Sobre a atual vergonha de ser Brasileiro




"Projeto de Constituição atribuído a Capistrano de Abreu:
Art. 1º - Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Parágrafo único:
Revogam-se as disposições em contrário."


    Que vergonha, meu Deus! ser brasileiro
    e estar crucificado num cruzeiro
    erguido num monte de corrupção.

    Antes nos matavam de porrada e choque
    nas celas da subversão. Agora
    nos matam de vergonha e fome
    exibindo estatísticas na mão

    Estão zombando de mim. Não acredito.
    Debocham a viva voz e por escrito.
    É abrir jornal, lá vem desgosto.
    Cada notícia
        - é um vídeo-tapa no rosto.

    Cada vez é mais difícil ser brasileiro.
    Cada vez é mais difícil ser cavalo
    desse Exu perverso
        - nesse desgovernado terreiro.

    Nunca te vi tamanho abuso.
    Estou confuso, obtuso,
    com a razão em parafuso:
    a honestidade saiu de moda,
    a honra caiu de uso.

    De hora em hora
    a coisa piora:
    arruinado o passado,
    comprometido o presente,
    vai-se o futuro à penhora.
    Me lembra antiga história
    daquele índio Atahualpa
    ante Pizarro - o invasor,
    enchendo de ouro a balança
    com a ilusão de o seduzir
    e conquistar seu amor.

    Este é um país esquisito:
    onde o ministro se demite
    negando a demissão
    e os discursos são inflados
    pelos ventos da inflação.

    Valei-nos Santo Cabral
    nessa avessa calmaria
    em forma de recessão
    e na tempestade da fome
    ensinai-me
        - a navegação.

    Este é o país do diz e do desdiz,
    onde o dito é desmentido
    no mesmo instante em que é dito.
    Não há lingüistica e erudito
    que apure o sentido inscrito
    nesse discurso invertido.

    Aqui
        o dito é o não-dito
        e já ninguém pergunta
        se será o Benedito

    Aqui
        o discurso se trunca:
        o sim é não,
        o não, talvez,
        o talvez,
           - nunca.

    Eis o sinal dos tempos:
        este é o país produtor
        que tanto mais produz
        tanto mais é devedor.

    Um país exportador
    que quanto mais exporta
    mais importante se torna
    como país
        - mau pagador.

    E, no entanto, há quem julgue
    que somos um bloco alegre
    do "Comigo Ninguém Pode",
    quando somos um país de cornos mansos
    cuja história vai ser bode.

    Dar bode, já que nunca deu bolo,
    tão prometido pros pobres
    em meio a festas e alarde,
    onde quem partiu, repartiu,
    ficou com a maior parte
    deixando pobre o Brasil.

    Eis uma situação
    totalmente pervertida:
    - uma nação que é rica
    consegue ficar falida,
    - o ouro brota em nosso peito,
    mas mendigamos com a mão,
    - uma nação encarcerada
    doa a chave ao carcereiro
    para ficar na prisão.

    Cada povo tem o governo que merece?
    Ou cada povo
    tem os ladrões que a enriquece?
    Cada povo tem os ricos que o enobrecem?
    Ou cada povo tem os pulhas
    que o empobrecem?

    O fato é que cada vez mais
    mais se entristece esse povo
    num rosário de contas e promessas,
    num sobe e desce
           - de pranto e preces

    Ce n'est pas un pays sérieux!
    já dizia o general.
    O que somos afinal?
    Um país pererê? folclórico?
    tropical? misturando morte
    e carnaval?

    - Um povo de degradados?
    - FIlhos de degredados
    largados no litoral?
    - Um povo-macunaíma
    sem caráter nacional?

    Ou somos um conto de fardas
    um engano fabuloso
    narrado a um menino bobo,
    - história de chapeuzinho
    já na barriga do lobo?

    Por que só nos contos de fada
    os pobres fracos vencem os ricos ogres?
    Por que os ricos dos países pobres
    são pobre perto dos ricos
    dos países ricos? Por que
    os pobres ricos dos países pobres
    não se aliam aos pobres dos países pobres
    para enfrentar os ricos dos países ricos,
    cada vez mais ricos,
    mesmo quando investem nos países pobres?

    Espelho, espelho meu!
    há um país mais perdido que o meu?
    Espelho, espelho meu!
    há um governo mais omisso que o meu?
    Espelho, espelho meu!
    há um povo mais passivo que o meu?

    E o espelho respondeu
    algo que se perdeu
    entre o inferno que padeço
    e o desencanto do céu.


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