Estados Gerais da Psicanálise de São Paulo Notas da 2a reunião em setembro/98
Com esta mensagem estamos enviando às pessoas que não estiveram presentes, algumas informações do que se passou na reunião dos Estados Gerais de setembro. O diálogo foi sendo anotado enquanto acontecia. As falas são anônimas mas possibilitam que as pessoas saibam um pouco do que foi conversado: A reunião começou com os participantes que não estiveram na primeira reunião colocando algumas dúvidas: O que são os Estados Gerais da Psicanálise? Achamos interessante a convocatória, mas não sabemos o que é. Porque nasceu esta convocação? Resposta: Estados Gerais são uma convocação internacional, iniciada por René Major, para a constituição de espaços livres de pensamento, discussão e trabalho na psicanálise. É fruto do mal estar nas instituições da psicanálise. Mal estar provocado pelos elementos dessas instituições que trabalham na direção do recalque e que impedem fluxos e organizações que possam abalar poderes instituídos e cristalizados, que não estando mais à serviço da produção de saber na psicanálise, atrapalham ou impedem que se possa pensar e debater questões atuais e cruciais concernentes ao trabalho da psicanálise. Estes elementos não estão só nas instituições, eles estão em cada um de nós. Não dá pra pensar que os psicanalistas que não se afiliam à instituições estão fora disto.
A proposta é engendrar espaços de trabalho no mundo todo onde existe psicanálise, para que estas questões possam ser desenvolvidas. É um grande fórum de debates entre diferentes. René Major iniciou este movimento há mais ou menos um ano e meio atrás, associado aos problemas surgidos no encaminhamento das questões que envolviam Amilcar Lobo, Leon Cabernite e a Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro. Sua intenção foi e é de deflagrar uma reflexão sobre as questões atuais da psicanálise após 100 anos de existência e de pensar suas bases para o próximo milênio. Intenção que contempla horizontes amplos. No ano 2.000 em julho, Os Estados Gerais se reunirá em Paris para que aconteça um debate amplo e internacional. Entretanto, para que este debate viabilize para nós, precisamos situar porque os Estados Gerais nos interessa. Quais são as questões que cada um de nós, especificamente, pensa ser importante, neste momento, para o futuro da Psicanálise. Para mim pessoalmente (Cristina) interessa o incremento dessa possibilidade de produção, circulação e de debate entre nós. Em seguida as pessoas divulgaram sites de interesse: Existe um site na Internet que divulga informações sobre os Estados Gerais: http://psiconet.com/freud além das notícias que existem na Gradiva: http://www.gradiva.com.br Trecho da reunião (redigido "mais ou menos" na medida do possível... na íntegra): Tem também a questão histórica, do lugar de onde cada um fala e é escutado, isto marca as produções. Dificilmente na França, na Argentina, as produções de um brasileiro vão tomar condição de produção que propõe algo novo. Acho que é uma questão... - Quero me desculpar por não ter vindo na reunião anterior, mas eu queria entender um pouco. Li algumas coisas que a Cristina mandou, mas não está chegando. O que eu sei é que René Major havia deflagrado um movimento, um espaço onde serão discutidas questões referentes à psicanálise hoje. Mas é tão amplo que ... - No que você está interessada? - Na minha clínica. - Eu também. Essa é a minha política. - O que se faz numa reunião dos Estados Gerais?. Eu quero discutir um pouco ... A convocatória ... é tudo muito amplo. Se pensarmos em termos de Brasil, em termos de São Paulo, é amplo demais, de Perdizes, ainda é demais. Quero entender como se pretende definir um objetivo de discussão, nem que no inicio a escolha seja a escolha ... para entender o que estamos fazendo. Não posso entender como uma reflexão assim sobre a psicanálise possa acontecer. - Pelo que foi discutido aqui na reunião anterior, parece que há um apelo bastante forte às peculiaridades. Existe um número bastante grande de psicanalistas sem filiação institucional. Considerar as particularidades permite pensar, começar a pensar a questão da clínica. Existe também os que tem filiação institucional e querem pensar sobre isto ou até sobre a clínica nestas condições. - Um pode estar interessado no outro, interessado em apresentar e discutir com o diferente suas próprias condições. - Deixe eu entender ... Cabe a nós, um pequeno grupo, criar vários espaços de debate ... É isso? - Psicanálise, cultura, objeto de estudo, homem, enfim, o que está rolando ... - O Mário Pereira por exemplo trabalha com a fronteira entre a biologia e a psicanálise. - Como é que chama o livro dele? - Pânico. Os livros do Mário... O Milton Lopes, por exemplo, está interessado em psicossomática, existem muitos outros interessados nisto também. - Agora estou entendendo a preocupação com a comunicação, em centralizar interesses de modo que as pessoas ... - Queria esclarecer: falou-se num movimento mundial, pela envergadura... como isso vai ser feito lá fora ? - Por enquanto espera-se 2000 pessoas no mundo inteiro comprometidas com essa história. O intuito é que se discuta e se produza trabalhos. Vai haver uma seleção de trabalhos para estarem no fórum em Paris. O caminho para chegar a este objetivo, a cada pedaço, tem que ir sendo cunhado por nós mesmos. - Desta forma, precisamos dizer também como a comissão internacional deve funcionar desde o nosso ponto de vista. - Acho importante centralizar um site, uma página nova para centralizar informações... os temas, as pessoas podem se ligar. Me interessou. - A organização do evento ...... essa é uma coisa para começar... Senão a gente inventa um negócio que não se sabe como funciona. Precisa haver uma gerência de espaço, uma organização ... - Como seria a seleção de trabalhos? - Depois vamos ver, mas o grupo daqui precisa levantar critérios de seleção e aperfeiçoar estes critérios através das trocas com os grupos do Rio, de Brasília, de Recife, da Bahia, etc, e com o comitê internacional. Existe uma exigência de qualidade. Dentro de um ano mais ou menos os trabalhos devem ser selecionados e enviados para a comissão internacional - Parece que o eixo são os trabalhos a produzir ...para serem apresentados lá. - Temos pelos menos dois eixos: Um deles é o do levantamento da discussão do que achamos importante debater e de como isto pode se movimentar em São Paulo ou no Brasil ou até na relação com outros grupos fora do país. Pode ser que exista pessoas interessadas simplesmente em participar nos debates que os Estados Gerais, antes de Paris, possam estar desenvolvendo. - Pessoas que, por alguma razão, não estarão presentes no Congresso em Paris, mas querem colaborar na discussão. Ou então, aqueles que querem ir à Paris e participar do Congresso, mas sem inscrever qualquer trabalho escrito. Eu penso que estes diferentes engajamentos podem ocorrer e aportar contribuições significativas. Entretanto, o eixo da produção escrita é fundamental. É através da escrita que as idéias podem ter um alcance maior e se presentificarem mesmo na ausência corpórea de quem as profere. Palavras faladas, ficarão somente por aqui ou ficarão em Paris na ocasião do Congresso. Elas podem gravar-se em nós, mas sua circulação pode ficar muito reduzida se compararmos com a possibilidade da escrita. Muitas coisas podem se realizar aqui. Por exemplo a Revista da Pulsional pode colaborar na publicação e circulação dos trabalhos. Quem dispuzer de outros veículos, avise. René Major e eu estávamos vendo como fazer para que os trabalhos do Congresso pudessem ser publicados em vários lugares do mundo. - Organização em torno de temas, pode ser ... no que você está pensando? O que você pensou? - O grupo do Rio já está se organizando há mais tempo. Na realidade, no Rio, existem vários grupos. Temos somente as notícias que nos deram Helena Viana e Fernando Coutinho. - Eles começaram pelo mesmo caminho que surgiu aqui: o que é Estados Gerais?. Resolveram discutir isto através do estudo da história do que foi os Estados Gerais na França, de como se organizaram . Convidaram um historiador para participar do grupo. Disseram também que tem um grupo que está preocupado com a escrita, com o que é escrever psicanálise. Estamos sem notícias do que vai acontecendo nos outros grupos e nas outras partes do mundo. É interessante ter um panorama... - Precisa implementar a comunicação destes grupos. É cada vez mais difícil... o que os outros já fizeram ... será que tem um lugar onde a forma vai sedimentando ou tem um lugar ... - Por que o René Major pensou nisso? - A Roudinesco estava propondo fazer esse encontro na virada do século, a importância do movimento ... - Ah, eles estão juntos? - Sim... - Ah, por isso a história da psicanálise, agora entendo porque história.. - No caso dos Estados Gerais: foi um momento histórico, foi a instância convocada quando a crise não conseguia passar e se transformou num estado nacional ... entendo que está se pensando ... - A criação das instituições da psicanálise foi muito importante. Agora, o panorama atual, é das estruturas institucionais não estarem mais à altura da própria psicanálise. Esse é um diagnóstico interessante ... - Esse é um tema que tem uma circunscrição ... - O terceiro estado, o clero, etc ... Eram instâncias representativas, parece que representavam algo muito maior e acho que René Major está com essa idéia. Nesse sentido, entendo assim a convocatória. Mas que tem mais, tem ... - Então, a gente pode retomar o que alguém pensou, mas a gente também pode saber quais são as nossas necessidades. Como pode ser? Pode ser muito plural. - Tem esse interesse. Poder se organizar grupos ... - Ou registrar trabalhos em grupo. A partir do nosso interesse pessoal, podemos nos unir à grupos. - Nesse aspecto é interessante. Uma fonte de articulação entre o pessoal e o mais amplo. Mas na semana de maio, como se dá a divisão de espaço? - Não está definido por país. Depende também de pleitearmos nosso espaço junto à comissão internacional.. - Eles, quem são eles? - A comissão internacional? Em setembro/outubro a lista estará saindo. No mês de outubro vai ter uma reunião administrativa. A Ana Maria está indo para Paris, vai à reunião e depois nos conta. Ela também vai, de alguma forma, nos dar notícias de como está essa história .Só tenho o nome de alguns franceses, argentinos e brasileiros engajados nesta comissão: Elizabeth Roudinesco, Patrick Guyomard, Erik Porge, Juan David Nasio, Radimila Zigouris. Jacques Hassoun, Silvia Fendrik, Michel Sauval, Fernando Coutinho Barros, Joel Birman, Chebabi, et. Mas tem muito mais gente de outras partes do mundo. - Tenho participado de reuniões internacionais e o que retomo é que é complicadíssimo colocar o português,como uma das línguas oficiais de um congresso como este. Isto acontecerá somente, quando houver o reconhecimento de que há uma psicanálise falada em português. É uma certa marcação de como lidam com a transferência. Uma transferência em relação à produção. Já é para nós mesmos, uma grande dificuldade o reconhecimento do nosso trabalho, de ele ter o valor de novidade aqui dentro. É a nossa posição que vai permitir que nós modifiquemos a nossa produção. Inevitavelmente nossa produção vai estar em determinado contexto. Quando a gente escreve constrói o espaço. Não vamos ser ingênuos de que seremos escutados lá fora porque somos... - Vamos levar pau de qualquer jeito ...Os franceses concebem a psicanálise de um jeito e os brasileiros a concebem de outro. - E a gente aceita o que eles dizem que é a psicanálise? - O que nós produzimos aqui no Brasil é de muita qualidade ... - Bom, podemos também dizer o que pensamos sobre o que é ou deixa de ser psicanálise. - É só pegar trabalhos daqui e ver as obras citadas. Só citamos os estrangeiros renomados e um outro brasileiro mais respeitado. Não citamos os colegas. Discutimos pouco a nossa produção. É o preço que a gente paga por ter sido colônia ... - Ter sido? - É difícil colocar o lugar de fala se a gente não pensa.. - Essas colocações da Ana Maria são contundentes. O que a gente pode fazer com o espaço que temos. - ... em relação aos jogos de poder na França ... ao mesmo tempo a confrontação de René Major, encontros franco-brasileiros, me deu a impressão de que o espaço favoreceria que esta é uma questão a ser falada .. - Há uma crise transferencial que não é da sociedade, é dos psicanalistas com a psicanálise. Vai depender de como situamos ... - Acho que a gente corre o risco de uma repetição. A proposta vem do René Major. Eu venho de dois encontros que a gente ficava no lugar do colonizado... Escrevi um artigo sobre isso, que está na Percurso ... - Você podia passar na Internet ... A Ana Maria também podia escrever essas coisas ... - Eu tendo a ver com uma certa amarguice. Já começa pelo nome, Estados Gerais ... - Eu proponho a mudança de nome. - É complicado. Já está aí a convocatória. Se quisermos inventar outra história e convocar o mundo inteiro, podemos tentar, se acharmos que vale a pena. Mas o que se coloca neste momento é se respondemos ou não à convocatória de René Major para os Estados Gerais da Psicanálise. Podemos lamentar o nome mas este movimento já foi fundado assim. - Mas fica uma tomada de posição, o nome deveria ter sido outro. Um nome mais universal. Estados Gerais fica muito francês. - Não gosto do nome também. Prefiro uns Estados Minas Gerais, entretanto, Estados Gerais fez a Revolução Francesa que teve conseqüências universais. - Existe uma piada: os ingleses pensam que a ilha é o mundo e os franceses pensam que a França é o centro do mundo. - O importante é que não acho que a França tenha isso em relação ao Brasil em particular. Alguns países ainda precisam da benção da França. Há diálogo, mas está nessa questão. A não ser uns poucos grandes nomes são respeitados lá. Hélio Pelegrino ... e a gente tem visto pessoas horríveis que vem de lá, pondo pompa num trabalho ruim. - Quando vamos apresentar trabalho fora, quando é que a gente recebe? Ninguém paga para fazermos conferências em Paris. - É uma questão nossa. Cresça e apareça. - Se é a França ... tem que saber chegar lá ... - Pensamos que o simples fato de ter esse nome ... - O que vamos fazer? Levar lá esse encontro? Como vamos encaminhar isso? - Não sei se dá para mexer nesse tema. Acho que a gente vai se quiser ou se a gente não quiser ir não vai ...Acho que só deve ir lá ... - ... é um traço que temos, que tem que ver com a gente. Essa questão de colonialismo já foi discutida. Em outros setores não me parece que sejamos colônia ou se somos, é porque falta produção ... Se eu quiser ser escutado em português, não vai dar, isso ultrapassa a psicanálise em muito. Não adianta chorar no cantinho. Ou nós produzimos coisas de estofo ... - "A voz do Brasil ...de Camanducaia para o mundo" ... - Não adianta querer sair disso. A iniciativa foi francesa ... em aceitando... - Não sou paranóica em relação a isso ... Acho que a gente tem que apoiar ... A minha intenção vai no sentido de reconhecer a gente aqui. - A questão é nossa ou em relação à França? A questão é em relação à nós ... - Depende de uma certa modificação nossa em relação à produção... - Mas tem havido iniciativa ... - Tem de haver criação de canais. Se dá muito pouca bola ... A Pulsional se interessou pela convocatória, senão não aconteceria nada ... São Paulo é complicado. São Paulo é isso. Ninguém se comunica... É muito complicado. Ou a gente muda e sai disso ... - Ou a gente começa a produzir trabalho e discutir ... - A discussão do que é psicanálise e do que não é psicanálise é aqui também ... - O mais freqüente é quem é psicanalista, quem não é ... - A minha proposta é começar a discutir esse meu artigo e ela (Ana Maria) começar a produzir artigo sobre isso. Está na última Percurso ... - Se formos debater a questão é decidir quando a gente vai se reunir de novo, não ficar na mão da Cristina ... - Eu tenho vontade que a gente faça uma rodada sobre o que as pessoas estão trabalhando, se houverem outros interesse, ver se as coisas se engancham ou não ... - Quais os temas para a próxima reunião? Que grupos de trabalho a se formar? - Tem um imediatamente derivado: existe ética da psicanálise? - Ética é um tema bem específico ... - Bom, eu vim pela primeira vez, o que eu proporia, agora que estou sabendo, é que na próxima reunião, quer seja essa coisa política, mercado de vender livro, identidade do psicanalista, propor temas e trazer para cá o que cada um quer produzir. - Quando li a primeira convocatória achei o tema interessante ... achei uma proposta quase utópica porque é tão ampla e tão livre. Tenho para mim que embora se tenha de discutir tudo, não dá. O que chama atenção.. - ... aquilo que se faz em psicanálise aqui e lá não está sendo abarcado pelas instituições. A psicanálise pode manter sua identidade se abarcar o desenvolvimento? Se essa identidade comporta desenvolvimentos teóricos ou não ... Não é uma questão apenas de temas mas de posicionamento teórico. - Estou trabalhando dentro de muitas relações da psicanálise com os objetos: que seria o lugar do analista como objeto que circula na contemporaneidade ... usando um termo de Lacan ... Como pensar os recursos da psicanálise e do psicanalista em relação aos objetos na contemporaneidade... ... uma nova psicopatologia ... Marca-se a próxima reunião para 7/11/1998. Discutiu-se também as relações da psicanálise com a psicopatologia e com a psiquiatria Introduziu-se a discussão das relações perversas na situação analítica e na relação entre psicanalistas. Iniciou-se a discussão de que temas são ou não pertinentes aos Estados Gerais. Notas feitas por: Maria de Fátima Siqueira Rua Fidalga, 260 Fone:815-3291 E-mail: mfmarques@uol.com.br
e Maria Cristina Rios Magalhães Rua Itápolis, 1325 Telefax: 256-3236 e 257-8694 E-mail: crismagalhaes@uol.com.br
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