Perfil de Luiz Calanca

 

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MÚSICA, s. f. Relaxamento; estilo de vida; comportamento; bem estar; momento de lazer; terapia; remédio; a cura de todos os males; a paz. 

A definição acima não será jamais encontrada num dicionário “Aurélio” ou “Houaiss”, porém faz parte nos verbetes de Luiz Calanca, proprietário da primeira loja de discos da Galeria do Rock, no centro de São Paulo, e do primeiro selo independente do mercado musical brasileiro. “Não vou dizer que música é sua essência, mas os dois são inseparáveis”, assim é descrita por Carolina Calanca, filha de Luiz, a relação do pai com a música.

Extremamente avesso às inovações tecnológicas dos últimos tempos, especificamente a internet e o CD (Compact Disc), Calanca possui em sua coleção particular 16.000 títulos em LP (Long Playing) e em sua loja mais 90.000 em LP e 25.000 títulos em CD.

Nasceu em 06/02/53, na cidade de Flórida Paulista, interior de São Paulo. “Eu costumo dizer que eu sou o último poeta vivo de lá”, brinca ele.

Em sua infância, servia como garoto de recados. “Vivia arrumando namorinhos para os colegas. Eu era muito atrevido, sapeca e chegava nas garotas", conta ele. Frequentava o circo, onde assistia os artistas de música caipira de raiz como Tonico e Tinoco. “Passava debaixo do pano para não pagar bilhete”, explica.

“Quando eu tinha sete anos, comecei a gostar de música. Eram os anos 60, os Beatles já haviam lançado Ticket to Ride”, relembra Calanca. Entre 10 e 11 anos, começou a trabalhar lavando discos que seriam executados no serviço local de publicidade em auto-falantes. “Eu lavava os discos e via se não estavam pulando”, explica ele. Nessa época, comprou seu primeiro disco: o compacto “La Bamba”, de Prini Lores.

Além da música, uma de suas paixões era a poesia. “A gente achava que era poeta. Éramos de uma cidade onde todo mundo vivia fazendo versinhos, redondilhas e piadinhas com rimas”, rememora.

Aos 13 anos, mudou-se com seus pais José Calanca e Ivani Calanca para a cidade de São Paulo. Quando chegou na capital paulista, no ano de 1966, foi surpreendido com o movimento tropicalista.

Através do “Televizinho”, televisão do vizinho onde várias pessoas se reuniam, uma vez que nesta época a televisão não era muito difundida por ser muito cara, Calanca assistia ao Programa “Esta noite se improvisa”, apresentado por Blota Jr na TV Record. Caetano Veloso e Chico Buarque eram presenças constantes neste programa. “Ouvir Caetano cantando Tropicália foi um desbunde na minha vida”, explica Calanca recitando alguns versos da canção: “Sobre a cabeça os aviões / Sobre os meus pés os caminhões / Aponta contra os chapadões o meu nariz”. Foram esses os primeiros compactos comprados na “Terra da Garoa”.

Seu primeiro LP nacional foi “Meu Bem”, um cover de “Girl” dos Beatles (1966), gravado por Ronnie Von e o primeiro internacional foi “Between the Buttons” dos Rolling Stones (1967). Logo começou a trabalhar como farmacêutico em uma drogaria na Rua Augusta. “Com o dinheiro, eu comprava meus disquinhos e comecei a fazer bailes em casas de família”, conta ele.

Casou-se em 1974 com Vitória Calanca. Ingressou em um cursinho pré-vestibular com o objetivo de cursar Letras, pois ainda tinha os ideais de poeta de sua cidade natal. Abandonou este objetivo quando sua esposa ficou grávida de sua filha Carolina Calanca, 24 anos. “Eu tinha um sapato furado e um disco novo. Nunca sobrava dinheiro e eu preferia comprar um disco do que pagar a escola”, relembra ele.

Nessa época, ainda era farmacêutico e morava na Rua Augusta. “O custo de vida era muito alto. O dinheiro era pouco e chegou o momento que não tinha saída mesmo, tive de sacrificar alguns discos”, conta ele. Essa situação levou Calanca a desistir de sua profissão e abrir uma loja de discos. “Me deu um estalo e pensei no nome antes de abrí-la. Fiquei encanado com esse nome, Baratos Afins, pois eu ia ter um bazar com o mesmo nome”, rememora ele.

Em 1978, quando foi inaugurada a loja, Calanca colocava os discos do John Travolta no chão para serem pisados, pois era o auge da discoteca. “Aquilo era um horror para a gente. Nós achávamos que música era só o que gostávamos. Os roqueiros vibravam quando pisavam nos discos.”, explica.

Essa fase terminou quando a loja começou a ter uma grande fama, e atraindo vários segmentos de clientes devido à sua variedade. “Eu virei um traficante de drogas, eu me prostituí e vendo qualquer tipo de drogas musicais”, ironiza. Hoje, além de seus funcionários e esposa, sua filha também trabalha na loja. “Eu estou dando continuidade ao trabalho de meu pai”, explica Carolina.

Além da loja, Calanca também produzia shows e espetáculos. “Eu fiz a produção de um show do Arnaldo Baptista (ex-Mutantes), e quando ele sofreu um acidante a mulher dele me procurou para terminar seu disco.”, conta ele. À partir daí nascia o Selo Baratos Afins, que relançaria toda a obra dos Mutantes, Rita Lee e Arnaldo Baptista. “Eu acho até que a gente é responsável pela volta e longevidade dos Mutantes, que andavam esquecidos”, completa.

Passaram pelo selo nomes como: Bocato, Itamar Assumpcão, Jorge Mautner, Marcelo Nova, Ratos do Porão, Tom Zé, entre outros. Foram lançados 154 títulos em LP e 50 em CD. “O meu selo é maldito e underground. A gente costuma chamá-lo de “Sanatório do Rock”. Não estou preocupado se é sucesso ou não, gosto do som e faço. Vendemos uma tiragem hiper-super reduzida”, define ele.

Um ponto marcante na entrevista realizada com Luiz Calanca, foi o fato de o entrevistado sempre retornar à fatos do passado e valorizá-los em relação aos do presente. Isso se torna evidente quando o assunto é o CD (Compact Disc). Dispara críticas vorazes à qualidade do produto. “Eu cheguei a fazer matéria na Veja, jogando o CD no lixo. Aquilo pegou muito pesado para mim. Brasileiro vai muito no embalo do modismo. Eu tinha um acervo muito grande em vinil, quando eu vi que o CD estava tomando conta do mercado, fiquei um pouco enciumado. Eu levantei uma bandeira contra o CD, briguei muito e virei um palhaço”, conta.

Devido a este cenário, acabou cedendo ao CD. “Eu tive um novo estalo comercial”, explica. As pessoas levavam pacotes de LP´s à sua loja, e Calanca os trocava por CD´s. “Foi a melhor coisa economicamente que eu fiz na vida”, conta. Com isso, recuperou os títulos que tinha vendido na época de abertura de sua loja e comprou um apartamento somente para abrigar um estúdio e seus LP`s. “Eu só lamento uma coisa, não devia ter trocado por CD´s, mas sim comprado os discos com dinheiro, pois pelo menos eu não ia morrer com esse mico (CD), que eu acho que vai acabar antes do LP”, conclui ele.

Outra posição contra a tecnologia é encontrada através da rejeição à internet. “Eu odeio a internet, mas eu tenho que estar conectado pelo menos uma hora por semana.”, conta ele. Faz ainda um balanço de sua interferência na sociedade. “As pessoas não saem mais na rua. Não conversam, discutem ou rebatem. Não tem aquela cultura que nós tínhamos. A gente trocava informações, ia em shows, arrumava namoradas”, explica.

Quanto à música atual, acha que tem muita coisa interessante, porém não divulgada pela mídia. Acredita inclusive na cena musical brasileira. “Nosso país tem quatrocentas bandas tão boas ou melhores que o Radiohead. Eu tenho uma preocupação e um compromisso de produzir um monte delas. Sei que é difícil de vender essa música, pois temos que abrir a cabeça das pessoas a machadadas, uma vez que não temos o apoio da imprensa, da rádio e da tv. Porém eu estou de alma lavada. Alguém, um dia, terá curiosidade de pesquisar e achará legal”, conclui ele.

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