Entrevista à Editora Rocco - 1997



1.O critico Wilson Martins falando de "dinastias poéticas" disse que você pertence a uma linhagem que vem de Mário de Andrade e passa por Manuel Bandeira e Carlos Drummond.A que se poderia dizer a esse respeito sobre a sua linhagem como cronista?
É curioso isto que o Wilson Martins fala.Quanto à segunda parte da questão posso lhe dizer que eu não sou um cronista solto no espaço. Quando escrevo, dentro e através de mim, queira ou não queria, estão "escrevendo" os que me antecederam.A crônica,aliás, sob formas variadas está presente na formação luso-brasileira desde Fernão Lopes e Pero Vaz de Caminha.E há mesmo essa coisa curiosa: quando participo de conferências ou debates no exterior e alguém tenta apresentar-me como cronista, há uma dificuldade em achar uma palavra que traduza o que isto passou a significar no Brasil sobretudo depois de Rubem Braga,onde a crônica adquiriu maioridade literária.Portanto, escrevo na pauta de metamorfoses por que tem passado a crônica como gênero literário.

2. Que traço diferencial encontra entre o seu trabalho e os dos cronistas que o antecederam?
Difícil responder, pois isto é mais tarefa da crítica e dos analistas. Mas se pudesse tomar uma certa distância diria que tento trabalhar em vários níveis ; tento me afastar da crônica monocórdica,busco surpreender ou descansar o leitor . É assim que tematizo ,por exemplo, as viagens( leitor adora viajar lendo),ou escrevo sobre política,ou conto pequenas estórias sobre o cotidiano ou, então, crônicas sobre o que eu chamaria de "climas", certos instantes mágicos que irrompem no cotidiano.

Em "A vida por viver" as crônicas estão reunidas em blocos temáticos revelando as obsessões do autor.Eu gostaria de ser lembrado como um cronista do meu tempo, encharcado de seu tempo.Enfim, um cronista crônico.

3.Em "A vida por viver", como em livros anteriores você tem algumas crônicas onde se dedica a teorizar sobre o próprio ato de fazer crônicas. Por que isto?
Fui-me dando conta realmente de que em muitas crônicas eu ia mostrando para o leitor como a crônica estava sendo construida, talvez um vício de professor e crítico.Talvez por trás disto estivesse algo parecido com o que Umberto Eco disse certa vez, de que o primeiro discurso que uma obra faz o faz através do modo como é feita.Como o cronista trabalha sobre o " quente" sobre algo que viveu ou viu, ou, então, tem que entregar seu texto daí a pouco, o trabalho é muito envolvente, é como se você estivesse resolvendo uma equação, um teorema.E quando a crônica fica redondinha, dá uma certo bem estar, como se tivesse resolvido um enigma.

De resto, me divirto fazendo uma crônica sobre Guimarães Rosa, onde imito o estilo dele, noutra onde imito o estilo de Nelson Rodrigues ou Machado de Assis.E acho que a a crítica e a universidade deveriam prestar mais atenção `a crônica

4.Diga duas ou três coisas que caracteriza a crônica.
É um gënero intermediário entre o jornalismo e a literatura.Como texto para jornal é aquele no qual é admitido alto grau de subjetividade. Os demais jornalistas têm que ser mais objetivos.O cronista vai ao Oriente pelo Ocidente, ou vice-versa.É também um gênero disseminador.O recorte da crônica ganha um significado especial . O leitor se apodera do texto, guarda-o na carteira, na agenda, o reproduz e o repassa como um talismã criando uma espécie de corrente.Por isto, já pensei que entre o jornal e o livro, talvez fosse necessário servir as crônicas separadamente ao leitor, e num papel mais resistente, numa caixa ou pasta onde ele escolhesse as que quisesse .



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