A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE - criada pela Lei 3.962 de 15 de Dezembro de 1959, nasceu de um amplo debate social e se tornou o maior e mais importante espaço democrático e político-institucional para o desenvolvimento regional jamais criado neste País. No dia 2 de maio de 2001, foi extinta pela Medida Provisória 2.145, assinada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e reativada pelo Presidente Lula, por meio do DECRETO Nº 6.198, DE 28 DE AGOSTO DE 2007. Para vê-lo ou baixá-lo é só clicar no nome do Decreto.
Os servidores da Autarquia jamais imaginaram que isso pudesse acontecer. Todos tinham a consciência de que ela precisava ser reestruturada, renovada, revitalizada, mas extinta, nunca!!!
Na home page da SUDENE vocês encontram toda a sua história, programas, projetos e tudo o que a tornou importante para o Nordeste, ao longo desses 41 anos.
Transcrevo a seguir algumas considerações sobre o triste acontecimento da extinção - verdades sobre o real papel da Autarquia - tecidas por servidores, jornalistas e componentes de outros segmentos da sociedade, para que vocês possam avaliar a realidade dos fatos.
Quero deixar aqui a minha homenagem a todos os colegas, na pessoa da servidora Angela Maria de Lima Nascimento.
Ela entrou na SUDENE em 1995 por meio de concurso, é Assistente Social, reconhecidamente competente pelos colegas e dirigentes da Autarquia, ao ponto de pedir licença sem vencimentos e redistribuição para outro órgão, antes da extinção da SUDENE, e ter seus pedidos negados sob a alegação de que era competente e importante para a Casa.
Essa importância e competência, no entanto, foram completamente esquecidos quando a transferiram, aleatoriamente, para CEFET, antiga Escola Técnica Federal de Pernambuco.
A você Angela, a minha gratidão e admiração pela sua luta em prol da SUDENE, pela mulher, profissional e gente que você é.
ADEUS
*IZÍDIO JOSÉ DA CRUZ
Adeus queridos amigos
Eu já vou me ausentar
Expulsaram a nós da casa
Vão pôr outros no lugar
Tenho fé na Virgem Maria
Esses covardes um dia
Ainda hão de pagar.
Depois de vinte e um anos
Que trabalhei na SUDENE
Dediquei o meu trabalho
Porém ninguém compreende
Expulsaram a nós da casa
Criando uma tal de Adene.
A Adene de que falo
É uma casa sem muro
Construída sem cimento
Numa noite de escuro
Vocês todos compreendam
Que essa tal de Adene
Pois nunca vai ter futuro.
Vou embora meus colegas
A vocês Deus dá a luz
Que fique ou que vá embora
Vou pedir a meu Jesus
Que ilumine vocês todos
Assim a vida conduz
Um abraço apertado
De Izídio José da Cruz.
*Izídio José da Cruz é servidor da SUDENE e deixou esses versos como despedida, pois foi redistribuído para a Receita Federal.
SUDENE DE PAPEL
No dia 2 de maio de 2001, através da Medida Provisória 2.145, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo mandato, extinguiu a Superintendência de Desenvolvimento do Norte (Sudan), que fora instalada em 3 de dezembro de 1966 pelo governo militar, na presença do próprio marechal Castelo Branco, com o objetivo declarado de coordenar os incentivos ao desenvolvimento da Amazônia. A alegação da medida de quatro anos atrás foi a constatação de irregularidades na distribuição daqueles recursos às empresas privadas.
O País foi surpreendido, porém, quando percebeu que o ato de FHC atingiu igualmente a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que existia desde 1960 - por iniciativa do presidente JK e decisão soberana do Congresso Nacional - ainda que contra ela não houvesse denúncias continuadas no seu desempenho de quatro décadas.
Para substituir a Sudene, ou pelo menos para zelar pelo seus imóveis, móveis e documentos, foi criada a fantasmagórica Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) que, até hoje, ninguém sabe a que veio na verdade, pois nunca prestou contas de suas atividades, apenas mantém em funcionamento precário as edificações postas à sua guarda.
Em sua campanha eleitoral, o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em todos os palanques nordestinos garantiu que, uma vez eleito, promoveria de imediato a recriação da Sudene. E, parecendo disposto a cumprir a palavra, logo depois de empossado criou uma comissão de estudos, cuja relatora foi a economista pernambucana Tânia Bacelar, antiga funcionária daquela autarquia, para sugerir a nova estrutura e os recursos que deveriam fazer o milagre de ressuscitar o órgão extinto.
O relatório foi definido a partir dos objetivos básicos que constaram de sua filosofia inicial, o de promover o desenvolvimento do Nordeste (reduzindo, no País, as desigualdades regionais), e concentrar a força política regional, através de um conselho de que participariam os governadores dos nove Estados nordestinos (e mais Minas e Espírito Santo). A esses objetivos primordiais, conhecidos dos brasileiros desde a elaboração do Relatório do GTDN, presidido décadas atrás pelo economista Celso Furtado, o novo trabalho acrescentou um diagnóstico da atual realidade política, social e econômica do Nordeste. Representantes de vários setores da sociedade foram ouvidos, na ocasião, antes que o documento fosse enviado pelo presidente da República ao Congresso Nacional, em forma de projeto de lei e em caráter de urgência.
Passado esse primeiro momento de euforia, o governo simplesmente retirou a urgência, e os termos de sua proposta em benefício do Nordeste caíram na vala comum dos inúmeros projetos que circulam vagarosamente pelas diferentes comissões das duas casas legislativas federais, sem prazo para votação, e nem sequer garantia de que serão realmente votados.
Recentemente, depois de um longo período de silêncio em torno do assunto, o relator da matéria no Senado, o senador Antonio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e, como tal, antigo ocupante de uma cadeira no Conselho Deliberativo do órgão federal extinto, divulgou inesperadamente o seu parecer sobre a recriação da Sudene. Antigos servidores da autarquia, hoje lotados em diferentes repartições federais, começam a se movimentar para que os termos desse parecer sejam amplamente divulgados. Somente assim se saberá com quantos funcionários contará a nova Sudene, quais deles serão ocupados por remanescentes do quadro de pessoal anterior à extinção e quantos poderão se submeter a concurso público. Mas, sobretudo, querem que a nova filosofia administrativa seja suficientemente divulgada.
Editorial do Jornal do Commercio, de 18/06/2005.
SUDENE, TÂNIA E A ESPERA
JOSÉ MÁRIO RODRIGUES
Esperamos sempre o que nunca chega, como os personagens da peça "Esperando Godot", de Samuel Beckett. Enquanto esperamos, morremos um pouco. A espera exaustiva é uma maneira de acabar com o sonho. Ela é capaz de varrer a vontade, o desejo. Quando chega o que se espera muito, já vem sem força. O espírito não é o mesmo. O objeto da aspiração perde o significado.
A cada dia se extingue mais o que ainda me sobra de esperança em relação às promessas dos nossos governantes. Tenho medo de que essa decepção se transforme em ódio. Hoje, entendo, porque algumas pessoas de esquerda, no caminhar da vida, apoiaram forças conservadoras, na ansiedade de resolver questões pelas quais tanto lutaram. Sem dúvida, apoiaram por desespero, por vingança talvez, por desencanto. Não seguirei essa trilha. Não se deve manchar um passado com uma desilusão, porque depois, infelizmente, tudo continuará da mesma maneira ou pior. E no fim, o que vai restar, é o verso de Manuel Bandeira: "a vida toda que poderia ter sido e que não foi".
Às vezes penso que há uma deliberação para não se resolver nada, mas apenas fazer de conta. Que bom se isso uma impressão.
Em recente nota de jornal vi que a economista Tânia Bacelar, nome de expressão nacional e uma capacidade que ninguém duvida, dizia ao colunista da sua descrença na recriação da Sudene. Ela tem motivos para pensar dessa forma. Poucas pessoas trabalharam tanto, elaborando o projeto da nova Sudene. Sou testemunha desse esforço e colaborei na parte da comunicação e revisão do projeto "Bases para Recriação da Sudene", que foi resultado de uma ampla consulta à sociedade, a instituições públicas oficiais e não oficiais, a especialistas nacionais e internacionais de políticas de desenvolvimento regional.
Recentemente, escrevi um texto que foi distribuído no café da bancada parlamentar do Nordeste, em Brasília. Lamentava o desrespeito com o povo nordestino em se extinguir um órgão que chegou a quatro décadas de presença na Região, aparelhado e apoiado numa estrutura sem similar no País, quando da fundação pelo economista Celso Furtado, e destinado a criar uma sociedade regional fortalecida e condizente com os impulsos de desenvolvimento registrados pelas demais regiões brasileiras.
Agora, quase todo político, das mais variadas faunas partidárias, defende a recriação da Sudene, dizendo que ela "está fazendo falta". Esse é o assunto dos discursos em busca de aplausos. Mas, nada acontece. Parece é que estamos acompanhando um enterro depois de um cansativo velório.
Todo o trabalho de Tânia Bacelar está hibernando numa Estação onde não se ouve o apito de um trem, que não vem nunca. Tânia não acredita mais. Eu ainda espero, sem ânimo. Tenho vocação para a espera e, por isso, construo alicerces de ventania no meu viver diário.
José Mário Rodrigues é escritor e membro da União Brasileira de Escritores (UBE)
Publicado na página Opinião do Jornal do Commercio, de 17/05/2005.
MORTE E VIDA DA SUDENE
CLEMENTE ROSAS
Há, neste mundo, vocações sombrias. A de coveiro, por exemplo. Ou a de guardião de sepulcros. O Dr. José Aristophanes Pereira, após haver antecipado a morte da Sudene, entoando compungidas nênias à defunta antes mesmo do seu velório (JC, 02.02.2001), agora se empenha em mantê-la sob os sete palmos de terra (DP, 19.04.2005). E o mais curioso é que, em seu último artigo, ao descrever como era a instituição que morreu, e contra cujo renascimento se insurge, ele apresenta os fundamentos pelos quais ela deve renascer.
Lucidamente, o Dr. Aristophanes descreve a Sudene em sua concepção original: uma entidade não só de planejamento, mas também de supervisão e coordenação de ações voltadas para o desenvolvimento regional. E bem identifica os pilares que lhe deram sustentação, entre 1959 e 1964: a vontade política do presidente Juscelino, o apoio dos governadores do Nordeste e a ausência de uma estrutura nacional de planejamento.
Ao referir-se à tomada do poder pelos militares, no entanto, o veterano quadro da autarquia, que conviveu com as novas autoridades lá dentro, adota um maneirismo que já não se justifica. Ninguém suspeitava de "viés separatista" na doutrina da instituição. Achava-se, isto sim, que a Sudene tinha propostas "estatizantes", "comunizantes", para o Nordeste. Um equívoco que só se desfez com o tempo, resultando em desempenhos até marcantes dos novos superintendentes, com destaque para o general Euler Bentes Monteiro. Mas é preciso deixar bem claro que foi também nessa época que tiveram curso as deformações responsáveis pela progressiva descaracterização e pelo enfraquecimento da autarquia: a ausência de critérios técnicos nas decisões, a prodigalidade na administração dos incentivos, de par com a sua dispersão pelo país todo, e a progressiva perda de sua autonomia.
Com a precipitada e injusta extinção da entidade, após uma recuperação, mesmo tardia e incompleta, promovida sobretudo pelo general Nilton Rodrigues, que quadro agora defrontamos? Não devemos, em princípio, duvidar da vontade política do atual presidente, ao tomar as medidas necessárias para recriar a Sudene. Por outro lado, é de esperar que os governadores não sejam tontos, ao extremo de negar apoio a um órgão de promoção do Nordeste em seu conjunto, permanecendo na luta autodestrutiva dos incentivos fiscais estaduais. E a existência de uma instância nacional de planejamento (por sinal, bem fraquinha e desprestigiada, em nossos dias) não elide a instância regional, sendo apenas indispensável pô-las em articulação.
Onde está, portanto, o erro na luta pela recriação da Sudene? E se falamos em recriar, não em exumar, onde está a volta ao passado? De que modo as "ações de integração nacional" podem ser conflitantes com a existência de um órgão regional de desenvolvimento que seria, justamente, o mais forte instrumento de reivindicação e conquista delas? O que mais vale, a voz isolada, ainda que respeitável, do Dr. Aristophanes, ou o coro de um conselho de governadores?
É, no entanto, nos parágrafos finais do seu artigo que o Dr. Aristophanes comete, talvez em semi-inconsciência, alguns pecados, dos quais, como homem digno, deveria penitenciar-se.
O primeiro, venial, é a sugestão ao presidente Lula para que não "mova um dedo" para impulsionar a recriação da autarquia. Recomendar ao presidente que esqueça não só um compromisso formal de campanha, mas também a promessa pública e solene feita a Celso Furtado, criador da instituição, é, na melhor hipótese, uma leviandade, na pior, um conselho cínico, ao estilo de Maquiavel.
O segundo, mais grave, porque se situa no plano da cortesia - e para um cavalheiro como sempre foi o Dr. Aristophanes, "noblesse oblige" - é rotular de "capenga" o projeto encaminhado ao Congresso. É uma ofensa à professora Tânia Bacelar, coordenadora do grupo que o elaborou, em sua primeira versão, e à equipe de técnicos do melhor nível que participou do trabalho, entre eles meus amigos próximos Leonardo Guimarães e Sérgio Buarque. Todos, no mínimo, tão conceituados como o articulista e o seu interlocutor de "temas agridoces", Mariano Mattos.
O terceiro pecado, imperdoável, é o desrespeito à memória de Celso Furtado, consistente na proposta de um instituto de pesquisa com o seu nome, criatura inócua que ele nunca legitimaria. Pois já temos a Fundação Joaquim Nabuco, ocupando esse espaço. E já se arriscou manha semelhante, com o batismo antecipado do canal de transposição do São Francisco. O que Dr. Celso realmente desejava, e o disse claramente, entre lágrimas, ao pedir que "fizessem o que ele não havia conseguido fazer", nós, os veteranos da Sudene fiéis ao legado moral e intelectual do mestre, bem o sabemos: é o que estamos lutando por conquistar, e o Dr. Aristophanes, equivocadamente, procura impedir.
Clemente Rosas, consultor de empresas, é ex-servidor da Sudene (clemente@br.inter.net)
Publicado na página Opinião do Jornal do Commercio, de 1°/05/2005.
TRÊS ANOS SEM A SUDENE
Sem Sudene, Nordeste já perdeu R$ 1,8 bilhão
Há exatos três anos, a Sudene, criada para promover o desenvolvimento regional, era extinta. Projeto de recriação de Lula não saiu do papel.
JAMILDO MELO
Desde que o presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a Sudene, no dia 2 de maio, há exatos três anos, a região Nordeste já perdeu cerca de R$ 1,8 bilhão em investimentos públicos federais, sendo R$ 480 milhões em 2001, R$ 660 milhões em 2002 e R$ 750 milhões em 2003. Caso a recriação não ocorra agora em 2004, outros R$ 800 milhões deixarão de ser repassados para o desenvolvimento regional no Governo Lula. Em julho de 2002, em plena campanha eleitoral, o então candidato Lula prometeu recriar a Sudene, mas até agora o Governo Federal não conseguiu tirar a promessa do papel.
A previsão de repasse dos recursos consta da Medida Provisória que acabou a Sudene e o Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) e criou a agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) e o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDN). A MP vigorou de 2001 até julho do ano passado, quando foi parcialmente revogada (veja matéria ao lado), sem nunca ter sido analisada pelo Congresso. Em 2003, mesmo com o envio de um projeto de lei pelo Governo Lula prevendo a recriação da Sudene, nenhum tostão do Orçamento Geral da União foi repassado. Além disso, desde 2001 a Receita Federal deixou de repassar os recursos do Imposto de Renda (IR) que anualmente lastreavam o Finor. "Os recursos que deixaram de vir para a Sudene e a região viraram superávit primário (ajudando a pagar a dívida pública), enquanto as empresas perderam uma importante fonte de financiamento", explica o consultor de empresas Nilo Simões.
Para o diretor da Associação das Empresas de Planejamento do Nordeste (Assemp), Juscelino Bourbon, o prejuízo chega a ser maior, com a soma das contrapartidas exigidas das empresas. "Como a média do Finor era de R$ 500 milhões por ano e ele financiava até 30% de cada projeto, com as contrapartidas, chegava-se a investimentos de R$ 1,6 bilhão por ano. Em três anos, a região perdeu cerca de R$ 5 bilhões em investimentos produtivos", calcula o consultor.
Caso os recursos tivessem sido repassados para a região, os investimentos públicos seriam suficientes para concluir os cerca de 200 projetos remanescentes do Finor e ajudar a criar cerca de 60 mil empregos diretos com a implantação dos projetos. Segundo dados extra-oficiais da inventariança que sucedeu à Sudene, os projetos do Finor demandam R$ 1,5 bilhão em investimentos públicos.
O consultor econômico Herôdoto Moreira, ex-diretor de contas regionais da Sudene, defende que a extinção da autarquia, em 2001, foi o ápice de um processo de desmonte das políticas regionais, em benefício das regiões mais ricas. "Ao analisarmos estatísticas dos benefícios tributários da União, no período de 1991 a 2003, verificamos que a partir de 1990, com o Governo Collor, a questão regional foi abandonada. As estatais que cuidavam da problemática regional, como a Sudene e o Dnocs, começaram a ser desmontadas. Cuidou-se só da política fiscal e o resto foi esquecido", critica. Na esteira desse processo, as regiões menos desenvolvidas perderam participação no bolo das receitas nacionais, em detrimento das regiões mais ricas (veja arte). Em 1991, o Nordeste abocanhava 31,2% dos benefícios tributários. Em 2003, essa participação caiu para 12,6%, numa redução de 60%. No mesmo período, a região Sudeste saltou de uma participação de 18,6% em 1991 para 48,5% em 2003.
Projeto de recriação embute volta de incentivos fiscais
com uso do IR
Depois da canibalização dos recursos orçamentários da Sudene pelos governadores do Nordeste, o Governo Federal conta agora com a volta do sistema de incentivos fiscais, com recursos oriundos do Imposto de Renda (IR). Na prática, a iniciativa ressuscitaria o mecanismo fiscal que coletava entre os empresários parte do imposto devido em favor do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor), para financiar investimentos produtivos na região.
A alternativa consta do Projeto de Lei Complementar nº 76, enviado em julho do ano passado pelo presidente Lula ao Congresso Nacional. Sem alarde, o texto do projeto revoga a Adene, mas acolhe o fundo criado por FHC para dar lastro ao órgão, ao manter em vigor os artigos 3, 4, 5, 6 ,7 e 21 da MP 2.156, que criou a Adene e o FDN. "A proposta interessa ao setor empresarial, mas apenas em parte. O texto prevê a volta dos incentivos fiscais, só que todas as aplicações de recursos precisam retornar (com a exigência do pagamento de debêntures não conversíveis em ações)", diz o consultor Nilo Simões. Os empresários gostariam de não devolver nada ao Governo Federal e apenas dar ações de suas empresas em troca dos recursos recebidos, com as chamadas debêntures conversíveis em ações.
JUSTIFICATIVAS - O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS/CE), em nota enviada ao JC, culpa os governadores pela divisão dos recursos que sustentariam a Sudene e diz que ainda não há uma fonte de recursos estável. "Para viabilizar a nova Sudene e também a nova Sudam, cujo projeto de lei complementar encontra-se em tramitação no parlamento, imaginamos um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional em que a maioria dos recursos (estimados em R$ 1,8 bilhão) seria carreada para a região nordestina. Infelizmente, no encaminhamento do projeto da Reforma Tributária, uma posição - a meu juízo equivocada - dos governadores do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Minas Gerais, Espírito Santo e até do Rio Janeiro pretende dar outra destinação aos recursos daquele fundo. Neste momento, tanto no Congresso quanto no âmbito do Governo, há um esforço em busca de alternativa que possa garantir à nova Sudene e à nova Sudam uma fonte consistente de recursos, sem o que, na minha opinião, estarão sendo criados apenas mais dois entes burocráticos".
Na opinião do ex-superintendente da Sudene Rubens Vaz da Costa, o problema é o ajuste fiscal das contas públicas. "O veto à recriação da Sudene é feito pelo Ministério da Fazenda. Para recriar a Sudene, Lula teria que ampliar as despesas públicas (elevando repasses orçamentários ou abrindo mão de receitas via renúncia de Imposto de Renda", afirma o ex-dirigente, repetindo, com outras palavras, a crítica feita pelo sociólogo Francisco Oliveira quanto à responsabilidade do então candidato Lula. Na avaliação do ex-funcionário da Sudene Paulo de Tarso, a política eleitoral, da mesma que ajudou a angariar votos com a promessa de reabertura da autarquia, impede agora a sua recriação. "A recriação só vai sair depois das eleições. O governo Lula não vai dar um palanque privilegiado como a Sudene para os governadores do Nordeste, ainda mais em um ano de crise. A Sudene, viva, uniria o Nordeste", acredita.
Publicado no caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 02/05/2004.
"NÃO BASTA RECRIAR A SUDENE"
JAMILDO MELO
A economista Tânia Bacelar diz que o Nordeste precisa de uma política de desenvolvimento regional. Mesmo com a autarquia, a situação da região mudou pouco.
Não basta Lula recriar a Sudene pois, sozinha, ela não responde à necessidade de crescimento do Nordeste. O maior desafio do Governo Federal é estabelecer uma política de desenvolvimento regional que atrele o Nordeste à indústria nacional, depois que perdemos o bonde da industrialização, antes mesmo do Golpe de 1964. A tarefa é agravada pela dependência do País ao capital especulativo. Hoje, a nossa tragédia é o garrote financeiro (necessidade de economizar recursos públicos para o pagamento de juros da dívida pública).
O diagnóstico da situação do Nordeste foi feito pela economista Tânia Bacelar, no seminário O Golpe de 64 - 40 Anos Depois, realizado pela Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (Fundaj), em parceria com o Jornal do Commercio, entre os dias 30 de março e 2 de abril últimos.
"Nos primórdios da Sudene, se dizia que o Sudeste ia bem e o Nordeste ia mal. Depois, que o Nordeste vai bem quando o Brasil vai bem. O Brasil do golpe é outro. Isso mudou, especialmente com a internacionalização da economia, com o processo de consolidação dessa internacionalização no período militar", explicou a economista. "Hoje, não basta o Nordeste ter a Sudene. O País tem que ter uma política de desenvolvimento regional. E isso é um desafio maior do que a Sudene de antes. A questão do Nordeste é central no Brasil de hoje", diz.
Depois de fazer uma longa contextualização do processo de industrialização do País, a economista afirmou que os desafios se renovam, com a substituição da dependência do capital produtivo da década de 50 pela dependência do capital financeiro, especialmente o capital especulativo.
"O grande capital nacional, o estado desenvolvimentista conservador e o grande capital internacional, fincado na era JK se afirmou no período militar. Nos anos 90, o País, já democratizado, se rende à internacionalização financeira que hoje nos domina. Os desafios, assim, se renovam! ", observou.
Na apresentação, a economista Tânia Bacelar chegou a fazer uma fina ironia com o atual momento do PT e com a equipe econômica do Governo Lula, que, no poder, não aceita discutir mudanças na política econômica, vista por muitos como favorável ao FMI.
"A trajetória de JK era debatida. Depois do golpe, como ele era um democrata, foi elogiado (esquecendo-se a herança deixada pelo ritmo de crescimento, como inflação alta e déficit público) ", historiou. "Já Jango resistiu ao receituário monetarista do FMI, que buscava recuperar seus créditos. Naquela hora, o debate sobre o futuro se reacendeu, com a discussão de um projeto reformista. Às vezes, fico me perguntando se essa tese fosse vitoriosa o que seria o Brasil hoje. Mas a tese da reforma agrária foi rejeitada e a via da modernização conservadora foi imposta ao País depois do Golpe de 64, pelos grupos nacionais aliados aos americanos", completou.
Na avaliação da economista, a necessidade de uma política de desenvolvimento regional se faz presente porque, apesar dos esforços da Sudene e alguns avanços, o Nordeste pouco saiu do canto. "Quando a Sudene foi concebida, o Nordeste representava cerca de 10% da produção industrial nacional. Hoje, somos cerca de 13%, mesmo depois de tantos avanços e esforços. Julgo que esse esforço é muito modesto. Por isto, a questão do Nordeste é central para o Brasil. Como disse Celso Furtado, ao regressar do exílio, o Nordeste é o espelho onde a imagem do Brasil se reflete com brutal nitidez", criticou.
O risco de região não obter resposta favorável é a manutenção das desigualdades regionais. "Os programas de emergência (que são um campo vasto para a indústria da seca) é que salvavam os pequenos produtores nos minifúndios. Infelizmente, é assim que continua até hoje", observou, em certa altura da exposição, de 34 minutos.
No diagnóstico apresentado pela economista, o Nordeste perdeu o bonde da industrialização com JK, na década de 50, mas a origem da crise nordestina nasce da incapacidade de atrair investimentos produtivos, pois, os militares e a Sudene da época, mesmo atraindo parte da indústria complementar ao parque fabril do Sudene, não conseguiu estancar o processo de drenagem da região.
"O capital produtivo acumulava-se no Nordeste, mas acabava indo para as regiões mais ricas. O Governo Federal, por sua vez, na região só destina, em sua maioria, investimentos para a área social e não para o setor de infra-estrutura", comparou Tânia Bacelar.
Publicado no caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 11/04/2004.
O GRANDE BLEFE
*CLEMENTE ROSAS
Merece registro em nosso calendário uma data vergonhosa. Completa-se agora, neste 2 de maio, um ano da edição da Medida Provisória que extinguiu a Sudene, "riando", para substituí-la, uma nova entidade, supostamente mais moderna, mais ágil, mais forte. E, no entanto, a nova entidade não se materializou, existe apenas no papel, e o fundo de desenvolvimento que ela deveria gerir não foi regulamentado.
Outras datas correlacionadas, também por cumprir-se, são igualmente acabrunhadoras. Em agosto próximo teremos o segundo aniversário da MP que, ao permitir a conversão em ações da parcela de debêntures inconversíveis do Finor, mudou as regras do sistema de incentivos, condicionando a concessão dos chamados incentivos complementares (reduções e reinvestimento do imposto de Renda) à definição, por decreto presidencial, de setores prioritários, merecedores de tal apoio. Pois bem: só agora (29.04.2002) o decreto foi editado, e consequentemente, embora existam cerca de trezentas habilitações de empresas à espera de deferimento, nenhum incentivo foi ainda concedido. No dia 14 de maio deverá esgotar-se também o prazo de 90 dias, dado pelo Decreto nº 4126/02, para que a nova agência, a ADENE, publique o seu regimento interno, aprovado pela diretoria, e comece a operar. E até agora não há regimento interno, nem diretoria.
Não se pense, porém, que, havendo alguma coisa de fato implantada, a situação seria muito diferente. Como foi definida pela MP e estruturada pelo decreto já citado, a ADENE, quando em operação, não terá poderes para conceder os incentivos complementares, nem gerir o Finor que, pelos direitos adquiridos de opção reconhecidos a investidores em projetos já aprovados, deverá subsistir por alguns anos. E mais: não terá autonomia para aprovar ou fiscalizar empreendimentos postulares do FDNE, o novo fundo de desenvolvimento. Fechando o quadro, não terá Conselho Deliberativo em sua estrutura, e não deverá formular nem mesmo propor políticas de desenvolvimento regional, mas apenas implementá-las. Eis aí, sem disfarce, o esquálido perfil do novo órgão, "moderno", "forte", oferecido aos nordestinos pela Administração Federal.
O tempo, senhor da razão, está revelando a dimensão do blefe em que foram envolvidas as autoridades públicas e a sociedade civil do Nordeste. O que se queria, na verdade, era liquidar com o sistema de incentivos fiscais e com a instância regional de planejamento, além de, incidentalmente, diluir a atenção sobre os escândalos da Amazônia, por tanto tempo sabidos e tolerados, mas só então ameaçando comprometer altas figuras políticas do país. Pode-se agora vislumbrar que, embora enfaticamente proclamado, nunca houve o propósito sério de aperfeiçoar, ou de mudar para melhor as coisas por aqui.
Que têm a dizer, agora, os nossos líderes empresariais que, no afã de arrancar a anistia de débitos do Finor, convertendo passivo exigível em não exigível, aplaudiram com entusiasmo uma MP deliberadamente confusa, tortuosa, que travou, como demonstramos, todo o sistema de incentivos até hoje? E que, pelo descrédito acarretado a esse sistema, preparou o caminho para a sua extinção, junto com a própria Sudene?
Que têm a dizer, por sua vez, os nossos políticos? O Governador de Pernambuco, que não quis assumir a liderança que lhe foi oferecida pelos seus colegas nordestinos, nos momentos finais da resistência ao golpe, preferindo embarcar no blefe? O Vice-Presidente da República, que não soube, desta vez, pôr em prática a sua decantada habilidade de conciliar e trabalhar nos bastidores, deixando ser levada a termo a violência contra a sua região? O comando do Partido dos Trabalhadores, que não se preocupou em conter as leviandades do seu deputado numa CPI apenas espetaculosa, ao brandir números fantasiosos de desvios de recursos e criar condições propícias à consumação da manobra?
Todos devem explicações à comunidade nordestina. Mas como podemos prever que ela não serão simples sugerimos que façam, ao menos, alguma coisa para reparar o mal causado: que atuem junto ao Congresso, onde a Medida Provisória terá de ser convertida em lei, e ser remendada, modificada, substituída, ou até mesmo rejeitada, O deputado-relator já tem sugestões sobre o que fazer, e propostas concreta e articuladas para isso. Apesar de alguns estragos irremediáveis, muita coisa pode ser recuperada, desde que o relator e seus colegas se compenetrem de que a atividade parlamentar não se esgota em arreganhos para obter benesses do Executivo.
*Clemente Rosas é procurador federal aposentado e consultor de empresas - Publicado na página Opinião Jornal do Commercio, de 02/05/2002.
QUEREMOS A SUDENE AO POVO DEVOLVIDA
ANTÔNIO LISBOA - Agosto de 2001
O Nordeste brasileiro
Foi sempre uma região
Castigada pelo clima
Vítima da exploração
Do preconceitos dos grandes
E do medo dos que não são
Após séculos divididos
Em décadas, anos e meses
Desmandos de oligarquias
Massacres de camponeses
A região nordestina
Se reciclou muitas vezes
Demarcou seu território
Ampliou sua cultura
Exportou seus desportistas
Criou sua agricultura
E caminhou na direção
Da paz e infra-estrutura
Viveu o ciclo do Açúcar
Do Pau-brasil e do Couro
Recebeu a influência
Dos outros, Café e Ouro
Perdeu mais do que ganhou
E nunca quebrou seu decoro
Atravessou a Colônia
Submeteu-se ao Império
Adaptou-se à República
Levou os golpes a sério
Mas sua realidade
Foi transformada em mistério
Reagiu à violência
Da invasão portuguesa
O domínio da Holanda
A ocupação francesa
Foi entregue ao tio Sam
Sem abrir mão da grandeza
Se mobilizou nas lutas
Em todos os patamares
Na Balaiada, em Canudos
Na União dos Palmares
Fez das Ligas Camponesas
As tribunas populares
Apelou para os partidos
Apostou nos candidatos
Deu o sangue nas campanhas
Se arrependeu nos mandatos
Viu que o queijo mal cuidado
Vira alimento dos ratos
Com religião e seitas
O Nordeste se envolveu
Promessas e romarias
Roubou santo, devolveu
E o Deus que custou caro
Serviu, mas não resolveu
Apesar de tudo isso
Continuava atrasado
Quando um lado era coberto
Descobria o outro lado
Pedindo não era ouvido
E cobrando era ignorado
Surgiu a necessidade
Duma ampla discussão
Que contemplasse em conjunto
Da Bahia ao Maranhão
E respaldasse os nordestinos
Contra a discriminação
Essa nova experiência
Reuniu todos os setores
Igreja, sociedade
Partidos, governadores
Sem premiar progressistas
Nem vetar conservadores
Constatou-se a precisão
Duma Superintendência
Para desenvolver pesquisa
Economia e ciência
E atuação social
Nas áreas de mais carência
No fim dos anos 50
A decisão foi tomada
Com Celso Furtado à frente
A SUDENE foi fundada
E pras limitações da época
Julgou-se até avançada
A princípio a Autarquia
Era um órgão consistente
Aglutinador de forças
Democrática e transparente
Que estreitava as relações
Entre o Planalto e a gente
Ganhou prestígio político
Cobrou financiamento
Programa dos ministérios
Posições no parlamento
E acenou junto ao Nordeste
Para o desenvolvimento
Conquistou de Juscelino
Apoio incondicional
De Jânio boa vontade
De Jango crédito total
E tornou-se uma referência
No cenário nacional
Teve os militares
Entendimento a altura
Administrou as crises
Sobreviveu à censura
E arquivou os arranhões
Dos anos da ditadura
Os sucessores civis
Sarney, Collor e Itamar
Foram azes de omissão
Partidários do vulgar
Não levantaram a SUDENE
Nem deixaram ela afundar
Depois que Fernando Henrique
Se instalou no poder
Privatizar foi a ordem
Desempregar o dever
Fraude, denúncia e escândalos
Começaram a aparecer
É o F.M.I.
Quem dita as prioridades
Corte, gasto, investimento,
Vendas, produtividades
A SUDENE entrou na lista
Das suas penalidades
A SUDENE foi extinta
Por Medida Provisória
Sem punição dos culpados
E a apuração da história
Que um rombo abafado a tempo
Ninguém guarda na memória
Projetos importantíssimos
Estão sendo interrompidos
Servidores relocados
Recursos comprometidos
Futuro ameaçado
E destinos indefinidos
Os maiores perdedores
Com esse autoritarismo
São estados, municípios
Empresas, sindicalismo
E o povo que os construiu
Com fé, brio e heroísmo
Diante desses impasses
Que o Nordeste está passando
Todos os seus segmentos
Estão se mobilizando
E vão buscar as soluções
Que FHC está negando
Estão juntas lideranças
Do PTB ao PT
Movimentos sociais
CUT, CNBB
Pra resgatar a SUDENE
E revogar a M.P.
Diversas autoridades
ONGs e simpatizantes
Associações de classes
Sindicatos importantes
CONDSEF e SINDSEP-PE
São os dois mais atuantes
A proposta é que a SUDENE
Seja ao povo devolvida
Saneada, independente
Sem mancha restituída
E outro incidente jamais
Ameace sua vida
Retomar com a SUDENE
Produtiva e social
Distribuição de renda
Formação de pessoal
E a geração dos empregos
Da versão original
Nada pior pro Nordeste
Do que essa agência nova
Melhoramentos não trás
Modernidade não prova
A não ser salvar corruptos
Abrir nossa própria cova
Campanhas difamatórias
Não engolimos nenhuma
Nordeste não se acomode
SUDENE não se resuma
Seus erros são do governo
Ele que apure e assuma
Um terço desta nação
O Nordeste é quem abriga
Caráter é seu patrimônio
Miséria é sua inimiga
Nosso fôlego é isso aqui:
Quem sabe o que quer para si
Não aceita que alguém diga.
CARTA DO NORDESTE
"A SUDENE é uma grande conquista política do Nordeste.
Sua importância cresce em face dos problemas criados pela
globalização econômica, que ameaça a soberania nacional"
Celso Furtado
11 de maio de 2001
Nós, participantes do Seminário "A Questão Regional e a Extinção da Sudene: Um Debate Urgente", realizado em 14 de Maio de 2001, no Auditório Presidente Médici, Edifício SUDENE, na cidade do Recife, tornamos público à sociedade brasileira e nordestina o seguinte:
A SUDENE foi criada pela arregimentação das forças políticas e sociais do Nordeste, no final dos anos 50, em luta para que a Região com a segunda maior população do País não ficasse abandonada e à margem do processo desenvolvimentista do Centro-Sul. E foi na perspectiva de superar esse desafio que ela operou, ao longo dos últimos 41 anos.
Hoje o processo de globalização, com seus desdobramentos econômicos, sociais, políticos, tecnológicos, ambientais, culturais e gerenciais, implica outros desafios e maiores restrições à ação regional. A exacerbada concentração de renda, considerada não só no aspecto do seu adensamento geográfico, como também no próprio interior da sociedade, e as dificuldades crescentes de ingresso no mercado formal de trabalho, fomentando a exclusão social, em dimensão jamais ocorrida na história do País, constituem um problema que não poderá ser resolvido apenas pelas forças do livre jogo do mercado. Uma abordagem míope, que tenha este foco reducionista, condenará milhões de pessoas à pobreza e indigência extremas no Nordeste, no Brasil e no Mundo.
Nesse contexto, as políticas governamentais de desenvolvimento regional têm um novo e decisivo desafio. O planejamento, como instrumento de condução racional de políticas públicas, é cada vez mais empregado nas estratégias de integração nacional e regional, a exemplo do que se dá na União Européia. Nesses casos, ocorre uma decidida intervenção governamental, com o claro objetivo político de integrar, no prazo de uma geração, as áreas ou regiões menos desenvolvidas com os pólos dinâmicos. O Brasil porém, está na contramão da contemporaneidade, por causa da despreocupação do Governo Federal com a questão regional. A ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional é o principal fator da incongruente guerra fiscal pelos projetos estruturadores, envolvendo violenta renúncia fiscal pelos Estados pobres, em situação de insolvência.
O Nordeste precisa, efetivamente, não de uma agência desenvolvimentista de índole burocrática, mera repassadora de fundos financeiros para o fomento da atividade econômica, nem de um órgão simplesmente planejador ou de estudos, mas sim de uma instituição que articule todas essas dimensões, como foi o projeto original da SUDENE, utilizando toda a experiência e a massa crítica acumuladas nos últimos quatro decênios, quando se lidou, pioneiramente neste País, com a questão do planejamento e do desenvolvimento regional.
É preciso repensar o modelo da SUDENE, de modo a recriá-la, o que não significa repetir ou copiar os erros do passado. O sistema de incentivos, por exemplo, não pode ser algo autônomo em relação aos objetivos do desenvolvimento da Região. O desvio de recursos públicos, não importa a sua magnitude, deve passar por uma apuração profunda, depurada dos sensacionalismos de propósitos políticos, culminando com a punição de todos os envolvidos e a devolução dos recursos públicos fraudados. Entretanto isso extrapola os limites da SUDENE, que já vinha investigando e procedendo as medidas administrativas e judiciais cabíveis, em relação às empresas fraudadoras e funcionários envolvidos. Se outros atores sociais e políticos, notadamente o Poder Judiciário, o Ministério Público e a OAB, não estiverem sintonizados nesta mesma perspectiva de punir os responsáveis pela fraudes, toda a pirotecnia em prol da moralidade só terá servido aos interesses inconfessáveis de parcelas das elites da Região e do Centro-Sul do País na extinção da SUDENE.
A conscientização e a luta pela Questão Regional e pela redução das disparidades inter e intra-regionais no País tem que ser de toda a sociedade brasileira e, particularmente, da sociedade nordestina. A idéia-força principal é a mobilização e o aprofundamento deste debate, aberto a todos os atores sociais, visando arregimentar as forças políticas para a causa do desenvolvimento regional, autenticamente democrático, e sugerir e apoiar a construção dos mecanismos para a instrumentalização e plena realização desse processo. Nesse sentido, fica criado a partir deste Seminário, um fórum permanente para o debate da Questão Regional.
O objetivo-síntese da mobilização social ora proposta é a recriação da SUDENE como ente político, voltado para a promoção do desenvolvimento social e o ordenamento econômico do território regional do Nordeste, de modo a integrá-lo, por participação e não por dependência, às demais regiões brasileiras. A SUDENE, assim o exige a nação, precisa ser recriada, não extinta. Não há de ser mantida esvaziada e sem função, mas sim, fortalecida para induzir o desenvolvimento regional, com os meios e instrumentos necessários, assegurados pelo Governo Federal e com o apoio da sociedade, para a consecução dos seus objetivos, dentro de uma política nacional de desenvolvimento regional, sempre com a consciência de que se deve aprender com os erros, mas nunca desistir da caminhada.
Propõe-se, enfim, que toda a discussão da Política Regional e Institucional do Nordeste brasileiro, o que implica a recriação da SUDENE, seja conduzida de forma aberta e verdadeiramente democrática, voltada para a definição de uma estratégia regional, acompanhada por uma política de incentivos fiscais para induzir o desenvolvimento da Região, enquanto existirem as profundas desigualdades que separam o Nordeste do centro dinâmico da economia brasileira.
Recife, 14 de maio de 2001.
OS PARTICIPANTES DO SEMINÁRIO
O MELANCÓLICO FIM DA SUDENE
Publicada na edição de agosto 2001, do Jornal do Economista, do Conselho Regional de Economia de Pernambuco.
A extinção da SUDENE é o assunto de nossa entrevista desta edição.
Procuramos o General Nilton Rodrigues, ex-superintendente da autarquia, no período de 1994 a 1998, para falar sobre um assunto que vem causando indignação em boa parte dos nordestinos. Depois de mais de 40 anos a Sudene deixa de existir de forma melancólica, sob suspeita de irregularidades e desvio de dinheiro.
JC: Como o senhor analisa historicamente o papel que a SUDENE exerceu sobre o desenvolvimento da região?
NILTON: Nesses últimos 40 anos, foi revertida uma tendência, observada anteriormente, de persistente e crescente deterioração da posição do Nordeste no contexto do País. Verificou-se, graças à SUDENE, uma melhora generalizada dos principais indicadores sociais e econômicos, em termos relativos e absolutos, em referência ao todo nacional. Sem a existência da SUDENE nesses anos, o Nordeste estaria com o IDH semelhante ao da Serra Leoa, ao invés de se apresentar com o IDH do Sri Lanka. Observe que esta área tem um PIB que a coloca como quarta potência econômica da América Latina.
JC: Na sua gestão junto à Superintendência da SUDENE, uma das marcas foi o combate sem tréguas à corrupção. Essa luta trouxe resultados concretos? Quais as principais dificuldades encontradas?
NILTON: Sempre que se toca no problema da corrupção na SUDENE o foco concentra-se no FINOR. Quando assumi a Autarquia, em janeiro de 1994, existiam cadastrados 865 projetos em implantação, além de 445 projetos e 362 cartas-consulta sob análise técnica. Só em projetos em implantação totalizavam compromissos de US$ 3,1 bilhões, para uma arrecadação, naquele ano de US$ 147 bilhões. Nesse clima de desequilíbrio, era natural a ocorrência de pressões e cobranças do ambiente sócio-político e econômico sobre os gestores do Sistema. A carência de recursos impacientava os interessados. A objetividade na aplicação de critérios e normas, tendia a ceder espaço à subjetividade das decisões. Daí as distorções na operação do Sistema - reais ou apenas presumíveis - era um passo. Embora não comprovadas, as denúncias e insinuações de irregularidades no FINOR repetiam-se com insistência, amplificadas por todos os meios de comunicação de massa, tornando mais difícil a administração do instrumento, inclusive porque submetido a investigações e inquéritos. Motivado por esse diagnóstico, após a minha posse, e aconselhado pela equipe técnica do órgão, tomei várias providências gerenciais óbvias, baseadas na objetividade (para garantir a impessoalidade), a clareza (para dispensar interpretações duvidosas) e participação dos principais agentes envolvidos (para ganhar adesão e sustentação geral). Uma palavra resume o objetivo traçado: credibilidade. Três anos após havíamos aumentado a arrecadação anual de US$ 147 milhões para US$ 468 milhões em 1997. De 865 projetos existentes em 1994, foram concluídos 261, excluídos por motivos diversos 294, e permaneciam sendo implantados 310. Os saldos existentes para serem liberados chegaram a um limite aceitável de dois anos de orçamento; antes, segundo um relatório do TCU, era de 7 anos e segundo o orçamento de 1994, 21 anos. Este relato mostra que o FINOR era viável apesar das incompreensões dos diferentes escalões do Governo integrantes do Sistema: Receita, Tesouro, Ministério do Planejamento e Ministério da Fazenda. Havia um desprezo pelo sistema e a morte dos incentivos fiscais para o Nordeste era anunciada em cada plano econômico, ou Medida Provisória que tratasse de qualquer assunto ligada à arrecadação de tributos. Orgulho-me de ter constatado que todos os desvios de recursos reais, ou presumidos, foram realizados anteriormente à nossa administração. O modelo de acompanhamento e avaliação permitiu eliminar as distorções anteriores e, felizmente, o modelo continuou a vigorar nas administrações posteriores. Por isso, o "leit motiv" corrupção para fechar a SUDENE não deve ter sido o verdadeiro.
JC: Com a globalização e a prioridade ao mercado pelo governo brasileiro, há espaço para um órgão de desenvolvimento regional?
NILTON: Não há dúvida que sim. Aliás, a miséria existente em nossas diferentes áreas regionais impõe a criação de vários órgãos regionais. Os desníveis inter e intra-regionais clamam por uma política descentralizada. Não vejo como Brasília pode resolver os problemas de áreas periféricas em um País continente e diversificado como o nosso. A globalização em nada mudou esta percepção. Veja os exemplos de políticas regionais bem implantadas pela União Européia em Portugal e Espanha, e a beleza de recuperação da Irlanda. O importante é a vontade política e a compreensão da sociedade nacional em desejarem diminuir os desníveis socioeconômicos e a miséria crescentes.
JC: O esvaziamento da SUDENE guarda uma relação mais direta com o forte relacionamento que se desenvolveu com o próprio setor privado? Não foi o setor privado que batalhou em prol dos chamados incentivos fiscais e se apropriou, por vezes, de forma incorreta, com a cooptação de alguns técnicos do próprio órgão, desse importante instrumento de captação de investimento para a região?
NILTON: Antes da década de 90 esses procedimentos foram usuais. No entanto, após a implantação do FINOR/Debêntures, aquelas anomalias tornaram-se menos danosas para o País. É verdade que a doação do débito de quase 1,5 bilhão de reais em debêntures vencidas, no final do ano passado, foi uma decisão questionável e profundamente injusta para com aqueles que cumpriram os seus compromissos e pagaram todos os encargos acordados. A cautela no uso dos incentivos terá que ser uma preocupação gerencial constante. Concordo. É preciso atentarmos que, sem os poucos incentivos destinados ao Nordeste, atualmente não ultrapassam 12% da renúncia fiscal, o Sudeste rico absorve mais de 54% - não teríamos a moderna industrialização das regiões metropolitanas de Salvador, Recife e Fortaleza, com alguns efeitos de transbordamentos em outras capitais, os excelentes serviços existentes na maioria das cidades de grande e médio porte do Nordeste e, no interior, não teríamos os diferentes pólos de agricultura irrigada, salientando Petrolina-Juazeiro, e a moderna agricultura dos cerrados (oeste da Bahia, sudoeste do Maranhão e sul do Piauí). Também estaríamos sem os excelentes hotéis que dão sustentação ao turismo emergente, e dificilmente contaríamos com as indústrias de celulose, couro-calçadista, têxtil-confecção, cloro-alcooquímica, petroquímica e a iniciante automobilística. Infelizmente,só olhamos os desacertos. Esses devem ser corrigidos. Não devemos penalizar uma instituição, ou melhor uma região, retirando-lhe o pouco conquistado pelos nossos antepassados, como Celso Furtado, Euler Bentes, Gileno De Carli, Cid Sampaio e outros.
JC: Como seria possível manter o modelo de planejamento regional a partir do momento em que se despreza totalmente o planejamento nacional?
NILTON: É uma questão de análise do quadro político, econômico e social vivido, atual e futuro. Se o modelo atual, sem planejamento, conduziu o Brasil
para um IDH pior do que os da Jordânia, Colômbia, Líbano, Belize, Guiana etc., e os estados do Nordeste a terem mais de 50% dos miseráveis do País, acredito que o planejamento regional deveria ser tentado. O modelo atual não me parece o melhor. É só vermos que 1% dos mais ricos detêm mais de 50% da riqueza nacional. Não é triste vermos estados como Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas e Bahia terem mais da metade de suas populações catalogadas como miseráveis? Vamos voltar a planejar. Apenas o PPA, que para mim é um mero distribuidor de recursos clientelista, não basta. Precisamos acreditar nas políticas e estratégias de governo. Acho que apenas seguir as políticas e determinações do FMI, Banco Mundial, Banco Interamericano e outros alienígenas, continuará aumentando a nossa dívida e, como consequência, a nossa profunda dependência, em todos os campos do poder, dos países desenvolvidos.
JC: Como o senhor avalia os prejuízos decorrentes da extinção da SUDENE?
NILTON: O Nordeste perdeu um fórum onde as elites pensantes e os políticos discutiam e apresentavam soluções para os problemas regionais. Não se pode confundir um único instrumento de desenvolvimento o FINOR com a SUDENE. Se ele estava esvaziado e pouco influía nas decisões tomadas para a área, agora muito pior, não há uma casa com memória, tradição e vida que impulsione estudos, discuta problemas e apresente alternativas para soluções. Vamos ter que aceitar todos os pacotes de Brasília, passivamente. A SUDENE é uma marca de prestígio nacional e internacional. Queiram ou não queiram. Havia um Conselho Deliberativo formado por governadores e ministros, e uma Secretaria Executiva (os técnicos do órgão) que se interpenetravam na ação política, calcada em um parecer técnico. Era uma simbiose perfeita e inteligente, ímpar na administração pública.
JC: No seu ponto de vista, o que contribuiu para a extinção do órgão?
NILTON: Além da real ou imaginária corrupção, a pressão continuada de alguns grupos nacionais do Sul desenvolvido e de alguns segmentos insatisfeitos do próprio Nordeste. A falta de apoio da enorme bancada política da área e do descaso da maioria dos governadores que, infantilmente, imaginavam - que já teriam bastante força para, isoladamente, enfrentar ou receber sozinhos as benesses do poder central. Pensavam que, por serem "amigo do rei" não precisariam ter um intermediador. O escândalo da SUDAM foi apenas o pretexto.
JC: Na sua administração o quadro técnico da instituição foi reformulado através de concurso público. Na sua opinião, como esse pessoal poderia ser aproveitado na nova empresa ou de alguma outra forma? Se for o caso de demitir, isso não representa um prejuízo para o próprio governo: formar um quadro, capacitá-lo, e ao final desprezá-lo?
NILTON: É com tristeza que vejo técnicos do mais alto nível sendo questionados ou abandonados. Perde-se uma cultura enriquecida por aqueles que os antecederam. Não sei como está sendo organizada a "nova" agência, mas, certamente, se houver bom senso, esses funcionários deverão compor a autarquia.
JC: Por falar em ADENE, qual sua expectativa em relação a essa agência, sobretudo no que diz respeito à problemática social e econômica da região?
NILTON: Li, reli e meditei sobre o escrito na MP. Quando houve uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre desenvolvimento regional, o Secretário de Desenvolvimento fez uma apressada apresentação da ADENE. Confesso que não entendi. Não sei se será uma agência de financiamento, ou um escalão avançado do Ministério da Integração, ou uma representação do Ministério do Planejamento. Tudo indica que ela ainda poderá ser organizada. Acredito que poucos farão melhor do que fez Celso Furtado. Acho que reformular, modernizar, e modificar alguns procedimentos gerenciais era necessário. Destruí-la, nunca. Não acredito em edificação alicerçada nas cinzas. O objetivo nefasto de alguns prevaleceu e, no momento, está destruído o legado de várias gerações de patriotas.
UM GAÚCHO NA SUDENE
*EDUARDO FERREIRA
E-mail: eferreira@dpnet.com.br
José Diogo Cyrilo, designado inicialmente pelo Governo Federal para exercer o cargo de interventor na Sudam e posteriormente alçado à condição de secretário executivo da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (Ada), está no Recife desde anteontem à noite. Ele não veio a passeio. Sua missão: conhecer todos os detalhes de funcionamento da antiga Sudene, ou seja, da nova Agência de Desenvolvimento do Nordeste, a Adene.
Há quase um mês, o secretário executivo da Ada requisitara três funcionários da Sudene para que eles pudessem avaliar todos os projetos aprovados pela Sudam, pois não havia pessoal habilitado para tal tarefa na ex-Superitendência do Desenvolvimento da Amazônia.
Como gaúcho, o técnico José Diogo Cyrilo certamente tem a bravura dos homens dos Pampas, o que nos leva a afirmar que ele, a esta altura, reconhece a importância da Sudene para o Nordeste, pois se a autarquia regional fosse um antro de corrupção, como a consideraram o deputado José Pimentel e o presidente da República, o secretário executivo da ADA não estaria no Recife apreendendo as normas utilizadas pela Sudene para seu funcionamento.
Não seria estranho que o gaúcho José Diogo Cyrilo chegasse a reconhecer que a Sudam deixou de existir pelas falcatruas, enquanto a Sudene foi fechada porque era virtuosa demais, o que terminava incomodando a muita gente. Portanto, nós, os nordestinos, ficaríamos extremamente gratos se o gaúcho, honrando as tradições do seu povo, dissesse publicamente a razão de ter vindo aprender com os técnicos da Sudene.
*Eduardo Ferreira é jornalista do Diário de Pernambuco - Publicado no Caderno de Economia do DP, de 09/08/2001
HORA DO TROCO
*EDUARDO FERREIRA
E-mail: eferreira@dpnet.com.br
A Sudene foi extinta por que o Governo Federal, pressionado pelos escândalos da Sudam e com a popularidade caindo a cada dia, curvou-se aos números manipulados por um deputado oposicionista que, de olho nas eleições do próximo ano, transformou-se na vedete da CPI do Finor, sem sequer ser o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Portanto, a extinção da Sudene era um fato consumado, principalmente se levando em conta que o presidente da República, à semelhança dos programas de televisão e rádio, orienta-se pelas pesquisas, uma vez que seu porte de estadista só funciona além fronteiras do País. Mas, passados alguns dias, começaram a surgir os números reais sobre a Sudene, os quais foram tratados como se o Governo os tivesse manipulado. Somente depois de verificarem o estrago causado pelo fim da Sudene, os governadores decidiram reagir. E foram chamados economistas que, mesmo da oposição, defendem a permanência da autarquia regional. Paralelo a essa luta, alguns fatos começam a mostrar a precipitação do Governo Federal, com o último partindo de um gaúcho, Diogo Cyrillo, interventor na Sudam. Funcionário da Advocacia Geral da União, ele solicitou à Sudene a indicação de seis técnicos para que realizem auditorias nos projetos incentivados pelo Finam. É que o interventor não conta com ninguém na antiga Sudam em condições de realizar os trabalhos. Fatos como esse mostram que comparar Sudene à Sudam é misturar alhos com bugalhos. É a Sudene dando o troco aos seus algozes.
*Eduardo Ferreira é jornalista do Diário de Pernambuco - Publicado no Caderno de Economia do DP, de 15/07/2001.
GOVERNO REDISTRIBUI 242 SERVIDORES DA SUDENE
O Governo Federal publicou ontem uma lista com os nomes de 242
funcionários da extinta Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene) que foram redistribuídos para outros órgãos. A maioria foi
alocada em órgãos como a Receita Federal, a Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e a Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE).
A lista, segundo a Associação dos Servidores, pegou todos de surpresa,
principalmente, porque alguns funcionários já tinham solicitado a sua
redistribuição para alguns órgãos e acabaram sendo encaminhados para
outros.
Além disso, a portaria atinge pouco mais de 25% do total de servidores
da casa na ativa em função na própria autarquia. No início do processo
de extinção da Sudene, o órgão contava com 980 servidores na ativa.
Recentemente, esse número caiu para 900, pois muitos já teriam
conseguido a redistribuição por solicitação própria.
Essa é a primeira leva de transferência de funcionários da extinta
Sudene que será substituída pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste
(Adene). A previsão é de que a Agência trabalhe com um quadro de
funcionários mais enxuto. O secretário especial do Ministério da
Integração Nacional - órgão ao qual será ligada a Adene - e
ex-superintendente da Sudene, Wagner Bittencourt, mandou informar, por
meio de sua assessoria, que somente o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão iria responder pelas redistribuições.
MINISTÉRIOS - O Ministério do Planejamento administra toda a área de
recursos humanos do serviço público federal e qualquer medida deste tipo
precisa, necessariamente, passar por ele. A assessoria do Ministério
informou que, somente hoje, falaria sobre o assunto.
Segundo informações dadas à presidente do Sindicato dos Servidores
Públicos Federais de Pernambuco (Sindserpe), Ana Paula Pontes, o
ministro da Integração Nacional, Remez Tebet, não tinha conhecimento da
lista. Tebet teria alegado que a decisão de redistribuir teria sido
tomada pelo ministro do Planejamento, Martus Tavares. Hoje, os
servidores irão tentar uma audiência com o secretário Wagner Bittencourt
e, depois, terão uma assembléia para discutir o que fazer.
Publicado no Caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 18/07/2001
ADENE TERÁ 400 FUNCIONÁRIOS
A futura Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) será composta por cerca de 400 funcionários. A informação é do secretário especial do Ministério, Wagner Bittencourt. O número é menos da metade do quadro da extinta Sudene que era de 900 servidores. O restante será remanejado para outros órgãos.
Nos próximos dias, mais 270 servidores da autarquia extinta serão redistribuídos pelo serviço público federal. Essa foi a informação que circulou ontem durante a reunião dos servidores com Bittencourt. Eles foram questionar sobre quais os critérios foram utilizados para a redistribuição de 242 servidores para outros órgãos ocorrida no início da semana.
O maior problema foi que muitos desses funcionários já haviam pedido o remanejamento para determinados órgãos e acabaram sendo encaminhados para outros locais. A presidente do Sindicato dos Servidores Federais de Pernambuco (Sindsepe), Ana Paula Pontes, afirmou que a assessoria jurídica do Sindicato vai solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que explique os critérios utilizados nesse remanejamento. Segundo o secretário especial, coube ao Ministério - responsável por toda a área de recursos humanos do Governo Federal - decidir a colocação de cada um desses funcionários. Ele explicou que o remanejamento foi feito com base na demanda de cada órgão público.
Publicado no Caderno de Economia do Jornal do Commercio, de 19/07/2001
SUDENE: UM DEBATE LAMENTÁVEL
*TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO
Há mais de 40 anos, ao ser criada, a SUDENE surgiu no Nordeste como um raio de esperança. O Brasil dinâmico e em modernização intensa dos tempos de JK aprofundava o hiato entre o Centro Sul e o Nordeste, Celso Furtado conseguiu sistematizar as denúncias que as forças vivas da sociedade nordestina (ligas camponesas, sindicatos, igrejas, governadores, estudantes, industriais, entre outros) expressavam nas ruas, em seminários e debates. Era preciso mudar a forma e o conteúdo da ação do Governo Federal na região. A SUDENE foi concebida para isso. E ganhou renome internacional.
Sua proposta era reformista e transformadora. Ousada e inovadora. E a SUDENE fez muito pelo Nordeste, mesmo tendo visto esmaecer sua força inicial e serem bloqueadas suas propostas principais, ao longo dos Governos Militares. Investiu na infraestrutura de transportes e energia, fez estudos que basearam os avanços feitos depois nos pólos de irrigação, apostou firme na formação de recursos humanos e em especial na qualificação de jovens universitários
( que espalhou no setor público da região e nas empresas que ajudava a montar) . Montou estruturas de planejamento nos Estados, e órgãos de apoio como o Sistema CEASA, os NAI's (origem do Sistema SEBRAE), entre outros . Começou a ocupação das terras úmidas e férteis do Maranhão. Descobriu e sistematizou o potencial de recursos naturais do Nordeste, até então desconhecido . Mas foi sendo pouco a pouco esvaziada.
Na revisão constitucional feita pelo regime militar, por exemplo, foram tirados seus recursos vinculados e com isso se esvaziou a força coordenadora dos seus Planos Diretores. A redemocratização, quando chegou, coincidiu com a crise financeira do Estado brasileiro, com a desaceleração do crescimento econômico do país, com a submissão a políticas ditadas pelo FMI. Coincidiu, também, com o avanço da guerra fiscal entre as unidades da Federação, semeando a competição fratricida. Esse quadro adverso coincidiu também com a crescente predominância da acumulação rentista onde o que sobra aos aplicadores, falta na saúde, na educação, na reforma agrária no país inteiro. Mas sem isso o Nordeste não muda.
Restou à SUDENE basicamente o sistema de incentivos (que mobiliza modestos R$ 400 milhões/ano no FINOR, está com data marcada para acabar em 2013 e agora novamente sujeito a uma CPI, misturado no mar de corrupção que se espraia Brasil a fora). A verdade é que, nos anos recentes, da SUDENE proposta para transformar a realidade social e econômica do Nordeste pouco já havia restado. Na região há ilhas de crescimento e de modernização , mas em torno delas a miséria continua. Qualquer estudo sobre o Brasil denuncia que precisamos voltar a ousar, que precisamos ter uma política nacional de desenvolvimento regional. Se sonhamos com o Brasil menos desigual, o desafio persiste.
Mas no Brasil dos tempos atuais, os bilhões que se destinam a pagar as despesas financeiras do Governo faltam às políticas regionais ativas, voltadas para reduzir as desigualdades que permanecem. Infelizmente, o Governo FHC não tem políticas regionais, por isso não consegue redefinir o papel da SUDENE. Só tem a propor mudanças acessórias , como a transformação da SUDENE de Autarquia para Agência Executiva.
O debate recente sobre a Medida Provisória gestada pelo Ministério da Integração é de chorar! Não há transparência nem clareza de objetivos. Não se discute o Nordeste nem a SUDENE. Discute-se um pequeno Fundo ( de 0,23 % do PIB regional) que não tem o menor poder transformador, sequer do setor produtivo da região , quanto mais da vida de milhões de nordestinos. E discute-se, apenas, " o que restou" da SUDENE. Daí o desinteresse da maioria. Daí o debate ficar tão restrito a uma pequena parte de interessados do meio empresarial e a alguns políticos.
Os Governadores, emergindo de anos de uma Guerra Fiscal fratricida, haviam perdido o "sentimento regional"... Chamados às pressas não se deram conta da armadilha que os aguardava : aceitaram discutir a Medida Provisória. Em meio à desinformação buscam ampliar o Fundo que substituirá o FINOR: um Fundo mais vulnerável que o atual, porque orçamentário, em tempos de ajuste fiscal.
Para propor algo, tentam fazer com que o montante do Fundo chegue aos R$ 800 milhões/ano (míseros 0,5% do PIB nordestino) . Lutam pelas migalhas que sobram do banquete dos que obtêm lucros fantásticos financiando o rombo do Governo. Debatem, de fato, o "golpe de Misericórdia" na SUDENE de nossos sonhos. Dos sonhos de juventude de muitos deles. Têm força para mudar a pauta. Mas não o estão fazendo. Lamentável !
Mas a realidade impulsionará cedo ou tarde a retomada do verdadeiro tema : o desafio de construir um Nordeste menos desigual, num país que clama por políticas regionais ativas como as que existem, hoje, em muitos países e até em grandes blocos, como a União Européia.
Logo se voltará a ver que, nos tempos atuais, a renda média do Nordeste ainda é 55% da brasileira. A região tem quase 30% da população e gera apenas 16% do PIB nacional. Sua infraestrutura econômica requer ainda investimentos de peso para assegurar competitividade às suas empresas . Sua infraestrutura metrológica quase inexiste em tempos de ênfase na qualidade total e tios Certificados ISO . Sua população tem menos de metade do número médio de anos de estudo do país , e todos os indicadores sociais mostram que continua a existir aqui um quadro mais adverso que o das áreas mais ricas. O peso do Nordeste nas exportações brasileiras vem declinando a olhos vistos, em tempos de abertura comercial intensa e rápida: dos 17% nos anos 70 o NE, hoje, representa cerca de 7% do valor das exportações do país . A maior parte das áreas e das pessoas do Nordeste continua a precisar de políticas ativas e diferenciadas.
Se os Governadores não escaparem da armadilha atual, a Campanha eleitoral de 2002 poderá ser o momento para recolocar o verdadeiro debate. Tomara que consigamos , agora ou depois, retomá-Io. E que possamos refundar a SUDENE.
*Tânia Bacelar de Araújo é economista, servidora aposentada da SUDENE, atual Secretária de Planejamento da Prefeitura do Recife e umas das mais brilhantes "cabeças pensantes" que já passaram por esta Autarquia.
A CULTURA DA EMERGÊNCIA
* NORBERTO SCOPEL
A cultura da emergência faz parte de uma significativa parcela dos "intelectólogos" que nos governam. Para eles é bom aparecer na mídia como os salvadores da pátria! E bom ser o herói que no último segundo do filme salva a mocinha, salva a cidade e salva o país.
Faz parte da cultura brasiliense se ser "pego de surpresa". Eles nunca sabem o que se passa no Brasil real, vivem na "ilha da fantasia". Um viaja pelo mundo... Outro vive pendurado nas páginas da internet... Outro, é bom nem falar...
Todos são pegos de surpresa! Surpresos pela própria ignorância! Vivem de costas para o país! Para eles a crise de abastecimento energético que assola o país é de curto prazo. Desde quando problema estruturall é de curto prazo?
Os brasilianistas que hoje capitaneiam o Brasil pouco ou nada sabem de Brasil! Estudaram lá fora, de costas para o país que os financiou. Voltaram deslumbrados com o neoliberalismo, viraram neobobos a serviço dos interesses da grande Roma. E como prepostos de seus mestres acham que abaixo do Equador não há vida inteligente, mas escravos imbecilizados que devem ser explorados a serviço do "welfaire state" novoromano.
Por essas e outras ignoram os Estudos locais, o Planejamento autóctone, a Inteligência nacional. Os iluminados do Planalto extinguiram a Sudene, sem nada pôr no lugar! Isto quer dizer que planejamento e integração nacional não mais, ou talvez nunca, fizeram parte dos assuntos deles.
A Sudene, em 1994 e 1995, fez a assepsia interna, lavou suas entranhas, puniu funcionários desencaminhados. A Sudene puniu os empresários malversadores do dinheiro público. A Sudene tem um sistema de Controle Acompanhamento e Avaliação que funciona (mas eles não sabem!).
A Sudene, que zela pelo Nordeste, em 1996 - há cinco anos - organizou e executou um Seminário voltado para questão energética no Nordeste "na busca de uma solução imediata para o problema que se avizinha". Em 1996 (há cinco anos) foram elaborados cenários energéticos para a Região Nordeste. Em 1996 (há cinco anos) foram analisadas e sugeridas alternativas de solução para a crise energética que se delineava para 2001. Sim, 2001 foi a data fatal estimada para a "crise" de abastecimento. Os dados e os números foram nitidamente expressos. As soluções foram claramente propostas, e eles, no Planalto Central, foram pegos de surpresa! Surpresos pela própria ignorância! Ou seria: a Sudene nunca existiu?!
Neste Seminário de lucidez técnica, de proposições factíveis, de planejamento energético, de leitura do mundo real e concreto em que vivemos, foi dito, e está escrito, que "o mercado assegurado de energia elétrica" se esvairá em 2000, que "a partir de 2001 teremos graves problemas de abastecimento" (e eles foram pegos de surpresa!).
Dentre as alternativas propostas estão os investimento em termelétricas a gás natural, em pequenos aproveitamentos hidráulicos ainda possíveis, em interligação dos Sistemas Norte/ Nordeste, em aproveitamentos da Biomassa, etc... (e eles foram pegos de surpresa!) "Desculpa de amarelo é comer terra! ".
Neste Seminário estavam representados, com técnicos peso pesado da área e do alto escalão, além da Sudene, a Chesf, o Dnaee (hoje Aneel), o BNDES, a Sepre (hoje Ministério da Integração Nacional), a Aedenne, a Abrace, a Petrobrás, as Distribuidoras Estaduais, Consultores Privados, e muitos outros técnicos envolvidos no assunto energia.
E eles foram pegos de surpresa!! Cinco anos antes da crise, a bola já havia sido cantada em verso, prosa e números. Pena que foi no Nordeste, na Sudene! E eles continuam a não nos ouvir! Até quando?
* Norberto Scopel é economista da extinta Sudene e professor universitário - Publicado na página de Opinião do Jornal do Commercio, de 14-06-2001.
POR UMA SUDENE RENOVADA
*PEDRO EUGÊNIO
Caros Amigos e Amigas que participam do Seminário sobre a SUDENE
Infelizmente não posso estar hoje com vocês. Estou em São Paulo participando do II Seminário Nacional "A Empresa de Serviços e o SIMPLES" na condição de membro do Núcleo Parlamentar de Estudos Contábeis e Tributários do Congresso Nacional, co-promotor do evento junto com a FENACON - Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis, de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas. Deste compromisso anterior não pude fugir.
Agora, cabe a todos nós, tomar uma posição objetiva, prática e capaz de aglutinar amplas forças políticas e sociais em seu apoio. Já que há uma Medida Provisória em vigor e duas ações diretas de inconstitucionalidade impetradas, cabe, a meu juízo, elaborarmos um projeto de conversão que nasça das forças vivas da sociedade nordestina e que represente a renovação da SUDENE; não a sua extinção. Que garanta a si o papel central na definição da estratégia de desenvolvimento regional. Que garanta a permanência da política de incentivos fiscais para o desenvolvimento de setores industriais e de serviços para além do arbitrário ano de 2013, e durando até quando existirem as profundas desigualdades que nos separam do centro dinâmico da economia brasileira. Que garanta serem estas políticas associadas a outras, sob o comando da SUDENE e que sejam consideradas estratégicas para nosso desenvolvimento, como as voltadas para a infra-estrutura econômica e social e para o desenvolvimento da pequena produção e do emprego, como os financiamentos do FNE e os recursos do PROGER/FAT, hoje segredados no BNB e no BB, sem controle social. Que garanta um fluxo de recursos permanente e consistente com o objetivo de superação das desigualdades e não as migalhas propostas na MP. Que estabeleça mecanismos de transparência e fiscalização com participação social nos processos de aprovação e implantação de projetos, impedindo o desvio de recursos ou a aprovação de projetos não prioritários. Que amplie e democratize o Conselho Deliberativo.
Estas tarefas só lograrão efeito se a voz que se levantar do Nordeste não seja a voz isolada de servidores, políticos ou empresários, mas a voz de um Nordeste unido politicamente, em torno de um novo modelo de política de desenvolvimento que sirva não apenas para o Nordeste, mas possa servir de parâmetro para todos os rincões do Brasil onde exista a marca cruel da desigualdade e da miséria. Assim poderemos ter o apoio das bancadas de outras regiões, que verão em nossa proposta não um enclave a ser combatido, mas um exemplo a ser apoiado e seguido.
Derrotar a MP seria outra alternativa, porém mais difícil, pois que manteria todas as mazelas que existem e que precisam ser corrigidas. Passaria a idéia que queremos conservar tudo como está. E isto não queremos. Quem se guia pelo ideal de Celso Furtado quer, sempre, transformar, adequar aos novos tempos a antiga SUDENE, mantê-la viva pela renovação de seus métodos e pela atualização de seus objetivos. Mas NUNCA destruí-la. NUNCA fazer crer que ela é marcada pela corrupção generalizada que atingiu a SUDAM, facilitando a tarefa de seus coveiros. NUNCA extinguindo-a, como se seu nome fosse uma mancha. O nome SUDENE é uma marca de luta, de capacidade de união política de nosso povo nordestino em torno de um projeto de desenvolvimento socialmente justo. Para ser fiel a esta marca histórica é mister sermos capazes de estabelecer esta unidade de propósitos, única forma de podermos restabelecer a SUDENE, seu nome sim, mas fundamentalmente seu sentido transformador e progressista. Esta é a nossa luta e o nosso desafio. Contem comigo nesta tarefa.
Abraços,
*Pedro Eugênio
Deputado Federal - PPS/PE
Recife, 14 de maio de 2001
A CRISE DA SUDENE
* TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO
Há mais de 40 anos, ao ser criada, a Sudene surgiu no Nordeste como um raio de esperança. O Brasil dinâmico e em modernização intensa dos tempos de JK aprofundava o hiato entre o Centro-Sul e o Nordeste, Celso Furtado conseguiu sistematizar as denúncias que as forças vivas da sociedade nordestina (ligas camponesas, sindicatos, igrejas, governadores, estudantes, industriais, entre outros) expressavam nas ruas, em seminários e debates.
Era preciso mudar a forma e o conteúdo da ação do Governo Federal na região. A Sudene foi concebida para isso. E ganha renome internacional. Sua proposta era reformista e transformadora. Ousada e inovadora. E a Sudene fez muito pelo Nordeste, mesmo tendo visto esmaecer sua força inicial e serem bloqueadas suas propostas principais, ao longo dos Governos Militares.
Investiu na infra-estrutura de transportes e energia, fez estudos que basearam os avanços feitos depois nos pólos de irrigação, apostou firme na formação de recursos humanos e em especial na qualificação de jovens universitários. Montou estruturas de planejamento nos Estados e órgãos de apoio como o Sistema Ceasa, os NAIs (origem do Sistema Sebrae), entre outros.
Começou a ocupação das terras úmidas e férteis do Maranhão. Descobriu e sistematizou o potencial de recursos naturais do Nordeste, até então desconhecido. Mas foi sendo pouco a pouco esvaziada. Na revisão constitucional feita pelo regime militar, por exemplo, foram tirados seus recursos vinculados e com isso se esvaziou a força coordenadora dos seus Planos Diretores.
A redemocratização, quando chegou, coincidiu com a crise financeira do Estado brasileiro, com a desaceleração do crescimento econômico do país, com a submissão a políticas ditadas pelo FMI. Coincidiu, também, com o avanço da guerra fiscal entre as unidades da Federação, semeando a competição fratricida. Esse quadro adverso coincidiu também com a crescente predominância da acumulação rentista onde o que sobra aos aplicadores, falta na saúde, na educação, na reforma agrária no país inteiro. Mas sem isso o Nordeste não muda. Restou à Sudene basicamente o sistema de incentivos (que mobiliza modestos R$ 400 milhões/ano no Finor, está com data marcada para acabar em 2013 e agora novamente sujeito a uma CPI, misturado no mar de corrução que se espraia Brasil a fora).
A verdade é que, nos anos recentes, da Sudene proposta para transformar a realidade social e econômica do Nordeste pouco já havia restado. Na região há ilhas de crescimento e de modernização, mas em torno delas a miséria continua.
Qualquer estudo sobre o Brasil denuncia que precisamos voltar a ousar, que precisamos ter uma política nacional de desenvolvimento regional. Mas no Brasil dos tempos atuais, os bilhões que se destinam a pagar as despesas financeiras do Governo faltam às políticas regionais ativas, voltadas para reduzir as desigualdades que permanecem. Infelizmente, o Governo FHC não tem políticas regionais, por isso não consegue redefinir o papel da Sudene. Só tem a propor mudanças acessórias, como a transformação da Sudene de Autarquia para Agência Executiva.
O debate recente sobre a Medida Provisória gestada pelo Ministério da Integração é de chorar! Não há transparência nem clareza de objetivos. Não se discute o Nordeste nem a Sudene. Discute-se um pequeno Fundo (de 0,23% do PIB regional) que não tem o menor poder transformador, sequer do setor produtivo da região, quanto mais da vida de milhões de nordestinos. E discute-se, apenas, "o que restou" da Sudene. Daí o desinteresse da maioria.
Os governadores, emergindo de anos de uma guerra fiscal fratricida, haviam perdido o "sentimento regional". Chamados às pressas não se deram conta da armadilha que os aguardava: aceitaram discutir a Medida Provisória. Em meio à desinformação buscam ampliar o Fundo que substituirá o Finor - um Fundo mais vulnerável que o atual, porque orçamentário, em tempos de ajuste fiscal.
Mas a realidade impulsionará cedo ou tarde a retomada do verdadeiro tema: o desafio de construir um Nordeste menos desigual, num país que clama por políticas regionais ativas como as que existem hoje, em muitos países e até em grandes blocos, como a União Européia.
Logo se voltará a ver que, nos tempos atuais, a renda média do Nordeste ainda é 55% da brasileira. A região tem quase 30% da população e gera apenas 16% do PIB nacional. Sua infra-estrutura econômica requer ainda investimentos de peso para assegurar competitividade às suas empresas. O peso do Nordeste nas exportações brasileiras vem declinando a olhos vistos, em tempos de abertura comercial intensa e rápida: dos 17% nos anos 70 o NE, hoje, representa cerca de 7% do valor das exportações do país. A maior parte das áreas e das pessoas do Nordeste continua a precisar de políticas ativas e diferenciadas.
Se os governadores não escaparem da armadilha atual, a Campanha eleitoral de 2002 poderá ser o momento para recolocar o verdadeiro debate.
Tomara que consigamos, agora ou depois, retomá-lo. E que possamos refundar a Sudene.
*Tânia Bacelar de Araújo é economista, servidora aposentada da Sudene e atual Secretária de Planejamento da Prefeitura do Recife - Publicado no Jornal do Commercio de 16-05-2001.
DE LUTO
*MARIA DO CARMO BARRETO CAMPELLO DE MELO
A extinção da Sudene, por uma medida provisória, é um duro golpe para o Nordeste já tão desamparado pelo governo central, ao longo dos tempos. Se junto, os estados por ela beneficiados lutavam para conseguir o que sobrava dos mais aquinhoados, imagine-se agora, com a sua extinção. Mas, dos que para isso contribuíram, a história saberá guardar os nomes.
O mais estranho é que se apresenta o fato, não como transformação ou reestruturação de um órgão, mas é tratado como uma punição: "Crime e Castigo". E castigo exemplar: pena de morte.
Para os que sonharam com uma Sudene forte, que tantos beneficies trouxe, através de projetos redentores que melhoraram a situação de comunidades sofredoras e desamparadas, projetos que, lamentavelmente, são ignorados neste momento - quando a Sudene é apresentada como uma instituição corrupta, desperdiçadora do dinheiro público e vergonha nacional - para aqueles e para os que viveram, sim, para os que passaram suas vidas naquela instituição exemplar, da qual nos orgulhamos, para nós sudeneanos, que assistimos a luta diária para a redenção do Nordeste, é como se assistíssemos ao assassinato de um ente querido, após ser desmoralizado publicamente, como objeto de escárnio.
Fala-se agora em roubo, quando se fala da Sudene. Ela foi roubada, e isto sim, por certas empresas inescrupulosas, certos indivíduos sem ética ou moral - e eles estão em toda a parte e não somente na Sudene.
Falhas há, erros houve, mas dá-se a impressão, em furos, jornalísticos ou detetivescos, que somente agora as comissões da CPI descobriram esses deslizes, até então ignorados. Mas, procurem-se os processos. Eles lá estão, investiguem-se os documentos, e se verá - a bem da verdade - que os técnicos dignos deste nome da autarquia, já há muito, antes dessas comissões, tinham denunciado os erros, as providências haviam sido adotadas, os culpados punidos, e muitas empresas, exemplarmente execradas, constando de listas que as impediam até de conseguir qualquer tipo de financiamento.
Não se misture, então, o caso da Sudene com o caso da Sudam, pois a situação é totalmente diferente. E não se extingue um órgão porque ele apresenta deficiências. O INSS foi extinto com o escândalo que o abalou? E o Banco Central?
E para dar um ar de honorabilidade ao que virá, acrescenta-se que, de agora por diante, governadores, representantes dos ministérios envolvidos e de diversas instituições estarão reunidos, num conselho deliberativo, onde só serão analisados os projetos que apresentarem viabilidade técnica. Ora, o grande público, que sempre superlotou as reuniões mensais da Sudene, sabe muito bem que tudo isso ora apregoado, sempre existiu na autarquia. Salvo corajosas manifestações que ainda ocorreram, as vozes emudeceram, a ponto de na mídia impressa se chegar a dizer que a "Sudene morre sem um pio". Quem cala consente.
Sei a medida do meu tamanho e a minha falta de importância, em meio a tantas importâncias, mas não quero que a Sudene morra junto ao meu silêncio. Por isso, não me calo. E estou de luto.
*Maria do Carmo Barreto Campello de Melo é da Academia Pernambucana de Letras e servidora aposentada da SUDENE - Publicado na página de opinião do Jornal do Commercio de 08/05/2001.
A GUERRA ACABOU
*POR CLEMENTE ROSAS
La guerre est finie - este é o título do filme de Alain Resnais, com roteiro de Jorge Senprún, sobre o trabalho clandestino dos militantes de esquerda na Espanha franquista, findas a Guerra Civil e a Segunda Guerra Mundial. O relato de uma luta obstinada, sem resultado aparente, sem perspectiva próxima, expressão apenas do inconformismo de derrotados que recusavam admitir-se como tais.
Lembro a obra de Senprún - ou Frederico Sánchez, seu nome partidário - ao requerer minha aposentadoria do serviço público, com a extinção da Sudene. Aqui cumpre-nos lidar também com uma derrota, ao fim de uma longa e desgastante batalha. E preparar-nos, sem ilusões, para o período de sombra que temos pela frente. Pois para a minha geração, a Sudene foi sempre, desde o início, uma fonte de luz, um farol norteador que ora se apaga.
Posso afirmar que minha vida, desde os tempos de Universidade, girou em torno desse organismo regional. Meu ingresso no Movimento Estudantil se deu em 1961, no Seminário de Estudos do Nordeste, promovido pela UNE no Recife, ouvindo conferências de técnicos da Sudene, como Mário Magalhães e Jáder de Andrade. Ali conheci Nailton Santos, que seria o meu recrutador para os quadros da organização, dois anos depois. Afastado pelo movimento militar de 1964, trabalhei a princípio na Fundação para o Desenvolvimento Industrial do Nordeste, uma agência privada, concebida para divulgar os incentivos fiscais, atrair investimentos e promover a atividade industrial na região. Depois como consultor, elaborando projetos, e em seguida como executivo de uma das empresas implantadas com o apoio da autarquia.
De volta ao serviço público, em 1979, atuei em funções de planejamento nos Governos de Marco Maciel, José Ramos e Roberto Magalhães, tendo como um dos principais encargos o assessoramento desses governadores junto ao Conselho Deliberativo da Sudene, até o meu reingresso nos seus quadros, com a Anistia, em 1986. Depois disso, ainda estive, com missão semelhante, à disposição do Estado de Pernambuco, entre 1988 e 1991, servindo às administrações de Miguel Arraes e do seu sucessor, quando sofri a minha segunda cassação: a disponibilidade arbitrária determinada pelo presidente Fernando Collor, e logo desfeita, com a reação energética do Governador Carlos Wilson.
Nos últimos oito anos, por convite inicial do meu conterrâneo Cássio Cunha Lima, exerci as funções de Procurador-Geral da autarquia, tendo como tarefa mais importante a defesa, na trincheira judicial, do processo de moralização do sistema de incentivos fiscais conduzido pelo General Nilton Moreira Rodrigues.
Ao longo de todo esse caminho, acompanhei, com olhar a um só tempo comovido e crítico, os êxitos e os percalços da instituição que balizou a minha vida. Em cerca de vinte artigos (que pretendo reunir em livro), tenho sistematizado as minhas reflexões, como agora faço, em despedida.
Foi uma longa guerra de desgaste, onde o idealismo dos que resistiram foi confrontado com forças poderosas, resultando, aos poucos, na mutilação do belo projeto original. O centralismo autoritário e esquemático dos governos militares, a esbórnia da Nova República, a visão mesquinhamente partidária, o rateio de cargos, o assistencialismo, a pressão pelo favorecimento imerecido. Tudo sempre imposto de cima, com a resistência desesperada do corpo técnico da casa. Chega a surpreender que, afinal, se tenha realizado tanto pelo Nordeste, diante de tão opressivos condicionamentos.
Nos últimos anos, a investida final: o imediatismo de empresários ávidos pela anistia de débitos, a visão rasteira de um ministro desintegrador, as artimanhas de um senador interessado em afastar de si o foco do escândalo, o rancor e o vedetismo de um deputado sem escrúpulos, o preconceito antinordestino da mídia sulista, a tibieza dos governadores da região, a precipitação de um presidente ansioso por recuperar, a qualquer preço, a imagem desgastada do seu Governo. E o desfecho inesperado e traiçoeiro.
Como os samurais, que não aceitavam sobreviver à dissolução da sua Casa Nobre, não posso ficar, quando já não tenho a quem servir. Pois não acredito na alternativa bisonha que nos é oferecida. Nem na sua concepção, nem nas condições políticas e materiais para o seu impulsionamento, nem na sobriedade de sua gestão. Aqueles de boa-fé que nela se lançarem, logo estarão desencantados.
Não quero, porém, deixar para os velhos guerreiros, de dentro e de fora da casa, uma impressão de desestímulo. Dolores Ibárruri, "La Pasionaria", esperou quase quarenta anos para poder pisar de novo o solo livre da Espanha, e nele encontrar o seu repouso. Por certo não aguardaremos tanto para retomar a nossa "fantasia organizada". Como os militantes espanhóis, cumpre-nos perseverar.
Mas, por ora, forçoso é encarar a realidade. A guerra acabou.