Volta |
Algumas considerações pessoais sobre um assunto que tem muito a ver com a industria do discos e seu futuro. O conteudo desta página é livre para cópias e distribuição, desde que citada a fonte. Por favor, envie sua preciosa opinião.
Porque não temos Singles no Brasil?
Até meados da década de 80, havia no Brasil um formato de disco muito popular, o Compacto Simples. Pequeno, barato, com duas musicas e uma capa padronizada. Quando tinha 4 musicas - e um som horrível - ganhava uma capinha colorida e mudava de nome para Compacto Duplo. Um detalhe: o padrão mundial era 45 rpm (rotações por minuto), mas o Compacto no Brasil era 33 rpm, como os LPs, talvez por reserva de mercado...
A maioria das musicas "pop", os sucessos de repercussão popular, foram levados ao grande público através do Compacto. O formato desapareceu por motivos não muito claros: falta de lançamentos, falta de vendas, desinteresse do consumidor, desinteresse do lojista, quem sabe. Antes de saírem do mercado, os Compactos deixaram sua marca: Lulu Santos em ‘Como Uma Onda no Mar” e Ultraje a Rigor, com “Inútil”, um vendendo muito e o outro dando o que falar.
Mas levar apenas uma musica para a divulgação continuava sendo necessário. Criou-se o Promo, no tamanho do LP com uma ou duas musicas, apenas para divulgação. Com a chegada dos remixes, apareceu o Maxi Single, um LP com uma ou duas musicas e suas versões, distribuído para rádios e casas noturnas. “Loiras Geladas”, do RPM, aconteceu nas pistas.
Enquanto isso, na América e na Europa, o Single, como é chamado por lá, continuou ativo, ainda em vinil durante algum tempo e hoje no formato CD. As paradas de Singles são o verdadeiro termômetro das tendências musicais. Independentes e Majors disputam a preferencia do ouvinte em condições semelhantes. O produto oferecido é a musica, sem muito espaço para operações comerciais. O mercado aprova ou não. Como exemplos da eficácia do Single, basta ver Oásis e Spice Girls, estourados pelas paradas de Singles.
Agora, em 97, vale a pena trazer a idéia de novo para os balcões de discos no Brasil. O CD perdeu sua aura de objeto de luxo, é distribuído até de graça, encartado em revista, brinde na farmácia. O formato Compact Disc é universal, padrão dos toca discos, gôndolas de lojas e disqueteiras das rádios. Está mais barato, com ampla oferta de fabricas. O CD está pronto para vender apenas duas musicas. Para isso, é preciso que se comece tudo de novo. E que venha o CD Single.
Com que capa: Porta Jóia ou Envelope?
A embalagem tradicional do CD, chamada de “porta jóia”, é uma característica do CD, e deve continuar embalando o disco com 8 ou mais faixas, o álbum, o disco de carreira, o lançamento, o disco de catálogo, a remasterização do LP. O uso da caixa de plástico ajuda o consumidor a identificar um produto “cheio”, com preço apropriado.
Como opção para o CD Single, existe a embalagem envelope, uma capa de LP em tamanho menor, em papelão e impressa frente e verso. Esta capa hoje é usada para lançamentos promocionais. Seu preço é igual ao do conjunto de porta jóia e partes gráficas do CD tradicional. Com o aumento da produção, o custo do envelope deve baixar sensivelmente.
O CD Single na capa de papelão tem outra aparência, mais barata, essencial para que o produto seja percebido como mais acessível pelo consumidor e para que o lojista mantenha seu preço menor que o CD. A separação entre o CD e o CD Single é fundamental para que a idéia ganhe a confiança de todos.
Quantas musicas tem um Single?
Duas, duas e somente duas. Este é o formato da tradição, oferecer A Musica - uma musica que se pretende um sucesso - e, no lado B, o outro lado, uma outra musica que mostre o artista, mas que não dispute a atenção do ouvinte. Não existe Single com dois sucessos. Duas obras fazem um bom produto, mesmo que estejam ambas no mesmo lado do CD. Com o tempo, acabamos até gostando do lado B, mas é uma opção pessoal.
Três musicas é possível, mas não é realmente preciso. Aumenta o custo, diminui os direitos, espalha a manteiga muito fina no pão. Só uma música é muita avareza. Três ou uma musicas confundem o consumidor. O Single tem duas musicas.
Quatro musicas é outro formato, é outro produto, tem outra função. É o Extended Play, o EP, ou então Compacto Duplo. É bom para discos de entressafra, entre dois álbuns, para manter os fãs ocupados. Pode ter caixa de plástico, e sempre terá outro preço, mais próximo do CD.
O Single pode ter varias versões da mesma obra, os remixes; pode ter a versão karaoke; pode ter entrevistas, brincadeiras, versões à capela, samples e loops. Desde que sejam sempre de duas obras, duas musicas.
Pouco, muito pouco mesmo. No máximo R$4,99. Para o consumidor, dinheiro de bolso, troco para uma compra maior. Menos que cinco reais. É uma compra de impulso, não deve precisar de cheque, algo como comprar um gibi ou um chocolate. Há um consumidor afastado do mercado da musica, o pré adolescente que gasta mesada, o operário voltando pra casa, o namorado querendo um presente simples, a menina que gosta de novidades. Este consumidor existe e está disposto a enfiar a mão no bolso.
O preço para o lojista deve ser mantido também no mínimo, é claro. Existem economias no formato que deverão ser levadas em conta, como o custo menor de distribuição por unidade, o custo menor de gravação, de arte, etc. Com o desenvolver das vendas, existe uma possível redução no custo industrial, se as fábricas passarem a usar o chamado filme de 21 minutos, para conteúdos menores.
O marketing do Single deve levar em conta que se trata de um trabalho de divulgação pago pelo consumidor, ou seja uma parte dos custos pode ser absorvida como verba de divulgação. Para o lojista, o Single é trafego, é um novo apelo para o consumidor.
Que tipo de musica vende no Single?
O sucesso , como sempre. Mas existem vários tipos de sucesso. Existe o lançamento de um novo artista, algo que ninguém sabe o que acontece, mas pode acontecer. Tem a música nova de um artista conhecido, que já tem seus fãs e mais chances de dar certo. E tem a musica que já é ou foi um sucesso, um hit extraído do CD, com a finalidade de ir buscar os que ainda não compraram o CD.
Para os artistas novos, o Single é a verdadeira porta da esperança. Testa-se o gosto do publico sem investir tudo na produção do CD. É possível experimentar com custos menores. O artista e o produtor precisam ser muito mais objetivos na hora de preparar o repertório e os arranjos do Single. Com certeza o Single deve aumentar as chances de novos artistas serem lançados no mercado em condições competitivas.
Para os artistas conhecidos, o Single é um balão de ensaio, ou então um aperitivo para abrir o apetite para o CD. O Single chama a atenção de todos para um novo trabalho.
Em ambos os casos acima, o Single contem um risco para o lojista. Mas o Single com a musica que já é um sucesso se transforma em mercadoria de venda assegurada. A viabilidade do Single como formato comercial depende do equilibro entre sucessos e inéditos.
Há ainda um outro mercado, puramente de musicas, o “popero” de sucessos de radio, geralmente do gênero dance, que pode se beneficiar muito do Single, antes de remontar uma seqüência de sucessos numa compilação de Melhores do Radio.
Quem sai ganhando com o Single ?
A industria como um todo sai ganhando, porque o Single traz uma possibilidade de medir mais precisamente onde está o gosto do publico. Com certeza, num mercado de Singles atuante, as grandes surpresas à la Mamonas Assassinas, aparecem antes, dando tempo para que se planeje melhor o lançamento de um CD com chances de vender milhões. Mais milhões.
A renovação obrigatória dos casts é melhor definida, o Single orienta onde está o verdadeiro talento, já testado e provado. A busca da novidade, da próxima onda, da próxima moda, fica mais fácil, pode se fazer mais tentativas num determinado gênero. Os artistas que ficam na marca do pênalti, os antigos vendedores, podem ter mais algumas novas chances de acertar o rumo, antes de serem dispensados.
Para a imensa maioria dos artistas, compositores, produtores e selos, que ainda não alcançaram o consumidor, o Single pode ser um caminho mais profissional. O Single coloca todos, novos e consagrados, em condições semelhantes, mas, ao mesmo tempo, é muito mais cruel em dizer o que é um fracasso. Uma carreira baseada em Singles requer persistência e critica constante. Todos se beneficiam da aproximação maior entre o mercado e os criadores.
Quando o Single vai acontecer no Brasil?
Poderia ser em 1997, com um pouco de boa vontade geral. As grandes companhias, através da ABPD, estão se preparando para a volta do Single, inclusive com campanhas publicitarias. Ainda existem problemas a serem discutidos e resolvidos. É preciso haver um acordo com relação à pagamentos de direitos autorais em bases diferentes do CD. Os departamentos jurídicos tem que reexaminar os contratos e preparar negociações com cada artista, até mesmo para que o Single possa ser considerado uma “venda especial” e portanto gere royalties menores que os do CD. Os artistas precisam ser convencidos de que o Single não ameaça o seu disco anual.
O distribuidor e o atacadista tem que reconfigurar seus custos e procedimentos. O lojista precisa comprar a idéia e perceber como pode transformar trafego em faturamento. Os magazines e supermercados poderiam muito bem deixar o Single abrir o caminho para a venda de mais unidades de CDs, colocando o Single nas cabeças de gôndola, em permanente promoção. Ou então saírem fora totalmente, como é a prática usual fora do Brasil, onde o Single é mercadoria de loja de discos.
O mercado todo precisará se familiarizar com o Single. Quem tem menos de vinte e poucos anos não tem a menor idéia do que é um Single, nunca viu... Os profissionais que entraram no ramo há menos de doze anos não conhecem o Single como produto. Em doze anos o varejo de discos mudou tanto que pode-se dizer que nunca vendeu, é virgem, na venda de Singles. E atenção que o Single importado poderá participar disso tudo, experiente e poderoso.
Estas são minhas opiniões pessoais, uma contribuição para que se discuta amplamente o assunto, sem reservas ou preconceitos. Como produtor, diretor artístico e tocador de selo, serei 100% beneficiado com a implantação do Single no Brasil, portanto defendo a idéia. A Tinitus vai à luta e lança o seu primeiro Single, do Concreteness, com a faixa “Se” e três remixes, com distribuição da Velas.
Estou à disposição de todos, esperando que haja uma revoada de andorinhas e que se faça o verão. Para correspondencia, no (Pena Schmidt)psp@pobox.com ( em 4 de maio de 1997) ULTIMAS NOTICIAS: em 4 de julho: Parece que o Single vai mesmo, prometendo um grande lançamento na CD Expo, em 29 de julho no Rio. As Majors querem lançar sucessos consagrados, para solidificar o formato com os lojistas. A embalagem do Single deverá ser a caixa de plastico slim, como os singles importados. Pelo menos uma importadora já fez uma grande compra de Singles no Exterior e já os colocou á venda em lojas de Shopping. (Volta)