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Periferia concentra denúncias contra policiaisSegundo ouvidor, os pobres são o alvo preferencial de crimes cometidos pela polícia; lei e regimento de corporação favorecem abusos e dificultam punição de maus policiais
MARCELO GODOY Assassinatos, espancamentos, torturas e abuso de autoridade. As principais denúncias de violência policial estão concentradas na periferia de São Paulo. De 24 denúncias de assassinato na capital feitas contra policiais na Ouvidoria da Polícia de São Paulo, 20 ocorreram em bairros pobres ou da periferia e 4 em bairros de classe média ou mais próximos do centro.
"A implicação mais genérica desse fato é que o alvo preferencial da violência policial são os pobres, sobretudo quando se trata de violência física", diz o ouvidor Benedito Domingos Mariano. Esse é o caso de uma denúncia apresentada em 19 de dezembro na ouvidoria. De acordo com ela, dois amigos, L.S.C. e M.S.S., foram detidos e espancados por PMs do Tático Móvel na zona leste, sob a alegação de que estavam com armas e drogas. Os policiais teriam tentado receber propina dos acusados para não levá-los à delegacia, o que acabou sendo feito. Os detidos foram presos por porte ilegal de arma. "Como a PM pode controlar seus homens com o atual regimento disciplinar que considera destratar um cavalo da corporação uma falta mais grave que espancar alguém na rua?", pergunta o ouvidor. A Assembléia Legislativa está para votar nova versão do regimento, eliminando essas distorções. Para o advogado Jairo Fonseca, membro do Conselho Estadual de Política Criminal, os mecanismos de controle interno da PM não tiveram o condão de evitar esse tipo de conduta nem a de policiais, como os cinco da cavalaria acusados do assassinato de três jovens em Praia Grande. Além disso, afirma o advogado, continua a violência em delegacias contra suspeitos de atos ilícitos. Ele diz que recentemente foi procurado por uma mulher, nesta semana, vítima de um policial civil de Barueri, na região metropolitana de São Paulo. "Ela levou tapas e socos para confessar onde estavam as jóias cujo roubo era investigado pelo policial." Justiça Militar - O advogado Itagiba Faria Ferreira Cravo, do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, relata o caso de um cliente que era constantemente espancado por um PM no Parque São Lucas, na zona leste. "O policial disse-lhe que tinha apenas seis anos de corporação e ia espancá-lo todo dia até aposentar-se." Para evitar novos surras, o advogado aconselhou seu cliente a procurar a Justiça Militar e denunciar o policial. Aí, surgiu um outro problema: a falta de punição das lesões corporais na Justiça Militar. Só a 3ª Auditoria Militar tem 118 processos de lesão corporal suspensos com base na Lei 9.099. Essa lei permite aos réus primários a suspensão dos processos por dois anos em troca do pagamento de multas ou prestação de serviços à comunidade. "Depois da Lei 9.099, ficou mais difícil ainda conseguir a condenação de um policial violento na Justiça Militar", diz o advogado, autor de um livro sobre o Código de Processo Penal Militar. Atualmente, só são processados os PMs reincidentes em espancamentos e cujas vítimas expressaram o desejo de acusá-lo. Reação - Para evitar a violência policial na periferia e aumentar o controle da ação dos policiais, a PM conta com o projeto de Policiamento Comunitário. A iniciativa, que busca aproximar polícia e comunidade, é aprovada pela Comissão de Direitos Humanos da seção paulista Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP). "Hoje, não se faz mais segurança sozinho; a PM percebeu
isso e quer que o cidadão venha às nossas unidades e opine", diz o coordenador do
projeto, coronel Valdir Suzano. No Estado, há 203 bases de policiamento comunitário -
duas delas no Jardim Ângela, bairro da zona sul de São Paulo recordista em homicídios. |