Rev. Med., São Paulo, 76 (1): 83-84, jan./fev., 1997
Edição Especial



Conclusão
Manoel Jacobsen Teixeira*


Dor é um sintoma freqüente observado durante a evolução da doença neoplásica. Pode resultar da ativação das vias nociceptivas (dor por nocicepção), da lesão do sistema nervoso discriminativo (dor por desaferentação) ou de ambos os mecanismos. Pode ser causada pela estimulação das vias nociceptivas pela lesão expansiva, discinesias de vísceras ocas ocluídas ou subocluídas, isquemias de órgãos por invasão vascular pela neoplasia, fraturas patológicas, hipertensão intracraniana e carcinomatose meníngea ou por desaferentação em decorrência da lesão das vias nervosas periféricas ou centrais pela neoplasia ou por procedimentos oncoterápicos. A dor pode também ser resultante de iatrogenias geradas por amputação de órgãos e membros, aderências e distorções de vísceras ocas e neuropatias actínicas, traumáticas mecânicas e tóxica por quimioterápicos. Qualquer que seja sua origem, síndrome dolorosa miofascial e a síndrome ansioso-depressiva e hostilidade são componentes reacionais normalmente presentes em doentes com dor, qualquer que seja sua natureza. A avaliação da dor quanto aos aspectos sensitivos, avaliativos, afetivos, as repercussões nas atividades de vida prática e de vida diária dos doentes e o exame clínico complementado pelo exame laboratorial e de imagem é importante para esclarecimento da razão da dor e para a adoção das medidas mais apropriadas de tratamento. A remoção do fator causal através de procedimentos oncoterápicos ou não pode freqüentemente aliviá-la. Quando o fator causal não puder ser removido ou, quando removido a dor persistir, o tratamento sintomático deve ser realizado. O esclarecimento das situações clínicas e os potenciais de sucesso e de risco do tratamento devem ser apresentados de modo claro respeitando a capacidade de compreensão de cada indivíduo.

O tratamento das síndromes álgicas envolve interações psicossociais e biológicas. Esquemas medicamentosos adequados, procedimentos de medicina física, terapia ocupacional, psicoterapia e condicionamento físico devem ser aplicados nos doentes com dor crônica, visando a melhorar o rendimento funcional e o ajuste psicossocial. Quando a dor é persistente, fármacos analgésicos devem ser administrados regularmente a intervalos fixos respeitando-se a tolerância e a resposta terapêutica de cada caso. Os analgésicos antinflamatórios e morfínicos são geralmente bastante eficazes para o tratamento da dor por nocicepção mas não da dor por desaferentação, com algumas exceções. Havendo intolerância ou contra-indicação para o emprego da medicação antinflamatória, o acetominofeno ou a dipirona devem ser utilizados. Persistindo o desconforto, medicação narcótica deve ser prescrita em associação com os AINHs e psicotrópicos. Inicialmente, deve-se dar preferência aos analgésicos morfínicos fracos e quando necessário, aos morfínicos potentes. Os antidepressivos tricíclicos, associados ou não a neurolépticos, são muito úteis para o tratamento da dor crônica por nocicepção e por desaferentação. Medicamentos anticonvulsivantes, como a carbamazepina, difenil-hidantoína, valproato de sódio, entre outros, são eficazes para o tratamento das síndromes neuropáticas centrais e periféricas quando há dor paroxística. Corticosteróides, anestésicos locais por via sistêmica e bloqueadores de fluxo axonal administrados localmente, parecem ser úteis em casos especiais de dor gerada por lesões do SNP. Os programas de medicina física devem ser instituídos em casos de síndrome dolorosa miofascial, nos doentes com distrofia simpático-reflexa, déficits motores por lesões neurológicas ou articulares. Os procedimentos psicoterápicos estão indicados em casos em que o componente afetivo é muito expressivo. Os bloqueios anestésicos regionais são recomendados quando a dor é aguda ou quando medidas duradouras para o controle da dor são aguardadas. Bloqueios anestésicos dos nervos periféricos somáticos e neurovegetativos simpáticos parecem ser úteis para melhora sintomática temporária de doentes com dor por nocicepção e o tratamento de alguns casos de dor resultante de lesões do SNP, especialmente, quando há anormalidades neurovegetativas associadas. Administração peridural ou intratecal de medicação morfínica está indicada em casos de dor rebelde aos métodos convencionais enquanto são programadas outras medidas terapêuticas. Os procedimentos neurocirúrgicos visando à interrupção das vias nociceptivas através de neurotomias, rizotomias, mielotomias, cordotomias, mesencefalotomias e talamotomias devem ser realizados para o tratamento da dor por nocicepção quando os métodos conservadores não forem satisfatórios. Exceção feita à causalgia, em que a simpatectomia freqüentemente alivia a dor permanentemente e às neuralgias essenciais da face, a interrupção das vias sensitivas no SNP e no SNC, geralmente, não beneficia os doentes com do neuropática. A interrupção das vias espino-reticulares na transição bulbocervical, a mesencefalotomia, a lesão dos núcleos talâmicos inespecíficos, a lesão das vias e estruturas do sistema límbico e hipotalâmicas produzem resultados satisfatórios persistentes em pequeno número de casos e, muitas vezes, causam várias complicações. A cingulotomia e a hipotalamotomia são eficazes para o tratamento das alterações afetivas incontroláveis clinicamente. A hipofisectomia é útil para o tratamento da dor óssea por metástases de neoplasia de mama, próstata e endométrio. A estimulação elétrica dos nervos periféricos, medula espinal, mesencéfalo e tálamo está indicada para o tratamento da dor por desaferentação. O implante de bombas e de câmaras para a administração de fármacos está recomendado em casos de doentes que se beneficiaram com a administração de medicação analgésica infundidas através de cateteres peridurais ou subaracnóideos. Estas medidas, isoladas ou associadas, controlam a dor e o sofrimento físico e mental da maioria dos doentes oncológicos. A assistência, sempre que possível, deve ser realizada em ambiente domiciliar, onde o apoio moral dos familiares e a liberdade de atuação dos doentes é mais satisfatória. O tratamento paliativo domiciliar está indicado quando a doença é incurável, quando a família e o doente aceitam as propostas do tratamento paliativo e quando ambos concordam que morte deve ocorrer no ambiente da família.
 

* Prof. Dr. do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP.
   Chefe do Ambulatório de Dor da Clínica de Neurologia do Hospital das Clínicas, HC/FMUSP



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