III

PRIMEIROS CONHECIMENTOS

 

Acordei bem disposta, estava sozinha, as lembranças vieram-me à mente. “Bem — concluí — se desencarnei, tenho que me adaptar rápido e aprender como viver desencarnada”.

Tinha lido muitos livros espíritas, gosto muito de ler. E me veio à lembrança o livro Nosso Lar, de André Luiz. O autor narra bem como é viver numa Colônia. E, se estava numa Colônia, só tinha motivos para agradecer. Desencarnei e não vaguei, não sofri, não fui para o Umbral. Estava sendo socorrida e me sentia ótima.

Observei curiosa o quarto. Era simples, limpíssimo, com um armário, uma mesinha, duas cadeiras e uma poltrona. Na parede um espelho. Mas havia duas portas e uma janela.

—Será que levanto? — falei baixinho.

Após uma leve batidinha na porta, Maurício entrou sorrindo. Me deu vontade de perguntar por que ria tanto, mas não fiz, preferi sorrir também.

—Bom dia, menina Patrícia. Como está?

—Bom dia.

—Você também tem um lindo sorriso. Gosto de sorrir, fico menos feio e não assusto tanto. Depois sou tão feliz...

Senti meu rosto queimar, devo ter ficado vermelha, ele pareceu nem notar e continuou a falar alegremente.

—Acordou disposta, está muito bem. Levante se quiser e fique à vontade.

—Sinto muito sono, acordo e quero dormir novamente. Dormi muito? Quantos dias?

—Você desencarnou há dezesseis dias. Dorme muito porque estamos atendendo a seu pai, que nos pediu que a adormecêssemos nestes dias.

—Por quê?

—Achamos que é melhor para você. Assim, neste período difícil que é para os encarnados a perda de um ente querido, você dormindo não sente.

—Estão sofrendo muito?

—É natural que sofram. Seu desencarne foi rápido, não esperavam, você estava tão bem. Não deve se preocupar, o tempo se encarrega de suavizar todas as dores.

—Acho que vou dormir de novo.

Acomodei-me e dormi. Meu sono era tranquilo e gostoso. Quando acordei, estava só. Orei com fé, agradeci ao Pai o muito que recebia, roguei a Jesus amparo a minha família, pedi consolo a eles. Eu os amava e era amada. Se eles queriam que estivesse bem e feliz, eu desejava alegria a eles. Orei pensando em todos, um de cada vez. Senti mamãe triste. Ao pensar em papai, senti-o como se estivesse na minha frente a dizer com sua voz forte: “Patrícia, minha filha, não tenha dó de você, não deixe a autopiedade lhe esmorecer. Seja forte, quero-a alegre. Sorria! A vida é bela, estando cá ou aí não importa, o que precisamos é estar com Deus. Amigos cuidam de você, receba seus carinhos. Fortaleça-se, não tema. Você está bem, esforce-se por ser feliz. Estaremos sempre juntos. Você não deve se importar com a perda do seu corpo carnal, deve entender que a vida lhe é grata. Ore. Sinta nosso carinho e sorria”.

Fiquei animada, levantei, abri a outra porta e deparei-me com um banheiro bem bonito, limpo e simples. Abri a torneira da pia, a água com a temperatura ambiente era agradável e límpida. Lavei minhas mãos e rosto. Olhei no espelho. Estava com ótima aparência. Ajeitei meus cabelos. Voltei ao quarto, abri o armário e deparei-me com algumas de minhas roupas. Não gostava de ficar com roupa de dormir, escolhi uma calça jeans e uma camiseta amarela e me troquei. Senti-me muito bem. Desencarnei no inverno, a temperatura estava bem fria, mas ali não sentia frio.

Ouvi batidas na porta, logo em seguida Maurício entrou, desta vez fui eu quem sorriu. Trouxe uma bandeja que colocou em cima da mesa.

—Que alegria vê-la tão bem!

—Maurício, não estamos no inverno? Aqui não faz frio?

—Nem frio, nem calor. Nas Colônias a temperatura é sempre suave e agradável. No Umbral, a temperatura varia como para os encarnados.

Descobriu a bandeja, continha alimentos.

—Patrícia, venha comer.

—Pensei que não ia mas necessitar de alimentos.

—A impressão de encarnado não se perde da noite para o dia.

—Você se alimenta?

—Não, — sorriu — não desta forma. Lembro-a que o perispírito de que agora está revestida é ainda matéria. Somente aos poucos deixará de se alimentar e, para isto, é necessário aprender a se prover de outras fontes de energia. Se quiser se banhar, fique à vontade, a sala de banhos ou banheiro está logo ali. Você, como tinha bons hábitos de higiene, é natural, só deixará de fazer o que estava acostumada quando aprender a se higienizar pela força de vontade.

—E estas roupas? São minhas. Como vieram parar aqui?

—Certamente não são as mesmas. Encarnada vestia roupas da matéria. Aqui são diferentes, são roupas próprias para desencarnados. Estas são cópias das que tinha. Plasmei para agradá-la. Troque-as à vontade.

—Obrigada. Acontece assim com todos que desencarnam?

—Não. Você, Patrícia, veio ter na Colônia por mérito e afinidades. Fez, encarnada, muitos amigos aqui, é querida. Amigos são para ajudar. No seu caso, tentamos agradá-la. Infelizmente não é para todos que podemos fazer estes agrados. A maioria veste roupas confeccionadas com fluidos mentais, fabricadas na Colônia. Como esta minha. Patrícia, somos companheiros de trabalho de seu pai. Ele nos pediu, confiou-nos você e espero cuidar bem da menina.

—Não fui para uma enfermaria.

—Se fosse, não acharia ruim. Talvez por não desejar exclusividade que podemos fazer tudo isto por você. Quartos individuais são para poucos somente. Alimente-se.

Havia na bandeja frutas, doces e pães. Peguei uma pêra, estava deliciosa, comi-a num instante. Comi de tudo para experimentar. As frutas são saborosas, os pães macios e deliciosos.

Maurício me observava sempre sorrindo. Acabei de comer e o olhei. Queria tomar banho, estava com vergonha de dizer. Parecia tão estranho! Desencarnei e estava me alimentando e sentia vontade de tomar banho.

—Menina Patrícia — disse meu amigo — fique à vontade. Tome banho, escove os dentes, use o vaso sanitário. Vou levar a bandeja, volto daqui a uma hora. Se necessitar de ajuda, toque a campainha.

Entrei no banheiro e tomei um delicioso banho de chuveiro. Sempre gostei de banhos de água quente e a água estava como queria. O chuveiro é um pouco diferente dos que conhecia, é regulado por um botão giratório. (Aqui os aparelhos a que me refiro não são do padrão geral. Para cada local são usados os que mais convêm e são úteis.)

Lavei-me da cabeça aos pés. Coloquei a mesma roupa. Senti-me muito bem. Penteei meus cabelos. Meus cabelos longos e ondulados nos davam, a minha mãe e a mim, muito trabalho. “Que vou fazer agora?” pensei. Mas, incrível, eles ficaram como queria.

Maurício, como prometeu, voltou.

—Oi Patrícia!

—Maurício, —disse entusiasmada — meus cabelos ficaram como eu quis. Parece que obedecem à minha vontade.

—Será assim, você quer, sua vontade se concretiza. Terá, sem trabalho, seus cabelos como você gosta.

Como me alimentava, tinha as necessidades fisiológicas e para isto usava o vaso sanitário. Não tive mais menstruação, isto é fator do corpo de carne. Mas soube que algumas mulheres ainda tinham como reflexo do corpo. (Mulheres que vagam, nos Umbrais, têm mais o reflexo do corpo. Muitas se iludem e se julgam encarnadas e vivem como tal, com todas as necessidades do corpo.)

Aos poucos, fui dormindo menos, acordava com fome, tinha sede. Alimentava-me de frutas, pães e caldos ou sopas de legumes. Gostei muito de todos os alimentos, tudo muito saboroso e energético. A água cristalina é a maior fonte de energia. Vovó recomendou que, todas às vezes que tomasse água, pensasse que estava me alimentando. Tomava todos os dias meus gostos, os banhos e trocava de roupa. Encarnada, trocava de roupa, que era lavada e passada. Vovó levava as roupas que trocava, trazia-as depois limpas e as colocava no armário. Tempos depois, vovó me explicou que levava minhas roupas e, com sua força mental, as limpava deixando como gostava de usá-las. Quando aprendi a higienizar meu corpo pela vontade, aprendi também a limpar minhas roupas.

Estava calma e tranquila. Também, com tanto carinho, quem não ficaria?

 

IV

AS VISITAS

 

Abri a janela, que surpresa agradável! A vista dava para o pátio rodeado de árvores e flores. Pássaros coloridos cantavam alegres nos galhos das árvores e algumas borboletas de rara beleza voavam distraídas. Mas me encantei foi com o céu, era dia. À tarde, o firmamento é de um azul maravilhoso como nunca tinha visto. Distraí-me tanto que fiquei tempo olhando tudo extasiada com tanta beleza.

—Patrícia — Maurício me chamou baixinho.

—Oi, Maurício!

—Chamei-a baixinho temendo assustá-la.

—Maurício, estou encantada com tanta beleza. Nunca vi o céu tão lindo!

—É o mesmo dos encarnados. Vê agora diferente e acha mais bonito, porque sua percepção visual é muito maior.

—A Colônia São Sebastião é do tamanho do Nosso Lar? (Nosso Lar é a Colônia Espiritual que o autor André Luiz descreve com muito encanto no livro Nosso Lar, psicografado por Francisco Cândido Xavier.)

—Não, a nossa Colônia é pequena. Há Colônias pequenas, médias e grandes como Nosso Lar. São muitas Colônias espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. São como as cidades de encarnados. Elas também diferenciam na sua administração, mas procuram ter todos os ministérios, ou seja, órgãos para melhor administrá-las. Para que entenda, são como secretarias nas cidades de encarnados. Todas as Colônias são muito bem organizadas e todas oferecem atrativos maravilhosos para os que estão aptos a ver e a sentir. Tendo autorização para sair do quarto, vovó levou-me para passear naquela parte ou ala do Hospital onde estava localizado meu quarto. Andava observando tudo, desde os corredores, os outros quartos e foi agradabilíssimo ir ao pátio. Sentamos num banco, olhava tudo curiosa. As árvores são sadias, de um verde bonito, as folhas harmonizam com o conjunto. Os pássaros não nos temem, vêm até nós quando chamados.

—Vovó, veja este, que lindo! É azul! Aqui tudo é mais bonito, o sol, a lua, as estrelas!

—O nosso estado de espírito influi, levando-nos a ver tudo mais bonito. Os animais, aqui, são amados, protegidos, são amigos. Temos nas Colônias animais domésticos e muitos outros que ajudam os socorristas. No Educandário, há muitos animais que encantam as crianças. No bosque há várias espécies, todas dóceis e amigas.

Gostei muito das flores, há pela Colônia muitas trepadeiras floridas de muitas variedades.

Recebi muitas visitas, eram amigos, parentes e trabalhadores desencarnados do Centro Espírita do qual fiz parte. Eram visitas rápidas e agradáveis, todos procuravam me agradar. Traziam presentes: frutas, livros, flores, bônus-horas para que pudesse logo que possível ir ao teatro, palestras e em outros lugares de lazer. Foi agradável conhecer, Antônio, Alexandre, Artur e tantos amigos, companheiros desencarnados, trabalhadores do nosso Centro Espírita. (Amamos, minha família e eu, o Centro Espírita que eu frequentava e eles frequentam. E carinhosamente chamamos a este local de “nosso”.)

Artur me trouxe um mapa da Colônia. Em quase todas as Colônias, há estes livretos, que mostram como elas são e onde estão localizados seus prédios. Só não vi estes mapas nos Postos de Socorro, por não haver necessidade, pois são pequenos. Fiz uma lista de lugares aos quais queria ir e do que gostaria de fazer. A lista ficou enorme. Conforme ia conversando com os amigos que comentavam as belezas dos lugares, ia marcando no meu caderninho. Queria conhecer principalmente os locais de estudo.

—Vovó — indaguei —, e meus avós, ainda não os vi?

—Estão encarnados, é a lei da vida, ora aqui, ora lá...

Estava gostando realmente de estar desencarnada.

Numa tarde, estava só, recebi outra visita.

—Boa tarde!

Entrou no quarto, ofertando-me um presente, um novo amigo trajado de branco. Sorrindo me estendeu a mão apresentando-se.

—Sou Antônio Carlos!

—Que prazer! Como vai tia Vera?

—Todos vão bem. E você?

A agradável conversa durou alguns minutos. Após, ele se despediu, prometendo voltar novamente.

Abri o presente: dentro de uma caixa de plástico duro e transparente estavam “algumas coisas”. Nunca tinha visto. Sem saber o que era, fiquei a pensar: são doces? Bombons? Tinham formato de pequenos botões azuis, mais escuros no centro clareando nas pontas, com uns pequenos cabinhos. Abri a caixa. Examinei-os, o cheiro era agradável. Experimentei, gostei e comi.

Logo após, Maurício veio me ver.

—Então, Patrícia, gostou das flores que Antônio Carlos lhe deu?

—Flores?! — respondi fazendo careta. —Eram flores?

—Sim, de uma espécie de rara beleza, magnetizadas para não secar. Que fez com elas?

—Comi...

—Comeu?!

Maurício deu uma boa gargalhada. Ao me ver sem “graça”, ficou sério. Pensei: E agora? Me farão mal?

—Não — respondeu meu amigo adivinhando meus pensamentos. —As flores não lhe farão mal. Imagina que Antônio Carlos ficou tempo a pensar o que ia lhe trazer, a colher as flores em Plano Superior e a magnetizá-las. Elas não lhe farão mal, só que não era para comê-las. Mas, me diga, são gostosas?

—São! Nunca vi flores azuis daquele modo, pensei que fossem doces confeitados.

Comecei a rir, rimos. Sempre fui distraída. Lembrei de Carla, minha irmã, ela estava sempre a me chamar atenção sobre minha distração. Se ali estivesse iria dizer com certeza “Esta Patrícia!”

—Maurício, estou bem e quero ser útil, acho que para evitar “estas ratas” necessito aprender.

—Calma, menina, acaba de desencarnar, tudo tem seu tempo. O recém-nato de hoje será o homem de amanhã. Irá sair deste quarto e irá morar por enquanto com sua avó. Ela estará de licença do trabalho e ficará com você, lhe mostrará a Colônia, seus jardins e flores. Depois, aprenderá e será útil como quer.

Vovó, logo após a visita de Maurício, veio me ver toda contente.

—Patrícia, amanhã cedo virei buscá-la para morar temporariamente comigo. Moro na parte residencial da Colônia, numa casa muito bonita com cinco amigas. Todas muito simpáticas. A casa é grande, cada uma de nós tem um quarto privativo. Este quarto é mais um local onde guardamos nossos pertences, um cantinho particular. Terá um só para você. É como este: quarto e banheiro. Levaremos suas roupas. Poderei ficar com você e a levarei para passear.

—Vovó, a senhora gosta daqui?

—Muito.

—Irá deixar seu trabalho para ficar comigo?

—Não de todo. Trabalharei enquanto você dorme, serão algumas horas a menos. Mas será por pouco tempo.

—Vovó, que faz?

—Trabalho no hospital, em outra parte, onde estão os realmente enfermos do espírito.

—Obrigada! Todos são tão carinhosos comigo.

Vovó sorriu despedindo-se. Ao ficar sozinha, papai veio à minha mente: “Minha filha, não se aflija por nenhum motivo. Não tema o desconhecido. Deus está em toda parte, sinta-o. Aceite com alegria o que lhe está sendo ofertado. O tempo passa rápido, logo terá no Plano Espiritual seu lar, seu verdadeiro lar.”

Peguei um livro que Maurício me presenteara para ler. Estava quase no final.

Lembrei-me que, quando desencarnei, estava lendo um romance Espírita.

Parecia que minha vida não mudara em nada, ou mudaria?

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