A
exemplo do que aconteceu em outros países, a globalização
da economia invadiu as mentes, os lares e os bolsos dos brasileiros como
um fato inquestionável, irremediável e até mesmo desejável.
Afinal tratava-se de não ficar atrás, não ficar parado
no tempo e tampouco viver como um troglodita, isolado num ponto perdido
no mundo.
Legitimados a falar sobre o assunto, acostumados nos últimos tempos a determinar o que serve e o que não serve para os cidadãos, os economistas, amparados pelo mais espetacular, moderno e eficiente aparato de divulgação em massa, não fizeram por menos. Revestidos de toda a "autoridade" formalmente conferida pelos cargos oficiais ou acadêmicos, cumpriram com grande competência o papel de produzir a verdade a partir de um discurso técnico, inteligível e até coerente para qualquer um que não fosse iniciado na doutrina econômica. Assim, cidadãos brasileiros começaram a emaranhar-se numa complicada rede de termos técnicos que longe de esclarecer alguma coisa, apesar de diariamente publicados, serviam somente para consolidar a verdade fabricada que pregava a necessidade de inserção na economia mundial globalizada sob pena do caos total. Mas a ninguém era claramente explicado, por exemplo, como e por quê a variação cambial em determinado país iria afetar sua vida. Era explicado apenas que em função disso ou daquilo devíamos fazer tal coisa, ora comprar mais, ora comprar menos, como se pudéssemos estabelecer um cronograma para a doença, para a fome, para a educação, para o trabalho, etc. Apertar o cinto e submeter-se a remédios amargos, tais como aumento de impostos, deixaram de ser medidas circunstanciais para se tornarem regra geral de política econômica. Medidas econômicas para aumentar o consumo. Medidas econômicas para inibir o consumo. Medidas econômicas para salvar a moeda. E o brasileiro querendo apenas trabalhar, comer estudar, vestir, desfrutar de saúde e viver. Não há porque desmerecermos o saber econômico nem qualquer saber formal ou informal, desde que tal saber não desconsidere os valores fundamentais à vida, ou seja, os valores sociais. Malditos valores sociais. Ao contrário dos valores morais, estão sempre na contramão do discurso político e agora também do discurso econômico. Em tais discursos o que vigora é a competência das decisões tomadas, a perpetuação da verdade produzida. Embora fundamentando todo o discurso, embora aparecendo como o objetivo maior de toda retórica dominadora, aos valores sociais resta a eterna esperança do amanhã melhor. Como se fosse verdade que ao invés do esperançoso é a esperança a última a morrer. Não pode haver prosperidade, progresso e desenvolvimento se não houver condições de saúde, de trabalho e de educação. Neste contexto é imperioso que o humano e o ambiental estejam preservados. Se não, para que servem os outros valores, inclusive o saber econômico? A tão necessária globalização econômica sempre foi "vendida" como a solução natural para todos as questões ligadas ao desenvolvimento dos povos. Não há como se desenvolver sem participar da grande aldeia global, sem estar inserido na grande feira global onde a qualidade, a eficiência, a produção a competitividade e sobretudo o poder econômico reinam absolutos sobre quaisquer outros valores que possam ser imaginados. Coisa estranha essa globalização. Promessa de solução única nos quatro quadrantes do mundo. Como se este velho e misterioso mundo admitisse alguma solução para sua dinâmica social que fosse fundamentada apenas numa teoria acadêmica, e pior, que não considerasse o homem e o ambiente. Mais estranha ainda uma solução única, global, que comporte toda a diversidade universal. Pobres economistas, pobres de nós cidadãos. O que é a economia de um povo? Ainda não existe graduação acadêmica, MS, Ph D, etc. que complique a simples verdade que mesmo um leigo entende, qual seja a de que a economia de um povo, sua capacidade de produzir bens, sejam eles convertidos em qualquer outro tipo de bens, sejam eles traduzidos por qualquer padrão monetário, está intimamente ligada aos seus hábitos, as suas tradições e a sua cultura. Ninguém produz segundo as tradições do outro sem que se configure aí algum tipo de dominação. Pois é isso que está no cerne da globalização da economia: dominação. Haja vista que o modelo escolhido para globalizar o mundo não foi um modelo novo, surgido de repente de um grande consenso entre todas as nações globalizadas. Não, tal modelo não foi acordado, sequer foi discutido. Foi imposto por um grupo para aumentar seu poderio e preservar seu anonimato. Como pode algo que não considera as tradições de um povo, não considera a essência do ser humano, ser a solução para os seus problemas? Como imaginarmos, por exemplo, que o homem oriental possa, impunemente, trocar seu milenar estilo de vida contemplativa e reflexiva e amanhecer um dia engravatado e agitado, percorrendo as calçadas dos centros financeiros, nervoso, ao melhor estilo ocidental? Alguém imaginaria um ocidental contemplativo, calmo, devagar, reflexivo, exercendo o cargo de presidente de um grande conglomerado industrial? Não, isso não pode dar certo. Além disso, não conseguimos entender a lógica econômica que aceita como processo de desenvolvimento o fato de cidadãos que nunca "investiram" na bolsa de valores, a maioria inclusive não tem a menor idéia de como funciona esse jogo, serem obrigados a pagar com o seus parcos salários a aventura de abonados especuladores em qualquer lugar do planeta. Que teoria econômica pode justificar a destruição da essência do homem? A sua capacidade de trabalhar. Sim, o trabalho é essencial ao homem! Apavora-me ouvir "autoridades" oficiais ou acadêmicas explicarem, com uma frieza de tilintar dentes de esquimó, que tais e tais medidas são extremamente necessárias e que infelizmente trarão desemprego, traduzido normalmente por um percentual. Como se taxas de desemprego fossem uma coisa e seres humanos outras. Apenas um detalhe, como já falaram. Na realidade, essa frieza e aparente segurança escondem verdades dominadoras e eternas, o poder não pode correr riscos, o poder deve ser perpetuado. De que outra forma explicar por que os poderosos e geniais maestros da economia, diante de qualquer dificuldade de caixa, apesar de toda a modernidade apregoada, recorrem sempre ao velho e milenar recurso do aumento da tributação. O povo sempre pode ser taxado. Está instituída, sim, a escravidão global, onde encontra-se muito bem definido o papel dos escravos que devem sustentar essa nova forma de poder. Quanto aos senhores, estão, paradoxalmente, mais difusamente concentrados. Concentrados, quando enfocados sob a ótica do montante de recursos econômicos mundiais. Difusos, quando observados quanto a sua situação física neste planeta que já admite existência virtual na grande rede de comunicação. O que o processo de globalização da economia oferece, na realidade, apesar de todo o discurso político-econômico, apesar do saber acadêmico dos economistas, é a transformação do mundo em grandes senzalas onde somos cada vez mais escravos de cada vez menos senhores. |