Mulheres estão cansadas de sua imagem na TV

Numa pesquisa, elas dizem que programação é machista, tem pouco conteúdo e banaliza o sexo

JÚLIO GAMA
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo em 6 de março de 1999

A imagem da dona de casa que serve o almoço para os filhos, arruma a cozinha e posta-se diante da TV para anotar as receitas de bolo dos programas femininos está cada vez mais distante da realidade. Uma pesquisa chamada A Mulher Retratada pela TV, inédita no País, encomendada pelo Grupo TVer constatou que a mulher está insatisfeita com os programas feitos para ela e, mais ainda, com a forma como vem sendo retratada no vídeo.

Durante 15 dias foram ouvidas 253 mulheres de 15 a 54 anos, casadas, solteiras, estudantes, profissionais e donas de casa das classes A, B e C, todas moradoras da cidade de São Paulo. A maioria, 76%, afirma que a programação atual não atende de forma adequada as suas necessidades. Conclusão: 51% das mulheres ouvidas afirmaram estar assistindo menos TV.

No geral, a mulher considera que a programação da TV aberta é machista, não ajuda as mães a educar os filhos, trata o sexo como modismo, futilidade e não informa como elas gostariam. De quebra, elegem a Tiazinha como a vilã do momento, que contribui para a TV continuar a exibir uma imagem deturpada da mulher.

Até chegar ao nome da personagem interpretada pela modelo Susana Alves no programa H, da Bandeirantes, as entrevistadas responderam quais características de mulher que a TV retrata hoje. Dos cinco adjetivos, três são negativos. Elas responderam, nesta ordem, que a mulher aparece como batalhadora, sensual, objeto sexual, vulgar e inteligente.

Depois da Tiazinha, que na terça-feira completa um ano no ar, foram associadas com as características negativas à imagem feminina as mulheres que se oferecem nos telessexos 0-900, as meninas da banheira do Gugu e a dançarina e apresentadora Carla Perez, esta com a ressalva de "batalhadora". Sobre o que essas mulheres refletem de mais negativo, as entrevistadas responderam: sexo pelo sexo, mulher usada, desrespeito, péssimo exemplo para meninas e adolescentes, deturpação da sexualidade e imagem do corpo da mulher dividido em partes.

Na outra ponta, as entrevistadas citaram as características femininas que gostariam de ver enaltecidas pela TV, nesta ordem: inteligência, espírito de batalha, competência, informação, força e segurança. Elas identificaram seis bons exemplos, mulheres que reúnem, senão todas, algumas dessas características: as atrizes Fernanda Montenegro, Eva Wilma e Patrícia Pillar, a comediante Regina Casé e as jornalistas Fátima Bernardes e Glória Maria. Elas aparecem como exemplo de orgulho, bem-sucedidas nos papéis de mãe, mulher e profissional.

É o caso de achar, então, que a mulher, de uma hora para a outra, passou a odiar a TV? É certo que não. "A mulher quer mais do que entretenimento na TV", diz a sexóloga Marta Suplicy. "Mais do que sonhar com a novela, ela hoje quer informação, conteúdo". Marta fundou há dois anos o Grupo TVer, que reúne 23 representantes da sociedade para avaliar a qualidade da programação da TV brasileira. A pesquisa foi realizada na segunda quinzena de fevereiro pela CPM Market Research, sob coordenação da psicóloga Oriana White.

Público feminino quer ver mais informação na TV

Outra queixa comum é a de que a programação provoca a erotização precoce das meninas

Mais do que saber o que não quer assistir na TV, as entrevistadas na pesquisa A Mulher Retratada pela TV têm muito claro o que desejam ver no ar. Querem informação clara, objetiva e contextualizada, querem que transmita valores sólidos, claros, modelos de comportamento, querem programas bem preparados, produzidos com clipes, cenas em estúdio e externas, mesas de discussão, programas dinâmicos, querem uma programação que reduza sua carga de trabalho e facilite sua vida na cozinha e na casa.

Frase que resume o desejo acima: "Desejamos programas desenvolvidos sob a ótica feminina, não apenas feitos para mulheres." As 253 entrevistadas vão além da teoria e, como exemplo, citam o que seria o ideal: um telejornal comentado, diário, exibido entre 8 e 9 da noite, que misturasse o glamour e a diversidade do Fantástico, da TV Globo, a seriedade e profundidade do telejornal Opinião Nacional, da TV Cultura, e os temas de interesse do Programa Sílvia Poppovic, da Bandeirantes.

Chamadas a destacar os prós e os contras da TV, as entrevistadas ressaltaram positivamente que as emissoras oferecem programas para todos os gostos (69%), estimula a pessoa a refletir sobre os problemas do dia-a-dia (64%), que é uma ótima distração (62%), é relaxante (55%), valoriza a mulher (53%), deixa a mulher mais culta (47%), mostra mulheres inteligentes e cultas (41%) e acham que a programação tem a ver com elas (41%).

Os pontos negativos, no entanto, superam em porcentuais as virtudes da programação da TV. Para as entrevistadas, a TV atual incentiva a sensualidade das meninas erotizando-as antes do tempo (88%), mostra tanta cena de sexo que o faz parecer banal (87%), não transmite a imagem real da mulher (79%), não atende de forma adequada às necessidades da mulher (76%), não ajuda na formação sexual das crianças (75%) e agrada mais aos homens (74%).

"Essa pesquisa deixa claro que a mulher não pode ser apresentada como um pedaço de carne na porta de um açougue", diz a atriz Eva Wilma, citada como um bom exemplo de imagem de mulher na TV. Para a jornalista Fátima Bernardes, apresentadora do Jornal Nacional, é hora de parar e pensar no que está errado. "Hoje existem muitas mulheres trabalhando na TV e retratadas no vídeo e se a pesquisa mostra que ela não se sente representada é porque, realmente, há algo errado", diz. Para Fátima, a mulher de hoje quer manter-se bonita e bem informada. "Aquele perfil da Amélia não vale mais."

Para a psicanalista Ana Olmos, que há 25 anos trabalha com crianças e adolescentes, a TV erra ao classificar as crianças não por faixa etária, mas por público alvo de consumo. "Os critérios pedagógicos são substituídos por pontos no ibope, que representam milhões de reais", afirma. Para Ana, a TV apresenta hoje estereótipos de mulheres perfeitas, porém distantes da realidade.

"Numa família mal estruturada, por exemplo, mãe e filha podem frustrar-se porque tendem a achar que nunca serão amadas se não tiverem aquele corpo escultural, muito dinheiro e glamour", informa Ana Olmos. De certa forma, cada vez que a Tiazinha estala seu chicote no programa da Band ela está ferindo a auto-estima da mulher em casa.

A psicóloga Sônia Thorstensen se diz feliz em ver os números constatarem o que ela percebia havia tempo. "A mulher aparece como um objeto de consumo na forma de um corpo que pode ser desligado da totalidade." Especialista na orientação sexual de crianças, com trabalhos desenvolvidos com menores carentes, Sônia afirma que a menina exposta à atual programação de TV tende a seguir modelos de mulheres permanentemente usadas e descartadas. "A TV não oferece modelos de identificação diferentes do uso do corpo", ressalta.

A sexóloga Marta Suplicy destaca na pesquisa o desejo que as entrevistadas revelaram de sentir-se bem informadas. As mulheres ouvidas pela pesquisa reclamaram, por exemplo, que gostariam de assistir ao Jô Soares Onze e Meia, se não fosse exibido tão tarde. "A mulher quer estar por dentro dos assuntos, quer sentir-se inserida no mundo", diz Marta. "Mulher hoje é múltipla e não quer ser carimbada como dona de casa."


clique aqui para voltar à página Psicanálise e Mídia dos Estados Gerais da Psicanálise de SP
1