação da conduta do homem. Pode erigir-se em palavra congruente no diálogo interdisciplinar das ciências do homem.
Nosso interesse investigador na área da Psicanálise é estender o braço até tocar a Psicologia acadêmica, experimental, evolutiva, religiosa, social, institucional e da aprendizagem.
No que diz respeito à metodologia e conjunto sistematizado de esquemas conceituais, do mesmo modo que o método terapêutico, a Psicanálise pode aventurar e esgrimir hipóteses que, fora e dentro do "setting" terapêutico, desenham um marco espistemológico autônomo, ainda que permeável, peculiar, ainda que susceptível de interpretação, objetivo, ainda que qualitativo ao mesmo tempo.
O motivo deste escrito sobre os Estados Gerais da Psicanálise que aqui propomos é uma abertura atrevida "extramuros" da Psicanálise, por meio de um diálogo franco, frutífero e progressivamente concreto entre a Psicanálise e a Psicologia acadêmica.
"...o fato de que a Psicanálise não tenha chegado a seu fim, ou melhor, ao encontrar-se no princípio do caminho, não implica que seu caminho não seja científico. A Psicanálise é uma ciência jovem (algo mais jovem que a Psicologia mesma) de apenas 100 anos de vida. Sua pouca maturidade não a converte em pseudo- ciência como acredita Bunge, mas só a limita frente a outras ciências" (Koltenivk, M., 1976:118)
Aplicação da Psicanálise à Psicologia: pistas e sugestões
Quando o confronto entre a Psicanálise e a Psicologia acontece no seio mesmo da Universidade, onde se acrescentam as exigências de acumulação de saberes, rigor nas investigações e diálogo interdisciplinar, vem o sinal de identidade, se faz paradoxal a situação de acantonamento docente que padece a Psicanálise em contraste com a popularidade de sua linguagem e a sensibilidade comum dos estudantes e do cidadão médio aos múltiplos rastros deixados na cultura por seus pioneiros e herdeiros nas Psicologia do século XX.
A noção contemporânea de Psicologia pode-se extrair de matérias que são consideradas imprescindíveis para a formação do estudante e das áreas de organização em que se concentram e distribuem tanto a investigação como a profissão psicológica. Por isto, tomando como destinatários desta reflexão ambos os campos: o da formação-investigação e o da profissionalização da psicologia, enuncio algumas pistas atuais da investigação, assim como as chaves de aplicação mais significativas que permitem acreditar no futuro dialógico da Psicanálise:
A respeito da Psicologia Clínica
Frente à orientação da "Psicologia da saúde" atual, interessada em um conceito de saúde baseado em índices de bem-estar psico-físico e de ajuste de adaptação ao meio socio-cultural, a Psicanálise propõe um conceito de saúde baseado no equilíbrio das forças internas e em uma aceitável capacidade de confronto e resolução de inevitáveis conflitos: adaptação externa versus equilíbrio interno.
Frente a uma modificação da conduta desadaptada meta última dos modelos clínicos mais estandar no presente , a Psicanálise trata de reorganizar a personalidade de base que serve de plataforma ao comportamento: conduta física manifesta versus significação condutual latente.
Frente às abordagens terapêuticas baseadas em supostos de causalidade linear(E-R), circular (feedback), sistêmica (enfoque de campo, organizacional, familiar, etc.), a Psicanálise propõe a modificação etiológica e estrutural das introspecções perturbadoras: causalidade versus multideterminismo (Klimovsky, G., 1994).
Frente a intervenções terapêuticas fundadas na aplicação de reativos externos (Psicofarmacos), instrumentais (biofeedback, agentes relaxantes, inoculadores, stress, etc.), ou programas séticos (terapia de conduta), a Psicanálise faz da intersubjetividade do encontro terapêutico entre analista e paciente o mais importante catalizador da mudança.
A respeito da Psicologia da aprendizagem e do conhecimento
A Psicanálise explica a dialética do aprendizado apetitivo e evitável, através de seus princípios de prazer, desprazer e realidade.
A Psicanálise introduz na dinâmica da lembrança/esquecimento dos anagramas mnésicos, a dimensão da motivação e defensiva (repressiva).
A Psicanálise analisa a evolução do pensamento e a cognição como uma seqüência que segue desde a representação de coisa (pensamento imaginário icônico) à representação de palavra (pensamento racional-simbólico), atribuindo à linguagem um valor crucial na construção da personalidade, assim como na trama da doença e da cura.
A respeito da Psicologia evolutiva
A Psicanálise descobriu a transcendência da infância para a compreensão de todo o desenvolvimento ulterior; relançou a figura da criança como pai do adulto e ensinou a educadores, médicos e pais a "escutar" a criança e a cuidar das interações com ela.
A Psicanálise propiciou que a Psicologia abandonasse sua obsessão pelos fatores inatos e hereditários e indagasse os fatores ambientais e emocionais como cultivo da gestação do indivíduo sadio ou doente.
A respeito do Psicodiagnóstico
A Psicanálise, ao insistir no determinismo inconsciente dos sintomas mórbidos, explorou através de diversas vias de penetração nesse oculto território, favorecendo o advento de uma ampla variedade de provas projetivas e de técnicas de entrevista, exploração e análise dos sonhos, fantasias ou motivos ocultos, etc.
A avaliação da saúde/doença do sujeito se dá com os dispositivos psicanalíticos que têm desvendado a urgência de criar e aperfeiçoar metodologias quantitativas de análise dos fatos (dados não observáveis). Ampliou os escassos estudos como caso único, assim como de inferir técnicas próprias de outros campos: literatura, política, sociologia, etc., para a compreensão do discurso do paciente, teorias de resposta, análise de traços, análise de conteúdos, estudos de seqüência de condutas, predição de condutas, e tendências de comportamento.
A Psicanálise tem demarcado a evidência da continuidade existente entre o corpo e o "loco", matizando que a diferença é puramente quantitativa, de intensidade dos conflitos ou de maior/menor, debilidade/fortaleza para manter a integridade psíquica ante eles. Com tal observação evita o estigma que supõe comunicar um diagnóstico exclusivamente descritivo aos pacientes e preserva o avaliador de qualquer tentação de superioridade ou onipotência ante o avaliado.
A respeito da Psicologia da personalidade
Não podemos estabelecer diferenças com respeito a todos os modelos de personalidade contemporâneos, mas só enunciar que a teoria psicanalítica da personalidade ou Metapsicologia é plural nas suas perspectivas. Explica:
que elementos a integram, ponto de vista tópico estrutural
qual energia a faz funcionar, ponto de vista econômico-pulsional
como funciona de fato, ponto de vista dinâmico conflitivo
como se origina e desenvolve, ponto de vista genético-libidinal
como se adapta, interatua e responde aos objetos e o meio , ponto de vista adaptativo-elacional.
A respeito da Psicopatologia
Frente aos enfoques descritivo e sintético baseados na enunciação dos sintomas, estudos de curso, duração e término, a Psicanálise complementa com uma divisão analítica, etiológica e com "explicações compreensivas": "A interpretação(compreensão), utiliza como hipóteses, a hipótese do que ocorre internamente" (Klimovsky, G., 1988:443), sendo este latente, a causa explicação da conduta ou sintoma que observamos.
Frente à nosologia e nosografia tradicionais, interessadas no estudo do aparecimento, desenvolvimento e seqüelas da doença em nível fenomenológico, a Psicanálise insiste no doente como sujeito singularmente paciente do transtorno: não há doenças senão doentes, opondo a ótica idiográfica à nomotética da Psiquiatria.
Analisado o percurso dialético entre a Psicanálise e a Psicologia, ao longo de todo um século, chegamos à conclusão que, mais que a infra-estrutura de toda a Psicologia, como Freud expressava ambiciosamente, a Psicanálise tem sido uma espécie de chuva benfeitora que tem regado e fertilizado muitos campos da Psicologia, sem inundar nem adulterar seus próprios traços de identidade.
Para fechar esta exposição, gostaria de concluir precisamente com as clarividentes palavras do próprio Hugh Erdelyi no prólogo de sua obra, Psicanálise: a Psicologia cognitiva de Freud :
"A Psicologia científica está amadurecendo e a era das "escolas" psicológicas estão se acercando a seu fim (...) A psicanálise necessita converter-se em parte da psicologia moderna; o mesmo que a psicologia moderna necessita que a psicanálise se converta em parte dela mesma" (Erdelyi, H. ,1985:15).
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