Entrevista à Tribuna da Imprensa - 1997



1. Qual o maior problema enfrentado pela literatura brasileira?
O problema hoje está na distribuição e nas livrarias. Criou-se uma situação absurda, que aliás se repete em outros países.As livrarias compram, em geral, apenas os livros da lista de "best sellers",porque dão um retorno mais imediato. Poucas têm livros para um estoque vivo, atuante.Então, um leitor entra, pergunta tanto por um livro meu de um ano atrás ou mesmo Euclides da Cunha e não tem. Os livreiros, premidos por regras do mercado, reduziram suas compras.E aí aconteceu uma coisa novamente absurda: estamos editando mais titulos que antes , mas as edições médias são menores e os livros ficam menos tempo nas prateleiras. Resultado: o livro sai da livraria em poucas semanas, dado como esgotado, quando na verdade está num depósito, saiu de circulação.

2. Mas qual a solução?
Como não vejo solução para isto a curto prazo, o jeito é as pessoass comprarem livros de duas maneiras: através da Booknet, que manda para sua casa o livro que quiser ou ter um livreiro competente que encomende o volume.A internet está ajudando a quebrar este circulo de ferro. Outro jeito é criar mais livrarias que trabalhem com estoques mais permanentes. Outro dia a gerente da livraria Travessa no Rio me disse que resolveu pedir livros tipo " Casa Grande & Senzala"( imagine), e acabou vendendo tudo. Quer dizer: os livreiros têm que vencer o medo e ser criativos. Pois o circulo vicioso é este: o leitor não compra porque não encontra o livro e o livreiro diz que não vende porque o leitor não compra.

3.Qual o lugar e a função do livro nessa sociedade dominada pelo visual?
Falou-se muita tolice sobre a cultura da visualidade. Desde McLuhan que diziam que o livro ia acabar.. Não acabou, nem vai acabar. Vai conviver com novas formas. O computador também não acabou com o papel.Apenas criou outra forma de memorização à parte. Se ,por acaso, o livro eletrônico, feito numa caixinha, onde as paginas são viradas virtualmente pegar, o outro livro de papel vai continuar.Eu, por exemplo, escrevo tanto com caneta quanto com computador.E o cheiro e o manuseio do papel é insubstituível. Quando dirigi a Biblioteca Nacional tive a oportunidade de percorer as maiores bibliotecas do mundo, ver os incunábulos mais antigos e constatar que a informática é uma aliada, não uma inimiga.

4.O que se pode fazer para democratizar o livro de qualidade e a leitura no país?
Muita coisa.Os governos têm que botar nos seus orçamentos a compra de livros.E os editores têm que parar de investir publicitariamente só em poucos titulos Deve também fazer o que o Proler vinha fazendo. Infelizmente hoje na Casa da Leitura existe uma administração medíocre e infelizmene no Ministerio da Cultura a mediocridade não é menor. E isto é espantoso num governo do qual se esperou tanto.Este que está aí não tem o menor projeto cultural.O Proler praticamente está parado ou extinto.Acabou aquele entusiasmo que fez com que 32 mil voluntarios trabalhassem em mais de 300 municipios gratuitamente. Uma lástima. Muitos dos projetos que deixei foram desativados.Hoje a Casa da Leitura, conforme noticiou a Folha e o O Globo até joga livro na lata de lixo.

5.O bom leitor se forma na escola?
O bom leitor se forma em qualquer lugar.Essa era a proposta revolucionaria do Proler: desescolarizar a leitura.Fazê-la ativa nos parques, fábricas, hospitais, quartéis, igrejas, sindicatos, etc. E as experiências coligidas eram notáveis. Hoje o que se percebe é que o extraordinario esforço do Ministro da Educação na sua área não tem correspondência na área do Ministério da Cultura.Não é à toa, aliás, que FH refere-se sempre à Educação e não à Cultura.

6.Como incentivar a leitura na escola? O trabalho do Proler tem sido satisfatório neste sentido?
Quem trabalha sobretudo com a escola é o Ministerio da Educação. Resolveram agora ativar as bibliotecas das escolas. Usaram um método muito polêmico na elaboração de livros considerados indispensáveis. Parece que os livros têm mais nível universitário que médio.Mas já é alguma coisa.

7,Como definiria o bom leitor?
Há vários tipos de leitores, como há vários tipos de livros. O bom leitor é o que lê sempre, que assimila, guarda o essencial de cada obra.Essencial, pelo menos, para ele. O livro é uma experiência insubistituível. Peguem, por exemplo, uma obra que acabu de sair e que se chama "Uma história da leitura".Que coisa sedutora! Parece um romance.,Ali está a descrição de como os antigos liam, o valor da leitura em voz alta, como a leitura foi transformando pessoas e sociedades. Essa historia da leitura considera até os ladrões de livros.Se alguém quiser converter outra pessoa ao hábito da leitura dê esse livro de presente. E tem uma coisa a mais: quando estávamos mobilizando o Proler e quando criamos o Sistema Nacional de Bibliotecas que agrupa 3 mil delas, além das 900 universitarias, queriamos transformar o país num país de leitores.A idéia era de que uma sociedade leitora tem não só melhor saúde, porque se informa melhor, mas tem melhor vida social.A Suécia e Dinamarca nos demonstram isto.

8. O aumento do numero de bibliotecas e de obras disponiveis seria suficiente para incentivar a leitura ou deve ser efetivada alguma politica maior de conscientização?
Quando saí da FBN deixei um plano para se informatizar as 3 mil bibliotecas do país e projetos junto a prefeitos e governadores para que comprassem livros para suas bibliotecas. Pois há uma distorção: o administrador faz o prédio e acha que os livros vêm andando por conta própria e pula para as prateleiras. Nos Estados Unidos investe-se 100 milhões por ano em bibliotecas.Não é à toa que dominam o mundo. Quando estive na India constatei que só o escritório da Biblioteca de Washington naquele país tinha 115 funcionários.Isto é impenseavel para brasileiros.Por isto estamos tão a reboque de tudo. O governo até hoje não descobriu o valor da cultura. Quando um governador, como Jaime Lerner o descobre, é uma revolução.

9. O que tem escrito ultimamente?
Dentro de 15 dias sai um livro chamado " A alma barroca do Brasil", com lindas fotos do Pedro Oswaldo Cruz.É um ensaio onde analiso o Barroco desde a colonização até Glauber Rocha , Niemeyer, Guimarães Rosa e outros. Sai também breve um livro de crônicas novo:"A vida por viver".Ah! sim, também a Tônia Carrero acaba de gravar um CD com 23 poemas, que será lançado no Natal.


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