A sensação da presença do membro ou do órgão após sua extirpação é descrita por quase todos os doentes que sofreram amputação5,33,42. É, muitas vezes, referida com características normais5,19 e pode iniciar-se imediatamente após a amputação11,36. A forma e disposição dos segmentos do membro ou do órgão amputado variam de acordo com o doente19. Muitos apresentam sensação do membro funcionante1,26. Sensações de pontada, dormência, queimor e cãimbra, entre outras, são freqüentemente descritas na extremidade do membro ou órgão fantasma43. A deformação da imagem é comum1. O fenômeno manifesta-se 1/3 das vezes imediatamente após a amputação, 1/3 nas primeiras 24 horas e 1/3 nas semanas que se seguem à amputação1. A sensação regride progressivamente e desaparece meses ou anos após1,5. Não parece relacionar-se com a causa que motivou a amputação 12. É comum ocorrer, com o passar do termpo, menor clareza de delimitação, redução do volume e projeção de imagem no coto de amputação1. O fenômeno fantasma foi observado em 17% de crianças com agenesia de membros1. Nesses casos ficam constatada maior atividade sensitiva tátil no membro contralateral e no coto de amputação, do que nos indivíduos normais19. Abramson; Feibel [1977]1 consideram que o fenômeno fantasma seja codificado pelo DNA e que dependa da interação de várias unidades do sistema nervoso, incluindo o córtex cerebral 1.
A dor fantasma é referida no membro ou em parte do membro amputado3. Ocorre de 0,4% a 88% dos indivíduos que sofreram amputação1,3,4,6,12,19,26,32,33. Sua intensidade e duração variam de caso para caso33.
Os mecanismos pelos quais a dor fantasma ocorre ainda não foram elucidados. Devido à inadequada resposta a diferentes formas de tratamento32, a dor fantasma foi associada a transtornos psicológicos. Mecanismos periféricos foram também aventados para explicar a gênese do fenômeno. Entretanto, a ressecção dos neuromas e rizotomias espinais freqüentemente não controlam a dor 33. Muitos doentes apresentam melhora após bloqueio da área de dor referida26. A ocorrência de manifestações neurovegetativas, tais como vasoconstricção, sudorese excessiva na região do coto e piora da dor em situações em que há hiperatividade visceral, como durante a micção e defecação, sugerem a participação de mecanismos periféricos26. Entretanto, o bloqueio anestésico da cadeia neurovegetativa simpática raramente produz alívio da dor no membro fantasma33. Outros argumentos favoráveis à teoria periférica baseiam-se nos fatos de a dor ser agravada quando há formação de neuroma, abscesso e tecido cicatricial na região do coto7, quando ocorre irritação mecânica, química e elétrica do coto e de haver redução do desconforto após bloqueio anestésico26. São contrários à teoria periférica o fato de a rizotomia não aliviar a dor, de esta não guardar relação com a distribuição dermatomérica dos nervos seccionados e de ocorrer com menor freqüência antes dos 6 anos de idade19,26,44.
A teoria central sugere que a dor fantasma seja devida a distúrbios do mecanismo supressor nociceptivo segmentar19. A possibilidade de a dor ocorrer indefinidamente, de as zonas de gatilho se dispersarem para regiões sadias do corpo, bem como o fato de ser abolida por aplicação de estímulos discriminativos ao SNC e SNP sugerem haver participação do SNC na sua gênese5,19. Segundo Melzack [1977]20, Livingston [1943] considera que o traumatismo da amputação gera hiperatividade anormal dos circuítos neurais auto-excitatórios do CPME. Disto resulta a ocorrência de surtos de potenciais de ação, que são conduzidos ao encéfalo. A atividade reverberante pode difundir-se para a sustância cinzenta anterior e lateral da medula espinal, justificando a ocorrência dos fenômenos motores e neurovegetativos referidos no órgão amputado. Esses fenômenos secundários podem originar ciclos viciosos auto-alimentadores segmentares, que sofrem a influência de vias supran-segmentares, justificando a modificação da expressão da síndrome álgica frente a mudanças do estado emocional. Quando a atividade neuronal segmentar torna independente, a retirada dos focos periféricos de geração de pulsos não bloqueia a dor. Os procedimentos que modulam a atividade neuronal segmentar e supra-segmentar podem normalizar a atividade da medula espinal. Gerard [1951]8 postulou que a lesão dos enrvos periféricos causa perda temporária do controle da atividade dos neurônios internunciais do CPME. A atividade sincrônicas dessas unidades pode recrutar circuitos neuronais adicionais e deslocar-se ao longo da substância cinzenta, sendo alimentada por estímulos diferentes daqueles que a originaram. Melzack [1971]19 propôs que a formação reticular exerce atividade inibitória tônica nos circuítos neuronais nociceptivos segmentares. A ausência dos estímulos sensitivos, que ocorre após amputação, reduz esta inibição tônica e possibilita a ocorrência de atividade auto-alimentadora. A dor prolongada seria devida à persistência da atividade neuronal anormal segmentar, ao recrutamento de unidades neuronais adjacentes e à ocorrência de numerosos pontos de anormalidade neuronal no sistema nervoso. Este quadro é agravado pela degeneração das projeções centrais dos aferentes primários sensitivos. Nesta eventualidade, bloqueio anestésico periférico ou estimulacão intensa aboliriam a atividade auto-alimentadora e a dor19. A participação de fatores psicológicos sobre a manifestação da dor far-se-ia pela projeção do córtex cerebral sobre a formação reticular do tronco encefálico, justificando a melhora da síndrome álgica mediante métodos psicoterápicos19. Riddoch [1941]28 considera que o esquema corporal desenvolve-se no córtex cerebral como resultado de estímulos periféricos de diferentes modalidades. Este esquema não se altera com a amputação, do que decorre o fenômeno fantasma mas não da dor fantasma. Jensen et al. [1985]12 atribuíram a alterações funcionais e anatômicas no SNP e na medula e gênese da dor fantasma. Entretanto, nem as teorias periféricas nem as centrais explicam o início imediato da dor, referido por alguns doentes, e a melhora que ocorre, às vezes, após a cordotomia44.
Há, obviamente, contribuição de fatores psicológicos para a dor fantasma, já que a crise pode ser desencadeada por transtornos emocionais e aliviada pela hipnose, psicoterapia e técnicas de relaxamento. Devido aos inadequados resultados, freqüentemente observados com os procedimentos cirúrgicos39, foi sugerindo que os doentes com dor fantasma apresentem transtornos psicopatológicos26. As teorias psicogênicas baseiam-se no fato de que existam conflitos gerados pela mutilação e pela incapacidade, mais evidentes em doentes que apresentam ansiedade e distúrbios do ajustamento social. Segundo esse conceito, os doentes com dor fantasma não aceitam a mutilação e este fato é a base da ocorrência de alucinações, induzindo a imaginação da presença do membro. A dor seria um sonho e o desejo da preservação da integridade anatômica do corpo, expresso de modo distorcido em doentes com distúrbios psicológicos26. Obviamente, a dor pode ser causa de transtornos afetivo. Entretanto, a teoria de que a dor fantasma seja essencialmente psicogênica não é sustentável, uma vez que ela pode ser aliviada por meio de bloqueio nervoso e não ocorre com mais freqüência em doentes neuróticos. Os transtornos emocionais ocorrem nos doentes com dor no membro fantasma mas não são sua causa principal26. A dor no coto de amputação ocorre de 15% a 66% dos doentes com dor fantasma5, enquanto que 50% dos doentes sem dor fantasma apresentam dor no coto37. Manifestou-se em todos os doentes com dor fantasma de nossa casuística. Ocorreu isoladamente em apenas 1, em 82% dos casos a dor fantasma é referida no segmento distal do membro12, tal como ocorreu em todos os nossos doentes. É usualmente agravada por mudanças das condições de temperatura, tensão emocional, fadiga, atividade visceral e pelo uso de prótese. Posturas anormais do membro comprometido são observadas em 4% dos doentes1. Em casos de amputação traumática foi observada concomitância de avulsão de raízes nervosas em ate 35% dos doentes31
A maioria dos métodos propostos para tratamento da dor fantasma e no coto de amputação proporciona resultados insatisfatórios, não havendo acordo entre os autores quanto ao melhor. Sherman et al [1980]32 enumeraram 68 métodos terapêuticos para essa entidade. Destes, apenas 43 propiciaram melhora em menos de 30% dos doentes, dado esse que se aproxima do observado quando é instituído tratamento com placebo6. Embora método terapêutico seja excelente, é óbvio que o esclarecimento das situações e o suporte psicológico, pré e pós-operatório, são muito importantes para os doentes que sofrem amputação26,33. Psicoterapia, hipnose e relaxamento são procedimentos freqüentemente úteis21. Durante o período pós-operatório a manutenção dos doentes em ambiente adequado, o uso precoce de prótese, o retorno rápido às atividades profissionais reduzem a ocorrência de membro e de dor fantasma26. A amputação realizada com bloqueio peridural parece reduzir a freqüência de dor fantasma4. Bloqueio anestésico repetitivo, estimulação nociceptiva do coto19, bloqueio do coto com ultra-som17,32, simpatectomia3,13, neurotomia, rizotomia e exérese de neuromas44, entre outros métodos, usualmente proporcionam benefício transtitório mas não a longo prazo32. A cordotomia anterolateral proporciona melhora inicial em 75% a 91% dos doentes44. A cordotomia posterior é pouco eficaz25. A talamotomia35 e a mesencefalotomia22 proporcionam melhora em menos de 50% dos doentes e se associam a numerosas complicações. A girectomia pós-central e a leucotomia frontal são pouco eficazes e acarretam numerosas complicações44.
O tratamento clínico com analgésicos, narcóticos e anti-inflamatórios32, propanolol2, carbamazepina33, medicamentos psicotrópicos23, podem proporcionar benefício em alguns doentes e devem ser sempre instituídos no esquema medicamentoso. Todos os doentes da nossa casuística foram tratados com carbamazepina, antidepressivo tricíclico, neuroléptico fenotiazínico, bem como com bloqueio repetido dos troncos e plexos nervosos, sem que notássemos melhora evidente e duradoura.
Há evidências de que a estimulação transcutânea possa beneficiar cerca de 60% dos doentes com dor fantasma e no coto de amputação. Em 1 dos doentes de nossa casuística a estimulação transcutânea não proporcionou melhora. Do mesmo modo, a estimulação da medula espinal não beneficiou 3 de nossos doentes com dor fantasma e/ou no coto de amputação da medula espinal varia entre 39% e 56%15. A dor no coto de amputação pode ser controlada em até 66,6% dos casos14,16,24,27,41. A estimulação dos núcleos talâmicos sensitivos proporciona melhora significativa em 25% a 50% dos casos9,10,18,34,40. A estimulação do lemnisco medial produz melhora em 75% dos doentes e da cápsula interna, em 50%9. A estimulação dos núcleos talâmicos inespecíficos parece ser inadequada para o tratamento desta síndrome9.
Na literatura é relatada melhora imediata de 50% a 100% dos doentes
logo após o procedimento e a longo prazo, de 50% a 66,6%, tratados
pela lesão do trato de Lissauer e do CPME11,29,30. O
resultado parece ser mais satisfatório no tratamento da dor fantasma
do que da dor no coto de amputação38. Saris et
al [1988]30 não observaram melhora da dor no coto em
seus doentes; houve melhora em 29% dos doentes, quando a dor fantasma estava
estava também presente. Segundo esses autores, quanto mais longo
o tempo decorrido entre a intervenção cirúrgica e
a amputação, melhor o resultado. Observaram alívio
da dor em 50% dos doentes quando a dor durou mais de 15 anos, em 40% quando
a dor teve duração de 6 a 15 anos e em apenas 31% dos doentes,
com história inferior a 6 anos. Quando o doente tem idade superior
a 50 anos e a amputação é resultante de doença
oncológica ou isquêmia, o resultado cirúrgico é
pior que o observado em casos de amputação traumática30.
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Marta Imamura
** Médica Assistente da Divisão de Medicina Fìsica
e Reabilitação do Insituto de Ortopedia e Traumatologia do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, HC/FMUSP
Romelio Cristian Peña Calvimontes
*** Médico Internista e Pesquisador do Centro de Dor do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, HC/FMUSP