Carta aos Mortos



      Amigos, nada mudou
      em essência.

      Os salários mal dão para os gastos,
      as guerras não terminaram
      e há vírus novos e terríveis,
      embora o avanço da medicina.
      Volta e meia um vizinho
      tomba morto por questão de amor.
      Há filmes interessantes, é verdade,
      e como sempre, mulheres portentosas
      nos seduzem com suas bocas e pernas,
      mas em matéria de amor
      não inventamos nenhuma posição nova.
      Alguns cosmonautas ficam no espaço
      seis meses ou mais, testando a engrenagem
      e a solidão.
      Em cada olimpíada há récordes previstos
      e nos países, avanços e recuos sociais.
      Mas nenhum pássaro mudou seu canto
      com a modernidade.

      Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
      relemos o Quixote, e a primavera
      chega pontualmente cada ano.

      Alguns hábitos, rios e florestas
      se perderam.
      Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
      ou toma a fresca da tarde,
      mas temos máquinas velocíssimas
      que nos dispensam de pensar.

      Sobre o desaparecimento dos dinossauros
      e a formação das galáxias
      não avançamos nada.
      Roupas vão e voltam com as modas.
      Governos fortes caem, outros se levantam,
      países se dividem
      e as formigas e abelhas continuam
      fiéis ao seu trabalho.

      Nada mudou em essência.

      Cantamos parabéns nas festas,
      discutimos futebol na esquina
      morremos em estúpidos desastres
      e volta e meia
      um de nós olha o céu quando estrelado
      com o mesmo pasmo das cavernas.
      E cada geração , insolente,
      continua a achar
      que vive no ápice da história.


Página anterior Início Página seguinte
 
1