O Cálice Sagrado em que Jesus teria bebido é um mistério muito maior do
que uma simples leitura de romances arthurianos pode revelar. Ele teria
realmente existido?
Resistiu ao tempo? Quem eram seus guardiões?
Em um país de maioria católica como o Brasil, a figura do Graal é tida, comumente, como
a da taça que serviu Jesus durante a Última Ceia e na qual José de Arimatéia teria
recolhido o sangue do Salvador crucificado proveniente da ferida no flanco provocada pela
lança do centurião romano Longino ("Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não
Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados perfurou-Lhe o lado com uma lança e logo
saiu sangue e água" - João 19:33-34).
A Igreja Católica não dá ao cálice mais do que um valor simbólico e acredita que o
Graal não passa de literatura medieval, apesar de reconhecer que alguns personagens
possam realmente haver existido.
É provável que as origens pagãs do cálice tenham causado descontentamento à Igreja.
Em Os mistérios do Rei Artur, Elizabeth Jenkins ressalta que "no mundo do romance, a
história era acrescida de vida e de significado emocional, mas a Igreja, apesar do
encorajamento que dava às outras histórias de milagres, a esta não deu nenhum apoio,
embora esta lenda seja a mais surpreendente do ponto de vista pictórico. Nas
representações de José de Arimatéia em vitrais de igrejas, ele aparece segurando não
um cálice, mas dois frascos ou galheteiros".
Alguns tomam o cálice de ágata que está na igreja de Valência, na Espanha, como aquele
que teria servido Cristo mas, aparentemente, a peça data do século XIV. Independente da
veneração popular, esta referência é fundamental para o entendimento do simbolismo do
Santo Graal já que, como explica a própria Igreja em relação à ferida causada por
Longino, "do peito de Cristo adormecido na cruz, sai a água viva do batismo e o
sangue vivo da Eucaristia; deste modo, Ele é o cordeiro Pascal imolado".
Origem - A etimologia da palavra Graal é um tanto duvidosa, mas costuma-se considerá-la
como oriunda do latim gradalis - cálice. Com o brilho resplandecente das pedras
sobrenaturais, o Graal, na literatura, às vezes aparece nas mãos de um anjo, às vezes
aparece sozinho, movimentando-se por conta própria; porém a experiência de vê-lo só
poderia ser conseguida por cavaleiros que se mantivessem castos.
Transportado para a história do Rei Arthur, onde nasce o mito da taça sagrada,
encontramos o rei agonizante vendo o declínio do seu reino. Em uma visão,
Arthur acredita que só o Graal pode curá-lo e tirar a Bretanha das trevas. Manda
então seus cavaleiros em busca do cálice, fato que geraria todas as histórias em
torno da Busca do Graal.
É interessante notar que a água é uma constante na história de Arthur. É na água
que a vida começa, tanto a física como a espiritual. Arthur teria sido concebido
ao som das marés, em Tintagel, que fica sob o castelo do Duque da Cornualha;
tirou a Bretanha das mãos bárbaras em doze batalhas, cinco das quais às margens de um
rio; entregou sua espada, Excalibur, ao espírito das águas e, ao final de sua saga, foi
carregado pelas águas para nunca mais morrer.
Certo de que sua hora havia chegado, Arthur pede a Bedivere que o leve à praia, onde
três fadas o aguardam em uma barca. "Consola-te e faz quanto possas porque em mim
já não existe confiança para confiar. Devo ir ao vale de Avalon para curar a minha
grave ferida", diz o rei. Avalon é a mítica ilha das macieiras onde vivem os
heróis e deuses celtas e onde teria sido forjada a primeira espada de Arthur -
Caliburnius. Na Cornualha, o nome Avalon - que em galês refere-se à maçã - é
relacionado com a festa das maçãs, celebrada durante
o equinócio de outono. Acreditam alguns que Avalon é Glastonbury, onde tanto Arthur
quanto Guinevere teriam sido enterrados. A abadia de Glastonbury, onde repousaria o casal,
é tida também como o lugar de conservação do Graal.
O mito - A primeira referência literária ao Graal é O Conto do Graal, do francês
Chrétien de Troyes, em 1190. Todo o mito - e uma série interminável de canções,
livros e filmes - sobre o rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda tiveram seu
início ali. Tratava-se de um poema inacabado de 9 mil versos que relata a busca do Graal,
da qual Arthur nunca participou diretamente, e que acaba suspensa. Um mito por si só, O
Conto do Graal é uma obra de ficção baseada em personagens e histórias reais que serve
para fortalecer o espírito nacionalista do Reino Unido, unindo a figura de um governante
invencível a um símbolo cristão.
Mas por que o cálice teria sido levado para a Inglaterra? Do ponto de vista literário,
já foi explicado. Porém há outras histórias muito mais interessantes - e ousadas -
para explicar isto. Diz-se que durante sua permanência na Cornualha, Jesus havia recebido
em dádiva um cálice de um druida convertido ao cristianismo (isto entendido como "o
que era pregado por Cristo"), e por aquele objeto Jesus tinha um carinho especial.
Após a crucificação, José de Arimatéia quis levá-lo, santificado pelo sangue de
Cristo, ao seu antigo dono, o druida, que era Merlin, traço de união entre a religião
celta e a cristã.
É na obra de Robert de Boron, José de Arimatéia, que o mito retrocede no templo até
chegar a Cristo e à última Ceia. José de Arimatéia (veja box ao final deste artigo)
era um judeu muito rico, membro do supremo tribunal hebreu - o Sinédrio. É ele que, como
visto nos evangelhos, pede a Pilatos o corpo de Jesus para ser colocado em um sepulcro em
suas terras.
Boron conta que certa noite José é ferido na coxa por uma lança (perceba também,
sempre presente, as referências às lanças e espadas, símbolos do fogo, tanto nas
histórias de Jesus como de Arthur). Em outra versão, a ferida é nos genitais e a razão
seria a quebra do voto de castidade. Este fato está totalmente relacionado à traição
de Lancelot que seduz Guinevere, esposa de Arthur.
Após a batalha entre os dois, a espada de Arthur, Caliburnius, é quebrada - pois é
usada para fins mesquinhos - e jogada em um lago onde é recolhida pela Dama
do Lago antes que afunde. Depois lhe é oferecida outra espada, esta sim, Excalibur.
Somente uma única vez Boron chama a taça de Graal. Em um inciso, ele deduz que o
artefato já tinha uma história e um nome antes de ser usado por Jesus: "eu não
ouso contar, nem referir, nem poderia fazê-lo (...) as coisas ditas e feitas pelos grande
sábios. Naquele tempo foram escritas as razões secretas pelas quais o Graal foi
designado por este nome".
José de Arimatéia foi, portanto, o primeiro custódio do Graal. O segundo teria
sido seu genro, Bron. Algumas seitas sustentam que o ciclo do Graal não
estará fechado enquanto não aparecer o terceiro custódio. Esta resposta parece vir com
A Demanda do Graal, de autor desconhecido, que coloca Galahad como único entre os
cavaleiros merecedor de se tornar guardião do Graal.
O Graal-pedra - Toda a história é mudada quando contada pelo alemão Wolfram von
Eschenbach, quase ao mesmo que Boron. Em Parzifal, Eschenbach coloca na mão dos
Templários a guarda do Graal que não é uma taça, mas sim uma pedra:
Sobre uma verde esmeralda,/ Ela trazia o desejo do Paraíso:/ Era objeto que se chamava o
Graal! Para Eschenbach, o Graal era realmente uma pedra preciosa, pedra de luz
trazida do céu pelos anjos. Ele imprime ao nome do Graal uma estreita dependência com as
força cósmicas.
A pedra é chamada Exillis ou Lapis exillis, Lapis ex
coelis, que significa "pedra caída do céu". É a referência à esmeralda na
testa de Lúcifer, que representava seu Terceiro Olho. Quando Lúcifer, o anjo de Luz, se
rebelou e desceu aos mundos inferiores, a esmeralda partiu-se pois sua visão passou a ser
prejudicada.
Uma dos três pedaço ficou em sua testa, dando-lhe a visão deformada que foi a
única coisa que lhe restou. Outro pedaço caiu ou foi trazido à Terra pelos anjos que
permaneceram neutros durante a rebelião. Mais tarde, o Santo Graal teria sido escavado
neste pedaço.
Compare o Graal-pedra de Eschenbach com a não menos mítica Pedra Filosofal que
transformava metais comuns em ouro, homens em reis, iniciados em
adeptos; matéria e transmutação, seres humanos e sua transformação. O alemão têm
como modelo de fiéis depositários do cálice sagrado os Cavaleiros Templários. Seria
Wolfran von Eschenbach um Templário? Era a época em que Felipe de Plessiez estava à
frente da ordem quase centenária.
O próprio fato de ser a pedra uma esmeralda se relaciona com a cavalaria. Os cavaleiros
em demanda usavam sobre sua armadura a cor verde, sinônimo de vitalidade e esperança.
Malcom Godwin, escritor rosacruz, refere-se a Parzifal da seguinte maneira:
"Muitos comentadores argumentaram que a história de Parzifal contém, de modo
oculto, uma descrição astrológica e alquímica sobre como um indivíduo é transformado
de corpo grosseiro em formas mais e mais elevadas".
Nesta obra que é um retrato da Idade Média - feito por quem sabia muito bem sobre o que
estava falando - reconhece-se uma verdadeira ordem de cavalaria feminina, na qual se vê
Esclarmunda, a virgem guerreira cátara, trazendo o Santo Graal, precedida de 25 segurando
tochas, facas de prata e uma mesa talhada em uma esmeralda.
Na descrição do autor da cena de Parzifal no castelo do rei-pescador
(que, assim como Jesus, saciara a fome de muitas pessoas multiplicando um só peixe)
lemos: "Em seguida apareceram duas brancas virgens, a condessa de Tenabroc e uma
companheira, trazendo dois candelabros de ouro; depois uma duquesa e uma companheira,
trazendo dois pedestais de marfim; essas quatro primeiras usavam vestidos de escarlate
castanho; vieram então quatro damas vestidas de veludo verde, trazendo grandes tochas, em
seguida outras quatro vestidas de verde (...).
"Em seguida vieram as duas princesas precedidas por quatro inocentes donzelas;
traziam duas facas de prata sobre uma toalha. Enfim apareceram seis senhoritas, trazendo
seis copos diáfanos cheios de bálsamo que produzia uma bela chama, precedendo a Rainha
Despontar de Alegria; esta usava um diadema, e trazia sobre uma almofada de achmardi verde
(uma esmeralda) o Graal, 'superior a qualquer ideal terrestre'".
As histórias que fazem parte do chamado "ciclo do Graal" foram redigidas de
1180 até 1230 o que nos inclina a relacioná-las com a repressão sangrenta da heresia
cátara. Conta-se que durante o assalto das tropas do rei Felipe II à fortaleza de
Montsegur, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca que fez
os soldados recuarem, temendo ser um guardião do Graal. Alguns historiadores admitem que,
prevendo a derrota, os cátaros emparedaram o Graal em algum dos muros dos numerosos
subterrâneos de Montsegur e lá ele estaria até hoje.
A "Mesa de Esmeralda" evocada pelas histórias de fundo cátaro relacionam-se
de maneira óbvia com outra "mesa": a Tábua de Esmeralda atribuída a Hermes
Trimegistos. A partir daí o Graal-pedra cede lugar ao Graal-livro.
O Graal-livro - O Graal-taça é tido como um episódio místico e o Graal-pedra como a
matéria do conhecimento cristalizado em uma substância. Já o Graal-livro
é a própria tradição primordial, a mensagem escrita.Em José de Arimatéia, Robert de
Boron diz que "Jesus Cristo ensinou a José de Arimatéia as palavras secretas que
ninguém pode contar nem escrever sem ter lido o Grande Livro no qual elas estão
consignadas, as palavras que são pronunciadas no momento da consagração do Graal".
De fato, em Le Grand Graal, continuação da obra de Boron por um autor anônimo, o Graal
é associado - ou realmente é - um livro escrito por Jesus, o qual a leitura só pode
entender - ou iluminar - quem está nas graças de Deus. "As verdades de fé que este
contém não podem ser pronunciadas por língua mortal sem que os quatro elementos sejam
agitados. Se isso acontecesse realmente, os céus diluviariam, o ar tremeria, a terra
afundaria e a água mudaria de cor". O Graal-livro tem um terrível poder.
Um Graal científico - N' O Livro da Tradição, no capítulo referente ao Graal,
encontramos interessantes referências aos espetaculares fenômenos desencadeados pelas
esmeraldas e por outras pedras verdes.
Vale a pena reproduzir um trecho que mostra como encarar um assunto de um ponto de vista
religioso, místico ou científico, isoladamente é sempre uma maneira pobre de fazer uma
leitura.
"Uma descoberta muito recente parece confirmar a hipótese de um Graal possuindo uma
realidade a um só tempo sobre os planos espiritual e material, servindo o segundo como um
suporte para o primeiro.
"Segundo fontes precisas e confidenciais das quais não nos é possível indicar a
origem, os astronautas americanos da expedição da Apolo XIV teriam descoberto na Lua
amostras da pedra verde.
"A análise em laboratório revelou estranhas propriedades entre as quais a de
provocar, graças a certas emissões de nêutrons, um minicampo antigravitacional.
"As mesmas pedras verdes, chamadas 'pedras de lua' ou 'pedras das feiticeiras', são
também encontradas na Escócia (sendo entretanto raras), nas highlands e, segundo a
lenda, serviam às feiticeiras para fazer com que elas se deslocassem pelos ares (com que
então muitas vezes a realidade supera a ficção!).
"As mesmas amostras de rochas verdes estariam engastadas nos alicerces das
criptas das catedrais medievais, bem como na abadia do Monte Saint-Michel. A catedral de
Colônia desfrutaria dessa particularidade, o que teria feito com que ela se beneficiasse
com uma miraculo-sa proteção por ocasião dos bombardeios terríveis que destruíram a
cidade em 1944-45 (o campo de for-ça assim criado teria desviado a trajetória das
bombas)".
É lógico que esta explicação física para o Graal não exclui a existência de um
Graal espiritual e místico do qual o objeto material seria o reflexo.
Ao final, pergunta-se: qual a natureza do Graal? Cálice, pedra ou livro? Sendo o
Graal uma realidade nos planos espiritual, material e humano podemos concebê-lo como
"um objeto-pedra (esmeralda) em forma de taça servindo como meio de comunicação
entre o céu e a terra segundo um processo descrito e explicado por um livro".
Somente homens puros (Percival e Galahad são os arquétipos) poderão servir como ponte e
tornarem-se detentores do segredo do Graal que abre caminho aos planos superiores da
existência.
Esta raça pura, filha da "raça solar", é denominada "raça do Arco"
- ou do "arco-íris", porque as cores expressas no prisma solar (também chamado
lenço de Íris) são a manifestação física dos diferentes poderes que o homem pode
despertar através do Graal.
Isso possivelmente só será conseguido no final dos tempos, como encontramos
no Apocalipse de João (4:2-3): "Logo fui arrebatado em espírito e vi um trono no
céu, no qual Alguém estava sentado. O que estava sentado era, na aparência, semelhante
à pedra de jaspe e de sardônio; e um arco-íris rodeava o trono, semelhante à
esmeralda".
José de Arimatéia, um "judeu-cristão"
Robert de Boron conta que os judeus, ao descobrirem José de Arimatéia, prendem-no em
uma cela sem janelas onde todos os dias uma pomba se materializa deixando-lhe uma hóstia,
seu único alimento durante todo o cárcere, graças ao qual sobrevive. José esconde a
taça que Jesus usou na Última Ceia, a mesma que ele próprio usou para recolher o sangue
de Cristo antes de colocá-lo na tumba.
Ao ser libertado, viaja para a Inglaterra com um grupo de seguidores e funda a Segunda
Mesa da Última Ceia, ao redor da qual sentam doze pessoas (conforme a Távola Redonda).
No lugar de Cristo é colocado um peixe.
O assento de Judas Escariostes fica vazio e quando alguém tenta ocupá-lo é
"devorado pelo lugar" de forma misteriosa. A partir desse momento esse assento
é conhecido como a Cadeira Perigosa (mesmo nome do assento da Távola Redonda que também
ficava vazio e só poderia ser ocupado pelo "cavaleiro mais vituoso do mundo".
Em algumas versões, é o assento de Lancelot que sempre fica vazio. Lancelot, o mais
dedicado cavaleiro, que assim como Judas em relaçao a Jesus, era o que mais amava Arthur
e também o que o traiu).
José de Arimatéia fundou sua congregação em Glastonbury. No lugar onde teria
edificado sua igreja com barro e palha há os restos de uma abadia muito posterior. A
mesma onde se diz estarem enterrados Arthur e Guinevere e onde estaria o Santo Graal.
Transcrito da revista ISIS, maio de 1997 - Sandro Fortunato
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