O Operário da Utopia



      Apanhado em meio à noite,
      jogado no chão da cela,
      o corpo conhece, nú,
      a primeira humilhação.
      Outras virão: o soco,
      o choque, a ameaça,
      o urro na escuridão.

      - Quantos volts
      suporta o corpo
      - em coação,
      até que dele escorra o fel
      da delação?

      - O que procura o torturador
      nas pedras do rim alheio
      como vil minera/dor?
      -O que ama esse ama/dor
      da morte?
      esse morcego suga/dor
      sob os porões da corte?
      esse joga/dor
      do jogo bruto?
      esse serviçal da morte
      e cria/dor
      - do luto?

      O torturador se julga, e acaso o é,
      um trabalha/dor diferente:
      seu trabalho é destruir
      o sonha/dor insistente
      como o médico que resolvesse
      matar de dor
      - o paciente.
      Mas sob a tortura
      o que há de melhor no homem.
      jamais se manifesta. Quando muito
      podeis catar pelo chão
      o pouco que dele resta.
      Mas soltai-o em festa, ao sol
      e vereis que a verdade
      de seus gestos se irradia.
      Livre
      vestindo a pele do dia,
      o torturado caminha
      com seu corpo tatuado
      de violência e poesia.
      Mas ele não marcha só.
      Apenas segue na frente
      na direção da utopia.


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