"A
MAÇONARIA ENTREABERTA"
de Luís Nandin de Carvalho - GRÃO
MESTRE
Quando um maçon usa ritualmente da palavra, em Loja, em sessão
ritual, fá-lo a Bem da Ordem. Isto é, o maçon nunca se exprime por uma motivação
pessoal e egoística, antes deve sempre preocupar-se e identificar-se com a
organização iniciática que é a Maçonaria, assumindo pois uma postura altruísta
e filantrópica.
Por natureza, o maçon é pois solidário na sua espiritualidade, o
que resulta da sublimação da sua dimensão meramente terrena e materialista.
É esta atitude que alguns cínicos chamaram já de "insanidade
maçónica", conceito anti-maçónico, porque anti-institucional, e que
pretende ridicularizar os valores maçónicos, considerando-os só próprios de
insanos.
Também na vida profana, isto é no seu quotidiano cívico, o maçon
deve actuar de acordo com as suas responsabilidades próprias, isto é a bem da
Ordem, o que significa nada fazer que ponha em causa a sua respeitabilidade e
dignidade de instituição milenária, por via da contenção e da discrição.
E por outro lado, pela via activa, tudo deve fazer para que os ideais universais
dos valores da Paz, da Harmonia, solidariedade, fraternidade e tolerância,
sejam efectivamente difundidos, aceites e praticados pelo maior número de
pessoas, sejam ou não crentes no Grande Arquitecto do Universo.
Quer isto dizer, que não se pode ser maçon sem se respeitar a
ordem democrática e da moral vigente, que aliás devem estar em consonância
nas sociedades civilizadas contemporâneas. Um maçon que não se identifique
nesses termos com a sociedade em que se integra, dificilmente poderá ser manter
a sua condição de Maçon, porquanto nenhum legítimo dever profano deve estar
em contradição com o juramento maçónico.
O maçon contemporâneo deve pois actuar de acordo com uma cultura
maçónica espiritualista consequente, isto é, que compatibilize os valores
humanistas universais, com os valores espirituais universais. Numa síntese, o
maçon deve ter os pés na terra, a cabeça no céu, e o coração com o do dos
outros...
O que significa que o maçon deve sempre procurar superar as suas
limitações, auto aperfeiçoar-se na busca de ser melhor do que é,
especialmente em relação aos outros, qual bom samaritano. Correlativamente,
cabe à Maçonaria proporcionar-lhe as condiçôes objectivas para que tal lhe
seja possível.
Esta postura é a exigida aos maçons regulares, também ditos
tradicionais ou de via sagrada, aqueles que trabalham nas suas Lojas sob invocação
de Deus, Grande Arquitecto do Universo, sobre o livro sagrado, o esquadro e o
compasso.
Quanto aos outros, ditos maçons irregulares, ou liberais, ou de via
substituída, que se reúnem segundo a aparência dos mesmos ritos, decorações
e ideais, já dispensam a via espiritual, e trabalham sobre a Constituição de
Andersen, a do País da sua nacionalidade, enfim sobre a própria declaração
Universal dos Direitos do Homem, e sem necessariamente invocarem Deus, o Grande
Arquitecto do Universo.
Isto é: uns, os regulares, partem de um pressuposto que é o da
crença no Criador, os outros partem do postulado da liberdade de crença ou não
no Criador, uns e outros, sem se remeterem a uma posição contemplativa, buscam
o seu próprio aperfeiçoamento, "não faças aos outros aquilo que não
gostavas que te fizessem", mas com efeitos diversos ao nível de intervenção
na sociedade.
De facto, enquanto os regulares se situam no plano do sagrado, os
outros colocam-se no campo do laicicismo, e consequentemente envolvem-se mais
directamente na vida profana que procuram aperfeiçoar, senão mesmo transformar.
Para um maçon "regular" a sociedade só será mais
perfeita se isso decorrer do processo de aperfeiçoamento individual, de cada
um, enquanto para um maçon "irregular", o essencial é ser ele o
agente da transformação da sociedade. Isto é, passa o maçon em vez de ser o
destinatário das suas reflexões e consciência, para procurar o auto aperfeiçoamento,
a considerar-se o agente de transformação e da perfeição da sociedade.
Bem se compreende que esta atitude possa gerar desde logo, a quebra
de harmonia entre os maçons. Ultrapassada a intimidade de cada um, em que só
cada qual é juiz de si próprio, e de acordo com os parâmetros da sua
autodefinição, sendo portanto responsável pela sua própria consciência, os
maçons irregulares confrontam-se exteriormente sobre as várias actividades que
poderão contribuir para transformação e aperfeiçoamento da sociedade...e
estas serão tantas quantas as percepções do que é a perfeição da sociedade.
Uma outra questão que pode lançar alguma confusão quanto ao termo
maçon, para além da referida distinção entre maçons regulares e irregulares,
na terminologia mais amplamente consagrada, é a possibilidade de existirem maçons
que trabalham regularmente mas em situação institucional de irregularidade, e
a de maçons institucionalmente irregulares, mas que trabalhem regularmente nos
seus templos e Lojas.
De facto, para se ser maçon não basta uma auto proclamação. É
necessário que "os seus irmãos o reconheçam como tal", isto é, é
essencial que se tenha sido iniciado, por outros maçons, cumprido com as suas
obrigações de maçon, esotéricas, simbólicas e incluindo as materiais, e que
se integre numa Loja, integrada regulamentarmente numa Grande Loja ou num Grande
Oriente, devidamente consagrados, consoante as terminologias tradicionais.
Ora, desde logo se pode vislumbrar a possibilidade de maçons
integrados numa Grande Loja ou um Grande Oriente irregular (nomeadamente por não
ter sido regularmente constituído, respeitar globalmente a crença em Deus,
Grande Arquitecto do Universo, nem obedecer a outros landmarks), praticarem numa
determinada Loja uma actividade em tudo igual aos que actuam numa Loja regular,
integrada numa Grande Loja ou Grande Oriente Regular.
Todavia tal não basta, e uma prática maçónica, só se pode
admitir como regular, se reconhecida como tal, por quem de direito, ou seja, por
uma Grande Loja, ou Grande Oriente regularmente constituído e em regularidade
de funcionamento.
Aos que se consideram maçons regulares, para que efectivamente o
sejam, é necessário serem reconhecidos como tal, é indispensável que tal
estatuto lhes seja reconhecido. De facto o reconhecimento é essencial para
atestar um dos requisitos fundamentais e integradores da regularidade, que é o
da legitimidade da transmissão da própria regularidade. Só assim se constitui
legitimamente a regularidade.
Um pouco à semelhança do próprio processo de reconhecimento da
independência dos Estados, em que não basta a proclamação unilateral de
independência, é crucial que a comunidade internacional a reconheça, e depois,
para se ser verdadeiramente membro de pleno direito da comunidade internacional,
ou de comunidades regionais (como os Estados membros da União Europeia), é
ainda necessário o respeito da legalidade universal, que tem como referência a
declaração universal dos direitos do homem.
Um maçon que respeite as regras da regularidade, tem pois de
respeitar as suas regras essenciais: Os landmarks, as constituições, os
regulamentos, a regularidade da transmissão maçónica, enfim o próprio
cumprimento das leis civis. Um maçon que portanto seja irregular quanto à sua
filiação numa Grande Loja ou Grande Oriente irregular, não pode ser
considerado regular pela comunidade maçónica regular... não pode pois aceder
a sessões rituais regulares. Só o poderá fazer se, e quando por um processo
dito de regularização, deixar a sua obediência irregular e for recebido como
regular por uma obediência maçónica com estas características.
E quanto ao inverso? Um maçon inciado regularmente, a trabalhar
regularmente, integrado numa Grande Loja ou num Grande Oriente que perdeu o seu
reconhecimento como regular pela comunidade maçónica universal? A resposta é
simples... passa a ser incluído na irregularidade. Este só tem também uma
solução à sua disposição, se não quiser permanecer na irregularidade e
afastado do convívio maçónico regular universal: é ingressar numa obediência
maçónica reconhecida como regular.
Caso ainda diverso e que não merece comentário, é o dos profanos
e ,ou, ex-maçons que se integram na anti-maçonaria, quer contra a maçonaria
regular, quer contra a maçonaria irregular, desrespeitando a leis civis, e
quanto aos primeiros os seus valores espirituais, e quanto aos segundos o seus
valores humanísticos. Os anti-maçons estão fora da maçonaria.
Não se trata de um jogo de palavras. É essencial e constitutivo da
regularidade maçónica o seu reconhecimento. Não pode haver maçonaria regular
ao arrepio dos landmarks, com violação da constituição de uma obediência,
dos seus regulamentos, com violação das leis civis, com a prática de crimes
assim considerados pela sociedade profana democrática. A comunidade maçónica
internacional condena e denuncia estas situações, que merecem denúncia pública
de todos os maçons e homens de boa vontade.
Resta acrescentar, que não existe possibilidade de um movimento que
se pretenda espiritualista, esotérico, simbólico, iniciático e universalista
se desenvolver contra as próprias leis democráticas de um Estado de Direito,
que se integre na comunidade internacional democrática.
A Maçonaria laica, humanista mas materialista, profana porque não
sagrada, resvala com grande facilidade em dois dos mais temíveis desvios que
podem fazer perigar a excelência da ideia e filosofia maçónicas: a politização
e o negocismo.
De facto, grande é a tentação da opção pela via política
directa, como suporte e instrumento directo da acção maçónica, para se
implantar na sociedade ideias e ideais de liberdade, justiça social, igualdade,
solidariedade... só que ao fazê-lo, faz-se perigar inexoravelmente a paz, a
harmonia, a tolerância... a via maçónica torna-se pois irregular, na medida
em que as lojas deixam logo de ser os locais de serena elevação espiritual,
para passarem ao lado do esoterismo iniciático e simbólico que as caracterizam
na sua pureza, para se assumiram como mais um local a profanar pelo imediatismo
da gestão política dos interesses materiais.
Além da politização, o outro risco é o negocismo, a pretexto da
solidariedade a estabelecer com os irmãos mais necessitados, ou para viabilizar
ideais de solidariedade para com terceiros, ou mesmo para fortalecer
financeiramente a instituição maçónica. O afastamento das preocupações de
elevação espiritual cedo cedem passo ao "primum vivere, deinde
philosophare..." Daqui à tentação do materialismo do "vale tudo"
é um pequeno passo.
Dir-se-á que a maçonaria regular sofre também destas duas tentações.
Decerto que sim, mas em menor grau, porque de tal modo infringiria um dos seus
landmarks e consequentemente, arriscaria a perder a sua própria natureza. A maçonaria
regular, que não pode por definição ser política, sofre antes, e mais
gravemente de um potencial risco de desvio, que é o de se transformar em seita,
pelo sectarismo messiânico, ou pseudo esotérico de que os seus adeptos possam
ser levados a reclamarem-se como iluminados.
De facto alguns, seduzidos pela aparência temporal do poder
espiritual, enveredam por caminhos insondáveis de mistério, lado a lado com
formulas de cultos iluminados de ilusionismo, cartomancia, bruxaria, satanismo,
e seus similares de magia negra. Estão a um passo de enveredarem por seitas,
naturalmente anti-maçónicas.
Cabe recordar o conceito de seita como foi definido recentemente
pelo Parlamento francês , e que identifica "grupos que visam, mediante
manobras de desestabilização psicológica, obter a adesão incondicional dos
adeptos, a diminuição do seu espírito crítico, a ruptura com as referências
comummente aceites (éticas, cientificas, cívicas, educacionais)...estes grupos
utilizam coberturas filosóficas, religiosas ou terapêuticas para dissimular os
objectivos de poder, submissão e exploração dos adeptos".
Neste conceito de seitas, aparecem como elementos caracterizadores e
indiciadores da existência da marginalidade do grupo, os atentados ou ameaças
à integridade física... o discurso com características anti-sociais...
perturbações da ordem pública... tentativas de infiltração dos poderes públicos...
etc.
Nada disto tem a ver com maçonaria, nem com religião. Exemplos de
seita anti maçónica temos historicamente em Itália a loja P2 (propaganda
due). Desde logo anti maçónica, porque secreta, porque não realizando iniciações,
por ausência completa de observância dos landmarks, por não reunir
regularmente, não cumprir com constituições ou regulamentos maçónicos, por
ter objectivos materialistas e ilegais.
Os maçons regulares devem reunir-se em lojas regulares,
exclusivamente masculinas, que estão congregadas institucionalmente em Grandes
Lojas, ou mesmo Grandes Orientes que globalmente trabalham à glória do Grande
Arquitecto do Universo. Não é possível entender-se na Maçonaria Universal a
existência de Lojas regulares que o não sejam pela legitimação da transmissão
da regularidade, e acrescente-se, pela manutenção, dos "standars"
dessa regularidade, fixados nos "landmarks".
Para os regulares também não é pois possível a existência de
lojas regulares autónomas - estas serão lojas selvagens, não reconhecidas
pela comunidade maçónica universal. Mas também não é possível, existirem
dentro da mesma Grande Loja ou Grande Oriente, se pretender obter o
reconhecimento internacional, lojas a funcionarem regularmente de acordo com a
Tradição, e lojas irregulares a funcionarem liberalmente, isto é sem aceitação
unânime do landmark da crença no Grande Arquitecto do Universo.
Neste quadro o que é possível então?
Os maçons regulares consideram que a Maçonaria, como substantivo,
só pode ter uma acepção que é a do sentido de uma organização masculina,
iniciática deísta e simbólica. Não se reclamam do exclusivismo esotérico
nem do exclusivismo iniciático que reconhecem poder existir em outras organizações.
De facto, o termo maçonaria como adjectivo, tem sido usado para qualificar
outras organizações de base humanista e que pretendem por uma via iniciática
substituída (não a sagrada), desenvolver igualmente a filosofia de
fraternidade, igualdade e liberdade, valores cívicos essenciais ao pleno
desenvolvimento dos valores espirituais da Maçonaria, como é o caso, entre
outros dos Rosa Cruzes.
Deste modo, não é possível a cooperação ritual, em loja, ou
mesmo em Grande Loja, entre maçons regulares e irregulares, ou entre maçons
regulares e quaisquer outro grupo de iniciados, não maçons, ou mesmo mulheres
que se reclamem da Maçonaria.
Mas não deixa de ser possível a colaboração em iniciativas de
carácter profano em que maçons regulares, e outros homens e mulheres de bem,
pretendam desenvolver iniciativas que visem proporcionar à sociedade uma
divulgação de valores que sejam universais, como a Paz, a Harmonia, a
Solidariedade, a Fraternidade e a Tolerância.
De facto algo de essencial aproxima todos os que se reclamam da Maçonaria:
as preocupações humanistas, e o envolvimento em acções humanitárias. Uns os
regulares, porque crentes em Deus, Grande Arquitecto do Universo são
espiritualmente humanistas, outros porque irregulares, e laicos, cientes na
natureza do Homem, são igualmente humanistas. Por via espiritual ou
existencialista, aceitam todos o Humanismo.
A cooperação dos maçons com outras entidades, parte porém de
pressupostos mínimos que são essenciais, e até tão naturais em consciências
civicamente bem formadas que quase seria desnecessário referi-lo. De facto, não
há nenhum projecto no mundo cívico ou profano, que possa envolver maçons, se
não for compaginável com o respeito pela legalidade e liberdade democráticas.
Nem se concebe que pudesse ser de outro modo.
Por isso, um dos pontos porventura mais salientes da crise que
alguns dos ex-maçons regulares em Portugal ocasionaram publicamente, em finais
de 1996, e que se auto excluíram da maçonaria regular, a partir do dia 7 de
Dezembro, com a usurpação das instalações de Cascais da obediência iniciática
- Grande Loja Regular de Portugal - e depois, pela tentativa de domínio dos
altos graus maçónicos, é o da sua ausência de cultura democrática, moral e
maçónica.
As autoridades maçónicas internacionais ou estrangeiras depositárias
das tradições inciáticas da maçonaria regular já tomaram aliás, posição
iniludível. Seja ao nível das Grandes Lojas, seja ao nível dos sistemas dos
Altos Graus, em especial do Arco Real, dos Grandes Priorados, e dos Supremos
Conselhos do grau 33º : - Em Portugal, só existe uma Grande Loja Regular legítima,
e que se insere na associação sem fins lucrativos denominada Grande Loja Legal
de Portugal/GLRP.
A própria opinião pública, que condenou aqueles actos,
surpreendeu-se, e com razão, com o facto de tal ter podido ocorrer desencadeado
por quem se dizia maçon, e sempre publicamente se tinha apresentado como tal!
Quer com isso dizer-se, que muitos dos que se lançaram na aventura
anti-maçónica da "casa do sino", como ficou a ser conhecida a
instalação administrativa da Grande Loja Regular de Portugal, em Cascais, se
esqueceram, ou nunca tinham interiorizado os ensinamentos que deveriam ter
recebido na sua iniciação, e posteriormente com o simbolismo das demais
subidas de grau, ou, ainda mais grave, na ascensão nos altos graus, ditos de
perfeição.
Ou seja, aqueles ex-maçons, ou pior, anti-maçons, que são hoje,
violaram a importância dos seus juramentos, e com isso tornaram-se perjuros;
renegaram a sua condição de maçons, e auto-excluiram-se da maçonaria regular
e universal.
Uns intencionalmente, e perseguindo projectos de poder pessoal só
possíveis pela pérfida violação da lei civil, da moral social e da tradição
maçónica; outros, que os acompanharam, fizeram-no, uns, por ingenuidade ou
falta de preparação maçónica, outros ainda porque não eram livres, e
dependentes de salários, de relações familiares, e de empregos, não puderam
libertar-se do jugo dos seus amos e senhores, ou, na melhor das hipóteses de
relações de amizade possessivas.
Esqueceram-se, que mais valia ter a garganta cortada, no simbolismo
expressivo de um dos juramentos maçónicos, do que faltar aos sãos propósitos
de escolher os caminhos da virtude, de praticar o bem, assim, resvalaram nos
caminhos do vício, ou seja decidiram praticar o mal.
Esqueceram-se, que no próprio catecismo de muitos ritos maçónicos,
se exemplifica, para além do simbolismo: - mais grave ainda do que ter a
garganta cortada, é ficar a ser considerado como perjuro, e passar a ser
conhecido entre os maçons de todo o mundo, como homem indigno, sem palavra e
sem honra...
Mas para tanto é preciso que se tenha honra. Que se seja livre, e
de bons costumes...
Ora a questão essencial da cultura maçónica, começa por se
colocar desde logo no momento da iniciação: - Só homens livres e de bons
costumes podem ser iniciados, e desde que sejam crentes, em Deus, Grande
Arquitecto do Universo. Não se trata de frases feitas para recitar como
ladainhas, mas antes de conceitos que só fazem verdadeiro sentido se
interiorizados, apreendidos, e assim sentidos na profundidade de um compromisso
solene e sagrado, porque sob a sua honra, e sobre o livro sagrado.
O que quer dizer livre? De maior idade? Auto-suficiente
economicamente? Não dependente de vícios que condicionem ou até anulem a
nossa vontade? E de bons costumes? Que quer dizer? Que não se achem condenados
pela sociedade civil, quer dizer apenas uma conformidade formal com a moral
social dominante e vigente? Ou, antes terá o significado de bons costumes no
sentido do respeito dos elementares deveres contidos na declaração universal
dos direitos do homem?
Estas questões cruciais deveriam ser sopesadas aquando cada um que
deseje ingressar na Maçonaria, se decide preencher o formulário de pedido de
admissão. Por isso mesmo, há que favorecer a uma maior abertura ao mundo
profano, e divulgação contida, daquilo que se pode entreabrir da Maçonaria...
para que se saiba ao que se vai, pelo menos quanto a requisitos mínimos. E para
que a sociedade não tenha, por receio ao secretismo do desconhecido, o impulso
de o combater e de condenar.
Aliás, o verdadeiro segredo maçónico consiste na percepção
interior da consciência do processo iniciático. É por isso e por natureza
intransmissível, por qualquer outro que não seja o próprio, e mesmo assim, se
encontrar palavras com que se possa exprimir de forma inteligível para quem não
tiver sido, por sua vez, também iniciado.
Não há revelação de segredo maçónico por divulgação de
quaisquer fotografias, frases, e até mesmo gestos que carecem de significado
para quem não foi inciado. Se de outro modo houvesse entendimento possível,
todos os segredos da maçonaria estariam já revelados nos mais de 90.000 livros
recenseados, que foram publicados sobre o tema, dos vários filmes e vídeos
editados pelas Grandes Lojas Regulares, incluindo a Grande Loja Unida de
Inglaterra, e das milhares de páginas que se encontram na Internet, quer
assumidas oficialmente por várias obediências maçónicas, quer pelas páginas
pessoais de vários internautas maçons. Não sejamos hipócritas...
Hoje, a Maçonaria não se pode contentar em promover a iniciação
daqueles que lhe batem à porta fascinados pelo sobrenatural do secretismo do
mistério, pela enganosa ambição de negociatas mirabolantes só reservadas aos
eleitos das suas imaginações, pelo pseudo poder oculto do domínio de coisas e
de outros. Não e não.
A Maçonaria deve sim, ser uma resposta e uma via iniciática e
redentora para aqueles que procuram um auxilio solidário no despertar e formar
da suas consciências. Dos que pretendem ascender a um saber milenário e iniciático,
que acreditam e querem continuar a acreditar no Criador, na Paz, na Harmonia, na
Solidariedade, na Fraternidade e na Tolerância de todos os homens.
A Maçonaria deve ser uma escola de escol, de virtudes, uma
oportunidade de auto aperfeiçoamento fraterno e universalista, para quem a
procura, um caminho consequente de sublimação e de superação de limitações.
Para tanto, é preciso maturidade de idade e de consciência, é
preciso que se tenha uma percepção espiritualista da condição humana
derivada da crença no Grande Arquitecto do Universo, é preciso enfim, ter-se já
uma consciência suficientemente evoluída que permita a cada um dos maçons
contribuir para que o profano iniciado se integre perfeitamente no caminho maçónico,
que consiga sublimar os seus objectivos meramente materialistas, para se colocar
numa posição ou patamar de espiritualidade actuante.
Caso não se atinja essa dimensão, estarão sempre os maçons
dominados pelas suas paixões visando objectivos materiais sem projecção
espiritual... serão perfeccionistas do ritual, serão grandes doadores para
obras de caridade, serão impecáveis nos seus atavios, medalhas, cordões e
condecorações, mas pouco terão contribuído para o verdadeiro despertar das
suas consciências, ou das dos outros. Pouco poderão contribuir, se a tão
pouco se limitarem, a favorecer que a sociedade venha a ser de facto melhor.
Para se chegar a um tal nível, é necessário que tenhamos a visão
das três idades que todos atravessamos: a do Pai ou da dependência, a do Eu,
ou egocêntrica, e a do Nós ou da solidariedade.
Isto é, o ser humano quando nasce, e quantas vezes até morrer,
nunca passa da fase inicial de dependência ou subordinação, primeiro dos pais
ou do pai, depois dos professores ou tutores, depois dos amigos, dos patrões,
dos leaders, enfim de quem não o permite ser livre por si próprio.
Outros há, que ultrapassam esta fase, entram na do Eu, egocêntrica
e competitiva, normalmente com aspectos estimulantes de realização pessoal e
profissional em função de metas materiais, atingindo quantas vezes os chamados
padrões de sucesso e de convergência europeus, de felicidade e qualidade de
vida, mas quantas vezes espezinhando os que encontram no seu caminho.
Não são todos, aqueles que conseguem ascender à terceira fase, a
do Nós. A da solidariedade, que pressupõe responsabilidade social, sublimação
de interesses materiais, conciliação entre objectivos individuais legítimos,
e objectivos de interesse colectivo. Na fase do Nós, a espiritualidade é
consequente, é actuante, e não apenas um rictos exterior para salvar aparências,
ou apaziguar temores do desconhecido.
O momento da iniciação deveria ser, para aqueles que ainda não
atingiram o terceiro degrau das suas vidas, o primeiro degrau de subida a esse nível
de consciência, o verdadeiro primeiro dia do resto da suas vidas... A iniciação
deveria ser sempre uma porta, um porta mais larga, com mais luz para o Nós,
para consciência dos valores universais e espirituais milenários, que a Maçonaria
regular representa.
A partir daqui, abre-se ao maçon regular, um caminho... ele
aprenderá a comunicar pela palavra, e desde logo pelo juramento; ele aprofundará
a capacidade de comunicar pelo gesto, e desde logo pelo colocar-se à ordem de
aprendiz; enfim ele conseguirá com a ajuda dos seus irmãos aprender a
comunicar pela mente, desde logo, pela primeira vez que se encontre numa cadeia
de união.
Assim, ascenderá triplamente, oralmente, gestualmente e mentalmente,
a uma nova forma de conhecimento, de si próprio, e dos outros, que como ele
iniciados, passará a reconhecer e a tratar por Irmãos.
Se aqueles, que estiveram com a Grande Loja Regular até aos
infaustos acontecimentos de 7 de Dezembro e depois a decidiram abandonar,
tivessem mais cultura maçónica, se estivessem todos na fase do Nós, se
tivessem ultrapassado as fases do Pai, e do egocentrismo do Eu, se já soubessem
comunicar não só pela palavra, pelo gesto, mas também pela mente, não teriam
afrontado a Maçonaria como o fizeram.
Não teriam eles sido, sim como foram, as vítimas da sua insaciável
sanha anti espiritual, porque deixaram prevalecer as suas mesquinhas motivações
profanas de interesses de poder material, sobre a responsabilidade do dever maçónico,
que não compreenderam, que renegaram e que abandonaram.
Durante a crise aliás, verificou-se a simpatia senão mesmo a adesão
aos valores da maçonaria universal pela reacção positiva de vários sectores
da sociedade civil, e por uma opinião pública mais conhecedora dos fenómenos
iniciáticos. Cedo se compreendeu, pela exposição à comunicação social, que
o conflito tinha por génese a purificação da Maçonaria regular, de desvios
que a viciavam, contrariando a sua abertura legítima ao mundo profano.
Os ex-maçons, que pelo uso da força e da mentira, violaram a lei
civil e a tradição maçónica cometeram em auto-autópsia, um autêntico suicídio
maçónico.
Ficou pois, finalmente claro depois da crise da maçonaria regular,
quem ficou do lado da legalidade, da moralidade, da regularidade. Enfim, quem é
Maçon...
Hoje, sem qualquer dúvida, a nível nacional ou internacional, a Maçonaria
regular e universal está representada em Portugal pela Grande Loja Regular de
Portugal, designação da assembleia geral da associação cultural sem fins
lucrativos, constituída notarialmente segundo a lei portuguesa, sob a denominação
de Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
A Grande Loja, que prosseguiu sem soluções de descontinuidade a
sua actividade, congrega múltiplas lojas em todo o País, e mantem relações
fraternas com a larga maioria das obediências maçónicas estrangeiras que
integram a maçonaria universal, e continua a sua actividade ritual e espiritual,
como é dos landmarks, no respeito das leis democráticas portuguesas, das suas
autoridades legítimas, da moral social, e da Tradição ancestral maçónica
universal.
A Maçonaria regular tem em Portugal, como tem em todo o mundo, um
amplo horizonte de serviços a prestar à sociedade em que se insere, e à
Humanidade em geral, pois os maçons, na vida profana, e pelo seu exemplo, devem
constituir valores seguros de referência.
Devem os maçons envolver-se individualmente, que não em nome da Maçonaria,
em projectos sociais, culturais, científicos, económicos e de solidariedade
que sob o ângulo da responsabilidade e exigências de profissionalismo e justiça
social contribuam para o avanço espiritual da sociedade.
A Sociedade, a Humanidade, só progride se conseguirem condições
generalizadas de Paz, de Harmonia, de Fraternidade, de Solidariedade e de Tolerância
entre aqueles que partilhem destes valores. As sociedades e a Humanidade serão
tanto mais justas quanto menos excluídos sociais houver... só que a exclusão
e a marginalidade social não afecta só os pobres de bens materiais, afecta, e
de que maneira, os pobres de espírito.
Cabe em geral aos homens de boa vontade, e em especial aos maçons
regulares, entre outros inciados, tudo fazerem para que o advento do III milénio
represente um efectivo progresso para a condição humana, para que cada vez
haja menos excluídos de um processo de espiritualidade ascendente à compreensão
do nosso destino críptico.
Apela-se pois a todos os que lerem estas linhas, Homens de Boa
Vontade, e Meus Irmãos:
Confiemos no Grande Arquitecto do Universo, prossigamos a obra
infindável do despertar das consciências, sejamos todos melhores num mundo que
só assim melhorará, pela generalização da prática dos valores espirituais
universais.
A porta da Maçonaria fica pois, mais uma vez, entreaberta.....a
todos Nós....em particular, aos que têm os pés na terra, a cabeça no céu, e
o coração com o dos outros...
LNC, GM.
São João do Estoril, 1997