Reis
Como Caeiro seu mestre, aconselha a aceitar calmamente
a ordem das coisas. [...] Ambos elogiam a magna quies do viver campestre, indiferentes
ao social, convencidos de que a sabedoria está em gozar a vida pensando
o menos possível. [...] Vai à conquista do prazer relativo, sempre
toldado pela tristeza de saber que o é. O seu fito é iludir (melhor:
eludir) a dor construindo virilmente o próprio destino no restrito âmbito
de liberdade que lhe é dado.
Tudo o mais é inútil submissão voluntária a um destino
involuntário.
Jacinto do Prado Coelho. Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa. Lisboa: Verbo, 1973, p.23/25
Reis - NiilismoA filosofia de Reis é um niilismo total. Ele repete incansavelmente, no mesmo tom desencantado, sem qualquer emoção aparente, sem qualquer tremura na voz, que o ser é apenas um clarão fugitivo à beira do nada.
«Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.»
Não somos nada, não temos nada, não
fazemos nada que dure. A vida é um breve adiamento da morte. Reis tem
uma consciência intensa da brevidade de tudo, da perpétua ameaça
do tempo que corre, da fragilidade das nossas obras, que se desfazem em pó
ou em fumo como os nossos corpos. Ele soube encontrar imagens grandiosas para
cantar a inutilidade de tudo e o esquecimento, a miséria da condição
do homem, sujeito ao destino e aos deuses.
[...] Esta visão niilista do mundo e da condição humana
é o aspecto mais clássico e talvez mais banal da obra de Reis.
Ela poder-lhe-ia inspirar um sentido trágico da vida, fazer dele um revoltado
e um imprecador. Mas pelo contrário, ele baseia nesse pessimismo uma
ética da aceitação total. Por uma via muito diferente da
de Caeiro, ele vai também encontrar a única felicidade possível
num «sim» dito à criação. Um «sim»
mais ambíguo do que o do seu companheiro, mais carregado de dúvidas
e de restrições mentais, sem nada da pretensa inocência
do poeta bucólico. O que é mais original em Reis é essa
estratégia de uma sabedoria paradoxal que situa a liberdade no coração
da servidão e a alegria no coração da infelicidade de existir.
Liberdade e alegria tomam a forma da «serenidade», a ataraxia dos
Gregos: a imobilidade do eixo em volta do qual gira a roda do tempo.
Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 242-244.