[Jornal da Tarde, 25.12.1998] Affonso Romano de Sant’Anna contra a "praga" do poeminha curto Dois poemas longos escritos nos anos 70 e agora reeditados revelam um artista diante e dentro de seu tempo e mostram que nem tudo está perdido na mesmice Por Álvaro Alves de Faria É bom saber que nesta paisagem de tantas mentiras e engodos ainda existam poetas como Affonso Romano de Sant’Anna. A reedição de dois longos poemas do poeta - A Grande Fala do Índio Guarani e A Catedral de Colônia - implica em se poder dizer que nem tudo está perdido. Os equívocos levados adiante pelas confrarias fazem muito barulho, mas a vida é curta. Mesmo com o amparo desonesto de certa mídia comprometida só com a desonestidade. Efêmeras manifestações assexuadas já mortas em labirintos próprios. O círculo do vício. Os dois poemas longos de Affonso Romano de Sant’Anna foram lançados no final dos anos 70, mergulhados na literatura, na poesia, na história, cultura, no continente latino-americano, religião e, sobretudo, no papel do poeta diante disso tudo, especialmente das ruínas. Affonso observa que escreveu os dois poemas num tempo em que a moda era escrever poeminhas curtinhos, no dizer do poeta, - uma verdadeira praga - unida às facilidades de uma linguagem que não conseguia dar dois passos adiante, já que as palavras eram poucas em narrativas medíocres. Para combater a praga, nada melhor do que os poemas longos, que representam, sempre, o caminho mais difícil. Mesmo estando a caminho do silêncio, como assegura, Affonso Romano de Sant’Anna experimenta certo prazer em ver de volta dois textos de 20 anos que continuam atuais neste vale de lágrimas e sombras. As mesmas figuras estão por aí, dizendo e escrevendo as mesmas palavrinhas de sempre. Pensando bem, o Brasil não mudou em nada. Se mudou, foi para pior. Hoje temos um imperador ditando as normas dos tempos para evitar o apocalipse. Valha-nos Deus! De alguma maneira, isso reflete na produção literária de um país sem poesia e sem literatura. Affonso explica que o título A Grande Fala do Índio Guarani aproveita metáfora que veio da antropologia sobre o "grande falar" dos pajés guaranis, que saíam durante as madrugadas para a floresta num ritual de contato com os antepassados. O poema tem a característica de "grande discurso". Com relação ao poema A Catedral de Colônia, o poeta esclarece que conhecer o templo causou nele um grande impacto, especialmente a história de sua construção, que começou em 1248 e terminou seis séculos depois. Affonso diz que a catedral é fantástica com seus mosaicos romanos e vestígios de civilizações pré-romanas: O poema toma a Catedral como uma metáfora da História, que também é construída aos poucos e está sempre recomeçando, assim como o fazer poético. O poeta teve o cuidado de escrever o poema com as primeiras estrofes de cada uma de suas doze partes montadas em forma de coluna, lembrando os pilares da Catedral: É um discurso arquitetado, que faz uma catedral de versos, adianta. Mas o que vale, além de seu conteúdo poético, é a narrativa do poema, sua estrutura delicada e, ao mesmo tempo, enraizada na força da palavra, no que a palavra tem de melhor, a palavra pela valia da palavra. Não é à toa que na Grande Fala o poeta confessa: "Sim, é verdade que cada dia sei mais do que se compõem a poesia e o nada." Frase assim só pode ser produzida por quem, antes de tudo, respeita a poesia e o poema como parte da vida e da morte do homem, do destino do homem, equivale dizer da vida da poesia, da morte da poesia, do destino da poesia. No segundo poema, o poeta descreve: "A Catedral de Colônia/ é um circo da Idade Média/ Commedia dell’arte em mim,/ o que restou de Pierrô/ e o enganador Arlequim./ A Catedral de Colônia/ é o advento de Pã,/ é Dionísio em vez de Cristo,/ carnaval, insânia, insônia/ na desestória alemã." Dentro do poema, o poeta reconhece que a Catedral é o recomeço da pedra, é a trégua, é a guerra, seu texto, a pedra que o arquiteta. Não se trata de uma lição de poesia e de poema, já que a isso o poeta não é dado, felizmente. Trata-se da postura de um poeta diante e dentro do seu tempo, na averiguação de seu espaço, na possibilidade de ainda sentir, de constatar e, nessa observação, saber colher o essencial para a vida, o que se faz, o que se fará, o que deve ser feito. A poesia é esse instante mágico de captar o imperceptível. A Grande Fala do Índio Guarani e a Catedral de Colônia, de Affonso Romano de Sant’Anna, Rocco, 181 págs., R$ 25,00. |