onde houve duas ou três guerras mundiais e milhares de outras pequenas e igualmente bestiais. 2.Aqui jaz um século onde se acreditou que estar à esquerda ou à direita eram questões centrais. 3.Aqui jaz um século que quase se esvaiu na nuvem atômica. Salvaram-no o acaso e os pacifistas com sua homeopática atitude -nux vômica. 4.Aqui jaz o século que um muro dividiu. Um século de concreto armado, canceroso, drogado,empestado, que enfim sobreviveu às bactérias que pariu. 5.Aqui jaz um século que se abismou com as estrelas nas telas e que o suicídio de supernovas contemplou. Um século filmado que o vento levou. 6.Aqui jaz um século semiótico e despótico, que se pensou dialético e foi patético e aidético. Um século que decretou a morte de Deus, a morte da história, a morte do homem, em que se pisou na Lua e se morreu de fome. 7.Aqui jaz um século que opondo classe a classe quase se desclassificou. Século cheio de anátemas e antenas,sibérias e gestapos e ideológicas safenas; século tecnicolor que tudo transplantou e o branco, do negro, a custo aproximou. 8.Aqui jaz um século que se deitou no divã. Século narciso & esquizo, que não pôde computar seus neologismos. Século vanguardista, marxista, guerrilheiro, terrorista, freudiano, proustiano, joyciano, borges-kafkiano. Século de utopias e hippies que caberiam num chip. 9.Aqui jaz um século que se chamou moderno e olhando presunçoso o passado e o futuro julgou-se eterno; século que de si fez tanto alarde e, no entanto, -já vai tarde. 10. Foi duro atravessá-lo. Muitas vezes morri, outras quis regressar ao 18 ou 16, pular ao 21, sair daqui para o lugar nenhum. 11.Tende piedade de nós, ó vós que em outros tempos nos julgais da confortável galáxia em que irônico estais. Tende piedade de nós -modernos medievais- tende piedade como Villon e Brecht por minha voz de novo imploram. Piedade dos que viveram neste século per seculae seculorum. |