LIVRO DE
JOB
CAPITULOS
Capitulo 1
1 Havia um
homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e era este homem íntegro,
reto e temente a Deus e desviava-se do mal.
2 E nasceram-lhe
sete filhos e três filhas.
3 E o seu
gado era de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas
de bois e quinhentas jumentas; eram também muitíssimos os
servos a seu serviço, de maneira que este homem era maior do que
todos os do oriente.
4 E iam seus
filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua
vez; e mandavam convidar as suas três irmäs a comerem e beberem
com eles.
5 Sucedia,
pois, que, decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó,
e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo
o número de todos eles; porque dizia Jó: Talvez pecaram meus
filhos, e amaldiçoaram a Deus no seu coraçäo. Assim
fazia Jó continuamente.
6 E num dia
em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também
Satanás entre eles.
7 Entäo
o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu
ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.
8 E disse
o SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque
ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro
e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
9 Entäo
respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: Porventura teme Jó
a Deus debalde?
10 Porventura
tu näo cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem?
A obra de suas mäos abençoaste e o seu gado se tem aumentado
na terra.
11 Mas estende
a tua mäo, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se näo
blasfema contra ti na tua face.
12 E disse
o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua
mäo; somente contra ele näo estendas a tua mäo. E Satanás
saiu da presença do SENHOR.
13 E sucedeu
um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam, e bebiam vinho, na casa
de seu irmäo primogênito,
14 Que veio
um mensageiro a Jó, e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas
pastavam junto a eles;
15 E deram
sobre eles os sabeus, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada;
e só eu escapei para trazer-te a nova.
16 Estando
este ainda falando, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu,
e queimou as ovelhas e os servos, e os consumiu, e só eu escapei
para trazer-te a nova.
17 Estando
ainda este falando, veio outro, e disse: Ordenando os caldeus três
tropas, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio
da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova.
18 Estando
ainda este falando, veio outro, e disse: Estando teus filhos e tuas filhas
comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmäo primogênito,
19 Eis que
um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos
da casa, que caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu escapei para
trazer-te a nova.
20 Entäo
Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça,
e se lançou em terra, e adorou.
21 E disse:
Nu saí do ventre de minha mäe e nu tornarei para lá;
o SENHOR o deu, e o SENHOR o tomou: bendito seja o nome do SENHOR.
22 Em tudo
isto Jó näo pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.
Capitulo 2
1 E, vindo
outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR,
veio também Satanás entre eles, apresentar-se perante o SENHOR.
2 Entäo
o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? E respondeu Satanás
ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.
3 E disse
o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém
há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente
a Deus e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade,
havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa.
4 Entäo
Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: Pele por pele, e tudo quanto
o homem tem dará pela sua vida.
5 Porém
estende a tua mäo, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás
se näo blasfema contra ti na tua face!
6 E disse
o SENHOR a Satanás: Eis que ele está na tua mäo; porém
guarda a sua vida.
7 Entäo
saiu Satanás da presença do SENHOR, e feriu a Jó de
úlceras malignas, desde a planta do pé até ao alto
da cabeça.
8 E Jó
tomou um caco para se raspar com ele; e estava assentado no meio da cinza.
9 Entäo
sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa
a Deus, e morre.
10 Porém
ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de
Deus, e näo receberíamos o mal? Em tudo isto näo pecou
Jó com os seus lábios.
11 Ouvindo,
pois, três amigos de Jó todo este mal que tinha vindo sobre
ele, vieram cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, e Bildade o suíta,
e Zofar o naamatita; e combinaram condoer-se dele, para o consolarem.
12 E, levantando
de longe os seus olhos, näo o conheceram; e levantaram a sua voz e
choraram, e rasgaram cada um o seu manto, e sobre as suas cabeças
lançaram pó ao ar.
13 E assentaram-se
com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma,
porque viam que a dor era muito grande.
Capitulo 3
1 Depois disto
abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.
2 E Jó,
falando, disse:
3 Pereça
o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!
4 Converta-se
aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, näo tenha cuidado
dele, nem resplandeça sobre ele a luz.
5 Contaminem-no
as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; a escuridäo
do dia o espante!
6 Quanto àquela
noite, dela se apodere a escuridäo; e näo se regozije ela entre
os dias do ano; e näo entre no número dos meses!
7 Ah! que
solitária seja aquela noite, e nela näo entre voz de júbilo!
8 Amaldiçoem-na
aqueles que amaldiçoam o dia, que estäo prontos para suscitar
o seu pranto.
9 Escureçam-se
as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e näo venha;
e näo veja as pálpebras da alva;
10 Porque
näo fechou as portas do ventre; nem escondeu dos meus olhos a canseira.
11 Por que
näo morri eu desde a madre? E em saindo do ventre, näo expirei?
12 Por que
me receberam os joelhos? E por que os peitos, para que mamasse?
13 Porque
já agora jazeria e repousaria; dormiria, e entäo haveria repouso
para mim.
14 Com os
reis e conselheiros da terra, que para si edificam casas nos lugares assolados,
15 Ou com
os príncipes que possuem ouro, que enchem as suas casas de prata,
16 Ou como
aborto oculto, näo existiria; como as crianças que näo
viram a luz.
17 Ali os
maus cessam de perturbar; e ali repousam os cansados.
18 Ali os
presos juntamente repousam, e näo ouvem a voz do exator.
19 Ali está
o pequeno e o grande, e o servo livre de seu senhor.
20 Por que
se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ánimo?
21 Que esperam
a morte, e ela näo vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros
ocultos;
22 Que de
alegria saltam, e exultam, achando a sepultura?
23 Por que
se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus
o encobriu?
24 Porque
antes do meu päo vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam
como água.
25 Porque
aquilo que temia me sobreveio; e o que receava me aconteceu.
26 Nunca estive
tranqüilo, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbaçäo.
Capitulo 4
1 Entäo
respondeu Elifaz o temanita, e disse:
2 Se intentarmos
falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderia conter as palavras?
3 Eis que
ensinaste a muitos, e tens fortalecido as mäos fracas.
4 As tuas
palavras firmaram os que tropeçavam e os joelhos desfalecentes tens
fortalecido.
5 Mas agora,
que se trata de ti, te enfadas; e tocando-te a ti, te perturbas.
6 Porventura
näo é o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança
a integridade dos teus caminhos?
7 Lembra-te
agora qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros
destruídos?
8 Segundo
eu tenho visto, os que lavram iniqüidade, e semeiam mal, segam o mesmo.
9 Com o hálito
de Deus perecem; e com o sopro da sua ira se consomem.
10 O rugido
do leäo, e a voz do leäo feroz, e os dentes dos leöezinhos
se quebram.
11 Perece
o leäo velho, porque näo tem presa; e os filhos da leoa andam
dispersos.
12 Uma coisa
me foi trazida em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela.
13 Entre pensamentos
vindos de visöes da noite, quando cai sobre os homens o sono profundo,
14 Sobrevieram-me
o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.
15 Entäo
um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos
da minha carne.
16 Parou ele,
porém näo conheci a sua feiçäo; um vulto estava
diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz que dizia:
17 Seria porventura
o homem mais justo do que Deus? Seria porventura o homem mais puro do que
o seu Criador?
18 Eis que
ele näo confia nos seus servos e aos seus anjos atribui loucura;
19 Quanto
menos àqueles que habitam em casas de lodo, cujo fundamento está
no pó, e säo esmagados como a traça!
20 Desde a
manhä até à tarde säo despedaçados; e eternamente
perecem sem que disso se faça caso.
21 Porventura
näo passa com eles a sua excelência? Morrem, mas sem sabedoria.
Capitulo 5
1 Chama agora;
há alguém que te responda? E para qual dos santos te virarás?
2 Porque a
ira destrói o louco; e o zelo mata o tolo.
3 Bem vi eu
o louco lançar raízes; porém logo amaldiçoei
a sua habitaçäo.
4 Seus filhos
estäo longe da salvaçäo; e säo despedaçados
às portas, e näo há quem os livre.
5 A sua messe,
o faminto a devora, e até dentre os espinhos a tira; e o salteador
traga a sua fazenda.
6 Porque do
pó näo procede a afliçäo, nem da terra brota o
trabalho.
7 Mas o homem
nasce para a tribulaçäo, como as faíscas se levantam
para voar.
8 Porém
eu buscaria a Deus; e a ele entregaria a minha causa.
9 Ele faz
coisas grandes e inescrutáveis, e maravilhas sem número.
10 Ele dá
a chuva sobre a terra, e envia águas sobre os campos.
11 Para pór
aos abatidos num lugar alto; e para que os enlutados se exaltem na salvaçäo.
12 Ele aniquila
as imaginaçöes dos astutos, para que as suas mäos näo
possam levar coisa alguma a efeito.
13 Ele apanha
os sábios na sua própria astúcia; e o conselho dos
perversos se precipita.
14 Eles de
dia encontram as trevas; e ao meio dia andam às apalpadelas como
de noite.
15 Porém
ao necessitado livra da espada, e da boca deles, e da mäo do forte.
16 Assim há
esperança para o pobre; e a iniqüidade tapa a sua boca.
17 Eis que
bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende; näo desprezes,
pois, a correçäo do Todo-Poderoso.
18 Porque
ele faz a chaga, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mäos curam.
19 Em seis
angústias te livrará; e na sétima o mal näo te
tocará.
20 Na fome
te livrará da morte; e na guerra, da violência da espada.
21 Do açoite
da língua estarás encoberto; e näo temerás a
assolaçäo, quando vier.
22 Da assolaçäo
e da fome te rirás, e os animais da terra näo temerás.
23 Porque
até com as pedras do campo terás o teu acordo, e as feras
do campo seräo pacíficas contigo.
24 E saberás
que a tua tenda está em paz; e visitarás a tua habitaçäo,
e näo pecarás.
25 Também
saberás que se multiplicará a tua descendência e a
tua posteridade como a erva da terra,
26 Na velhice
irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu
tempo.
27 Eis que
isto já o havemos inquirido, e assim é; ouve-o, e medita
nisso para teu bem.
Capitulo 6
1 Entäo
Jó respondeu, dizendo:
2 Oh! se a
minha mágoa retamente se pesasse, e a minha miséria juntamente
se pusesse numa balança!
3 Porque,
na verdade, mais pesada seria, do que a areia dos mares; por isso é
que as minhas palavras têm sido engolidas.
4 Porque as
flechas do Todo-Poderoso estäo em mim, cujo ardente veneno suga o
meu espírito; os terrores de Deus se armam contra mim.
5 Porventura
zurrará o jumento montês junto à relva? Ou mugirá
o boi junto ao seu pasto?
6 Ou comer-se-á
sem sal o que é insípido? Ou haverá gosto na clara
do ovo?
7 A minha
alma recusa tocá-las, pois säo para mim como comida repugnante.
8 Quem dera
que se cumprisse o meu desejo, e que Deus me desse o que espero!
9 E que Deus
quisesse quebrantar-me, e soltasse a sua mäo, e me acabasse!
10 Isto ainda
seria a minha consolaçäo, e me refrigeraria no meu tormento,
näo me poupando ele; porque näo ocultei as palavras do Santo.
11 Qual é
a minha força, para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para
que tenha ainda paciência?
12 E porventura
a minha força a força da pedra? Ou é de cobre a minha
carne?
13 Está
em mim a minha ajuda? Ou desamparou-me a verdadeira sabedoria?
14 Ao que
está aflito devia o amigo mostrar compaixäo, ainda ao que deixasse
o temor do Todo-Poderoso.
15 Meus irmäos
aleivosamente me trataram, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros
que passam,
16 Que estäo
encobertos com a geada, e neles se esconde a neve,
17 No tempo
em que se derretem com o calor, se desfazem, e em se aquentando, desaparecem
do seu lugar.
18 Desviam-se
as veredas dos seus caminhos; sobem ao vácuo, e perecem.
19 Os caminhantes
de Tema os vêem; os passageiros de Sabá esperam por eles.
20 Ficam envergonhados,
por terem confiado e, chegando ali, se confundem.
21 Agora sois
semelhantes a eles; vistes o terror, e temestes.
22 Acaso disse
eu: Dai-me ou oferecei-me presentes de vossos bens?
23 Ou livrai-me
das mäos do opressor? Ou redimi-me das mäos dos tiranos?
24 Ensinai-me,
e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei.
25 Oh! quäo
fortes säo as palavras da boa razäo! Mas que é o que censura
a vossa argüiçäo?
26 Porventura
buscareis palavras para me repreenderdes, visto que as razöes do desesperado
säo como vento?
27 Mas antes
lançais sortes sobre o órfäo; e cavais uma cova para
o amigo.
28 Agora,
pois, se sois servidos, olhai para mim; e vede se minto em vossa presença.
29 Voltai,
pois, näo haja iniqüidade; tornai-vos, digo, que ainda a minha
justiça aparecerá nisso.
30 Há
porventura iniquidade na minha língua? Ou näo poderia o meu
paladar distinguir coisas iníquas?
Capitulo 7
1 Porventura
näo tem o homem guerra sobre a terra? E näo säo os seus
dias como os dias do jornaleiro?
2 Como o servo
que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
3 Assim me
deram por herança meses de vaidade; e noites de trabalho me prepararam.
4 Deitando-me
a dormir, entäo digo: Quando me levantarei? Mas comprida é
a noite, e farto-me de me revolver na cama até à alva.
5 A minha
carne se tem vestido de vermes e de torröes de pó; a minha
pele está gretada, e se fez abominável.
6 Os meus
dias säo mais velozes do que a lançadeira do teceläo,
e acabam-se, sem esperança.
7 Lembra-te
de que a minha vida é como o vento; os meus olhos näo tornaräo
a ver o bem.
8 Os olhos
dos que agora me vêem näo me veräo mais; os teus olhos
estaräo sobre mim, porém näo serei mais.
9 Assim como
a nuvem se desfaz e passa, assim aquele que desce à sepultura nunca
tornará a subir.
10 Nunca mais
tornará à sua casa, nem o seu lugar jamais o conhecerá.
11 Por isso
näo reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito;
queixar-me-ei na amargura da minha alma.
12 Sou eu
porventura o mar, ou a baleia, para que me ponhas uma guarda?
13 Dizendo
eu: Consolar-me-á a minha cama; meu leito aliviará a minha
ánsia;
14 Entäo
me espantas com sonhos, e com visöes me assombras;
15 Assim a
minha alma escolheria antes a estrangulaçäo; e antes a morte
do que a vida.
16 A minha
vida abomino, pois näo viveria para sempre; retira-te de mim; pois
vaidade säo os meus dias.
17 Que é
o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas nele o teu coraçäo,
18 E cada
manhä o visites, e cada momento o proves?
19 Até
quando näo apartarás de mim, nem me largarás, até
que engula a minha saliva?
20 Se pequei,
que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo
para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?
21 E por que
näo perdoas a minha transgressäo, e näo tiras a minha iniqüidade?
Porque agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás,
e näo existirei mais.
Capitulo 8
1 Entäo
respondendo Bildade o suíta, disse:
2 Até
quando falarás tais coisas, e as palavras da tua boca seräo
como um vento impetuoso?
3 Porventura
perverteria Deus o direito? E perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
4 Se teus
filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mäo
da sua transgressäo.
5 Mas, se
tu de madrugada buscares a Deus, e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia;
6 Se fores
puro e reto, certamente logo despertará por ti, e restaurará
a morada da tua justiça.
7 O teu princípio,
na verdade, terá sido pequeno, porém o teu último
estado crescerá em extremo.
8 Pois, eu
te peço, pergunta agora às geraçöes passadas;
e prepara-te para a inquiriçäo de seus pais.
9 Porque nós
somos de ontem, e nada sabemos; porquanto nossos dias sobre a terra säo
como a sombra.
10 Porventura
näo te ensinaräo eles, e näo te falaräo, e do seu coraçäo
näo tiraräo palavras?
11 Porventura
cresce o junco sem lodo? Ou cresce a espadana sem água?
12 Estando
ainda no seu verdor, ainda que näo cortada, todavia antes de qualquer
outra erva se seca.
13 Assim säo
as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; e a esperança do
hipócrita perecerá.
14 Cuja esperança
fica frustrada; e a sua confiança será como a teia de aranha.
15 Encostar-se-á
à sua casa, mas ela näo subsistirá; apegar-se-á
a ela, mas näo ficará em pé.
16 Ele é
viçoso perante o sol, e os seus renovos saem sobre o seu jardim;
17 As suas
raízes se entrelaçam, junto à fonte; para o pedregal
atenta.
18 Se Deus
o consumir do seu lugar, negá-lo-á este, dizendo: Nunca te
vi!
19 Eis que
este é a alegria do seu caminho, e outros brotaräo do pó.
20 Eis que
Deus näo rejeitará ao reto; nem toma pela mäo aos malfeitores;
21 Até
que de riso te encha a boca, e os teus lábios de júbilo.
22 Os que
te odeiam se vestiräo de confusäo, e a tenda dos ímpios
näo existirá mais.
Capitulo 9
1 Entäo
Jó respondeu, dizendo:
2 Na verdade
sei que assim é; porque, como se justificaria o homem para com Deus?
3 Se quiser
contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder.
4 Ele é
sábio de coraçäo, e forte em poder; quem se endureceu
contra ele, e teve paz?
5 Ele é
o que remove os montes, sem que o saibam, e o que os transtorna no seu
furor.
6 O que sacode
a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem.
7 O que fala
ao sol, e ele näo nasce, e sela as estrelas.
8 O que sozinho
estende os céus, e anda sobre os altos do mar.
9 O que fez
a Ursa, o Orion, e o Sete-estrelo, e as recámaras do sul.
10 O que faz
coisas grandes e inescrutáveis; e maravilhas sem número.
11 Eis que
ele passa por diante de mim, e näo o vejo; e torna a passar perante
mim, e näo o sinto.
12 Eis que
arrebata a presa; quem lha fará restituir? Quem lhe dirá:
Que é o que fazes?
13 Deus näo
revogará a sua ira; debaixo dele se encurvam os auxiliadores soberbos.
14 Quanto
menos lhe responderia eu, ou escolheria diante dele as minhas palavras!
15 Porque,
ainda que eu fosse justo, näo lhe responderia; antes ao meu Juiz pediria
misericórdia.
16 Ainda que
chamasse, e ele me respondesse, nem por isso creria que desse ouvidos à
minha voz.
17 Porque
me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa.
18 Näo
me permite respirar, antes me farta de amarguras.
19 Quanto
às forças, eis que ele é o forte; e, quanto ao juízo,
quem me citará com ele?
20 Se eu me
justificar, a minha boca me condenará; se for perfeito, entäo
ela me declarará perverso.
21 Se for
perfeito, näo estimo a minha alma; desprezo a minha vida.
22 A coisa
é esta; por isso eu digo que ele consome ao perfeito e ao ímpio.
23 Quando
o açoite mata de repente, entäo ele zomba da prova dos inocentes.
24 A terra
é entregue nas mäos do ímpio; ele cobre o rosto dos
juízes; se näo é ele, quem é, logo?
25 E os meus
dias säo mais velozes do que um correio; fugiram, e näo viram
o bem.
26 Passam
como navios veleiros; como águia que se lança à comida.
27 Se eu disser:
Eu me esquecerei da minha queixa, e mudarei o meu aspecto e tomarei alento,
28 Receio
todas as minhas dores, porque bem sei que näo me terás por
inocente.
29 E, sendo
eu ímpio, por que trabalharei em väo?
30 Ainda que
me lave com água de neve, e purifique as minhas mäos com sabäo,
31 Ainda me
submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominaräo.
32 Porque
ele näo é homem, como eu, a quem eu responda, vindo juntamente
a juízo.
33 Näo
há entre nós árbitro que ponha a mäo sobre nós
ambos.
34 Tire ele
a sua vara de cima de mim, e näo me amedronte o seu terror.
35 Entäo
falarei, e näo o temerei; porque näo sou assim em mim mesmo.
Capitulo 10
1 A minha
alma tem tédio da minha vida; darei livre curso à minha queixa,
falarei na amargura da minha alma.
2 Direi a
Deus: Näo me condenes; faze-me saber por que contendes comigo.
3 Parece-te
bem que me oprimas, que rejeites o trabalho das tuas mäos e resplandeças
sobre o conselho dos ímpios?
4 Tens tu
porventura olhos de carne? Vês tu como vê o homem?
5 Säo
os teus dias como os dias do homem? Ou säo os teus anos como os anos
de um homem,
6 Para te
informares da minha iniqüidade, e averiguares o meu pecado?
7 Bem sabes
tu que eu näo sou iníquo; todavia ninguém há
que me livre da tua mäo.
8 As tuas
mäos me fizeram e me formaram completamente; contudo me consomes.
9 Peço-te
que te lembres de que como barro me formaste e me farás voltar ao
pó.
10 Porventura
näo me vazaste como leite, e como queijo näo me coalhaste?
11 De pele
e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste.
12 Vida e
misericórdia me concedeste; e o teu cuidado guardou o meu espírito.
13 Porém
estas coisas as ocultaste no teu coraçäo; bem sei eu que isto
esteve contigo.
14 Se eu pecar,
tu me observas; e da minha iniqüidade näo me escusarás.
15 Se for
ímpio, ai de mim! E se for justo, näo levantarei a minha cabeça;
farto estou da minha ignomínia; e vê qual é a minha
afliçäo,
16 Porque
se vai crescendo; tu me caças como a um leäo feroz; tornas
a fazer maravilhas para comigo.
17 Tu renovas
contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; revezes
e combate estäo comigo.
18 Por que,
pois, me tiraste da madre? Ah! se entäo tivera expirado, e olho nenhum
me visse!
19 Entäo
eu teria sido como se nunca fora; e desde o ventre seria levado à
sepultura!
20 Porventura
näo säo poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que
por um pouco eu tome alento.
21 Antes que
eu vá para o lugar de que näo voltarei, à terra da escuridäo
e da sombra da morte;
22 Terra escuríssima,
como a própria escuridäo, terra da sombra da morte e sem ordem
alguma, e onde a luz é como a escuridäo.