Eu sei, Josué, que você não repara e nem nunca reparou nessas coisas. Nem combinaria com você, eu acho, reparar em coisas que são do feitio e do reparo de uma mulher. Mesmo não combinando com você, eu queria que você olhasse para essa caixa com olhos de mulher, se fosse possível. Ou que olhasse através de mim, que sou mulher, e visse a cena com ternura, ou, no mínimo, com compaixão. Que olhasse assim para mim e pensasse, que bonitinho esse apêgo dela (eu) às suas coisinhas, às coisas delicadas, de mulher. Mas não, Josué. Minha avó guardou, nessa mesma caixa, dedais e agulhas. Minha mãe, guardou suas jóias banhadas a ouro e suas pedras de preciosidade discutível. O meu avô, Josué, você não conheceu, levou meses trabalhando pacientemente a madeira, lixando, lavrando, polindo, passando uma ou duas demãos de verniz. Tudo isso ele me contava, eu sentada sobre o seu joelho, com seis ou sete anos de idade, não lembro direito. Depois, quando eu já andava pelos quinze, ele já velhinho e esclerosado, continuava contando, mas daí eu já ouvia meio impaciente, com um sorriso complacente. Depois do verniz, contava, procurou durante um mês por esse fechinho de metal dourado aqui, para abotoar a caixa. Quando finalmente transformou a cabriúva nessa caixa, Josué, a minha avó, com suas mãozinhas de moça de outro século, pintou na tampa a ilustração da moça, meio nua, quase uma indecência para a época. A túnica com os ombros descobertos, levantando, curiosa, a tampa de uma caixa como essa aqui e espiando para dentro dela. A minha avó copiou isso de algum livro, ou de algum quadro da época. Estudou pintura, a minha avó. Copiava com habilidade os quadros dos outros. Mas reclamava que não tinha cabeça para pintar algo de seu. Copiava. E copiava bem. Você viu, Josué, como é bonita, a moça, e a contraluz, a escuridão, tudo pintado numa tampa de madeira? A impressão que a gente tem é a de que alguém está no escuro, espiando ela. Minha mãe sempre se referia a ela como A Curiosa e eu sempre gostei de chamá-las - caixa e mulher - assim, de A Curiosa. Eu esperava, Josué, que você prestasse atenção em mim e percebesse que passo a mão com devoção sobre a tampa envernizada e que me olhasse com nem sei o que no seu olhar. Eu já não guardo mais nada nessa caixa. E você também, Josué, já não guarda mais nada.
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