Affonso Romano de Sant'Anna
ISMNews conversou com o poeta Affonso Romano de Sant'Anna, um dos mais atuantes intelectuais brasileiros. Nesta entrevista ele fala sobre sua passagem pela Biblioteca Nacional, entre 91 e 96, quando era seu presidente; a decepção com o Governo Fernando Henrique; a Internet como alternativa para a distribuição de publicações e a situação do livro no Brasil. Affonso que atualmente escreve para o Jornal O Globo, e está preparando o lançamento do livro: "Barroco do quadrado a elipse" pela Editora Rocco, e o relançamento de obras como "Música Popular e Moderna Poesia Brasileira" pela Elo; " Como se faz Literatura", pela Letra Viva, não esconde seu cansaço com relação à política brasileira. Para ele, o Brasil sofre de um problema grave: as pessoas perderam a expectativa de que tudo o que está acontecendo no país vá se reestruturar. Ao final da entrevista, o poeta dá o endereço do seu site na Internet, site esse criado e mantido por um jovem de 17 anos do estado do Paraná, que ao entrar numa livraria descobriu o poeta.
(Reportagem: Francelino José; Fotos: Marcos Zarahi).
ISMNews - Vamos começar falando de Internet: Você tem um site.
Affonso Romano de Sant'Anna - Tenho sim. Sempre me perguntavam se eu tinha site. Duas empresas haviam se oferecido para fazê-lo, mas eu, na época, fiquei constrangido. Não queria que parecesse exibicionismo, ou uma vitrine, onde eu queria apenas me vender. Eu fiquei postergando sobre isso, até que recebi um e-mail de um leitor meu, do Paraná. Um jovem de 17 anos, chamado Alysson Artuso. O jovem, um dia, entrou numa livraria e encontrou uma antologia de poemas meus. Ele perguntou ao livreiro: quem é esse Affonso Romano? Leu e gostou. Entrou em contato comigo se oferecendo para fazer um site sobre a minha obra. E ele fez um site supreendente. O garoto colocou crônicas, críticas, poemas, fotografias, etc. Há dias, ele me escreveu dizendo que está preparando a tradução do site para o inglês. Eu acho isso sensacional porque ele ainda é um garoto, e está acima da média da sua idade, do ponto de vista cultural. Ele já é um grande leitor e ainda nem fez vestibular. Foi assim que surgiu o site.
ISMNews - Mas até então você não tinha atentado para a utilidade da Internet?
Affonso Romano - Eu achava que isso era uma coisa para depois. Até que aconteceu essa coisa fabulosa, imprevisível. É fantástico. Qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo te descobre, te conecta, pode adquirir seus livros. Aliás, uma das coisas que espero que a Internet venha resolver é sobre a questão da distribuição de livros. Eu estou cansado de entrar em livrarias aqui no Brasil, seja em Porto Alegre, Belo Horizonte e até em Ipanema, no meu quarteirão, e não encontrar meus livros. É muito estranho. Você pergunta ao livreiro: tem computador aqui? Ele abre a tela e te mostra que o livro esgotou ou está no depósito. É estranho. O livreiro dá sempre uma desculpa esfarrapada. O pior é que ele não toma nenhuma providência. Não repõe o livro. Eu acho que tem que acontecer alguma coisa que acabe com a incompetência desse sistema. Eu não posso acreditar que o distribuidor ou o livreiro não queiram vender livros. Esse sistema está mal organizado.
ISMNews - E como você imagina que a Internet possa corrigir isso?
Affonso Romano - Não sei. Mas foi importante o aparecimento da Amazon, da Book Net... esta última foi lançada quando eu estava na presidência da Biblioteca Nacional. Elas podem ser um caminho. Mas eu me lembro que as pessoas reclamavam dos preços da BooK Net. O preço agregado do envio pelos Correios encarecia o livro. As pessoas reclamavam muito. Eu acredito que tem de haver uma reformulação no conceito de livraria. A livraria tem de deixar de ser passiva para ser ativa. Atualmente ela só fica esperando o cliente ir até lá. Talvez a Internet possa vir a substituir eletrônicamente o que se fazia antigamente: os livros eram vendidos de porta em porta. Monteiro Lobato chegou a vender 40 mil exemplares, quando o país tinha menos de 30 milhões de habitantes. E quando nem existia TV, Internet, nada disso. Mas ele vendia através de representantes que iam de porta em porta, em lombo de burro. Colocavam os livros em farmácia, mercearias... Vai ver, a Internet é o lombo de burro que em breve irá bater na sua porta. Eu não sei como vai ser isso no futuro. Há quem diga que um dia, você ao chegar numa livraria vai ser assim: eu quero "Os Sertões" de Euclides da Cunha. Quem te atender, aperta um botão e o livro vai ser impresso na hora. Como fazem certas máquinas hoje, como da Xerox. Na Biblioteca Nacional eu tive uma experiência semelhante. Eles têm uma máquina que imprime um livro em três minutos. Com essa tecnologia toda, você pode muito bem telefonar ou passar um e-mail para a livraria ou até para a editora e fazer seu pedido. Eles imprimem o livro que você quer e te entregam em casa.
ISMNews - De repente, o próprio autor ser o editor... isso seria um sonho: direto do produtor para o consumidor (leitor)...
Affonso Romano - Isso mesmo... ou então, o autor manda o disquete para o leitor e ele imprime o livro do jeito que quiser.
ISMNews - Vou tocar num assunto não muito agradável para você: sua saída da presidência da Biblioteca Nacional...o atual presidente, Eduardo Portela, e aí eu não vou perguntar o que você acha dele...
Affonso Romano - Eu digo...Quando ele assumiu a Biblioteca Nacional, um amigo dele lá da Academia Brasileira de Letras me disse: "agora podemos ficar tranqüilos. Ele vai colocar em prática o que Eça de Queiroz dizia sobre a agricultura em Portugal: a arte de assistir impassível o progresso da natureza". Ele cumpre isso a risca. A Biblioteca Nacional saiu do mapa. Regrediu. É lamentável. Outro dia, eu estava no Nordeste e um garçon ao me reconhecer, perguntou sobre a Biblioteca. Num hotel, em Belo Horizonte, o porteiro puxou assunto falando sobre a Biblioteca. No interior do Ceará, num boteco, um japonês me reconheceu e também falou sobre a Biblioteca. Houve um momento em que os brasileiros se orgulharam da sua Biblioteca. Perceberam que a Cultura é respeitável. Isso tudo se perdeu. Claro que houve mágoa, num primeiro momento. Imagine só: você tá fazendo um negócio. Sabe que está fazendo um trabalho direito e todo mundo reconhecendo isso, até internacionalmente. Naquele momento eu era o presidente da Associação de Bibliotecas Nacionais Ibero-Americanas, que congrega 22 instituições. Tínhamos projetos com todas essas bibliotecas e tudo foi para o lixo. Na BN havia 33 projetos e todos eles foram jogados fora.
ISMNews - Essa é a sua grande mágoa com o Governo FHC?
Affonso Romano - A minha decepção com este governo é meno pessoal do que possa parecer. Ela é social. Menos pessoal, porque depois que eu deixei a BN, a minha vida melhorou muito. Tanto pessoal, afetiva e profissional. Pude me dedicar ao que mais gosto: ler e escrever. É deprimente constatar que um Governo não tenha intersse em cultura. O único projeto do presidente é permanecer no poder. A minha geração esperou a vida inteira para chegar lá em cima. E quando chegou, nada fez. Quando eu dirigi a BN, não tinha dinheiro. Tudo que lá foi feito, e não foi pouco, a começar pela recuperação do prédio, não foi com o dinheiro do governo. Quem quer fazer, faz, com ou sem dinheiro.
ISMNews - Como você define o ministro da cultura, Francisco Weffort?
Affonso Romano - Um incompetente.
ISMNews - Você falou sobre o fracasso da sua geração. O Luís Fernando Veríssimo disse que Fernando Henrique representa o fracasso dessa geração, você concorda com ele?
Affosno Romano - Concordo. FH se revelou um grande bléfe...(longo silêncio após a frase)...é muito pouco para um estadista.
ISMNews - Você vê alternativas?
Affonso Romano - Eu não faço mais profecias...quase todo o político que eu votei, me decepcionou.
ISMNews - Você parece de saco cheio...eu estou falando demais em política?
Affosno Romano - (risos) Eu cansei um pouco. E eu tenho sentido isso por parte dos leitores. As pessoas não estão a fim de ler as páginas de política, crimes ou ver o Jornal Nacional. As pessoas estão indo direto para a crônica. Aconteceu uma coisa muito grave no Brasil. As pessoas perderam a expectativa de que tudo isso aí vá se reestruturar de repente. Ninguém está querendo ficar estressado. O Jornal Nacional deixa a gente estressado. Não é por acaso, que o Paulo Henrique Amorim foi posto pra fora da TV Band. Ele estava provocando o debate. Há um certo cansaço geral.
ISMNews - O Senador Artur da Távola, que é assinante da ISM, em recente entrevista à TV Cultura, disse que a mídia, principalmente através dos telejornais, nos deprimem, enquanto os comerciais e os programas de auditório nos deixam eufóricos: ou seja, a TV está produzindo consumidores depressivos e eufóricos. O que você, como cronista de um jornal de grande circulação, acha da análise do senador?
Affosno Romano - A fórmula é perfeita. Eu posso confirmar isto a partir da visão do cronista. O leitor que, como eu disse, não está mais a fim das páginas de política, crimes, tem se agrarrado ao cronista como a tábua de salvação ou como a um porta-voz. A crônica no Brasil foi muito politizada nos anos 80 e 90. Eu, nos anos 80, a politizei ao máximo. Coisa que não acontecia com a crônica dos anos 50 e 60. A crônica desta época é muito boa, importante, mas alienada. O próprio Drummond jamais tocou em política. Sinto que o leitor não acredita muito naquela geléia geral que é o noticiário. Eu sempre ouço por parte dos leitores coisas do tipo: puxa, você escreveu o que eu estava pensando. O cronista se transformou num personagem curioso. Seu papel se modificou muito. Por outro lado, há os leitores que reclamam muito. Que não querem saber de política nas crônicas. O Artur da Távola está certo.
ISMNews - E sobre o brasileiro ler pouco, como anda a situação?
Affonso Romano - Foi bom você tocar nisso. Eu estou dando assessoria a dois projetos. Um é o "Leia Brasil", que conta com o apoio da Petrobras. São 16 caminhões que percorrem todo o país, levando a leitura às populações carentes. Esse projeto existe desde 1991. O curioso é que os favelados, os pobres quando pegam um livro emprestado o devolvem impacável. Esse projeto é muito importante. O segundo, é o "Rede Brasil de Leitura", que está funcionando no Comitê de Cobate à Fome, do Betinho. Aliás, eu gostaria de perguntar ao pessoal da ISMNews/ISM como pode ajudar nesse projeto. A Internet pode ser muito importante para o incentivo à leitura no Brasil. Vejam como vocês podem participar. Esse projeto pretende unir todos os heróis que existem pelo país afora, que montam uma biblioteca em suas comunidades com recursos próprios. Esse projeto pretende acabar com a solidão dessa gente, promovendo encontros, debates, cursos, intercâmbio. E ele está iniciando do zero. A Internet é fundamental nesse projeto.
ISMNews - Você tem dados de como anda a participação do livro no país?
Affonso Romano - Há algumas estatísticas. Dizem que existem 70 mil salas de leituras no Brasil. Mas já ouvi que não passam de 30 mil ou até 10 mil. Se existisse uma biblioteca em cada escola pública brasileira seria fantástico. No país existem 3 mil bibliotecas públicas, apenas. No México, por exemplo, elas são 5 mil. Os EUA aplicam cerca de US$ 200 milhões por ano em suas bibliotecas. Já aqui... E olha que o mercado brasileiro é considerado o oitavo no mundo. Aqui editam-se 300 milhões de livros por ano. O problema é que esses livros, na sua grande maioria, são didáticos, infantis ou infanto-juvenis. Para se ter idéia, o livro infantil representa 60% das vendas. O livro para adulto é uma fatia muito pequena. Dizem que o brasileiro lê dois livros e meio por ano. É muito pouco.
ISMNews - E as editoras, o que elas fazem para melhorar este quadro? O livro no Brasil é considerado caro.
Affosno Romano - É complicado. Eu tive uma experiência pouco edificante nesse sentido. Havia um projeto que previa um acordo entre as editoras e os papeleiros. Seria criado um fundo que arrecadaria por ano cerca de US$ 1 milhão. Com esse dinheiro seriam formados programas de incentivo à leitura. Criaríamos bibliotecas nas barcaças do Rio São Francisco; nos quartéis, nos petroleiros, nas escolas, em todas as comunidades. A Colômbia acabou copiando esse projeto. Eles criaram uma fundação de apoio à leitura. No Brasil, o projeto não saiu do papel.
ISMNews - Mas por que?
Affonso Romano - Eu tenho uma tese: a do discurso duplo. Se você perguntar para qualquer político se ele é a favor da leitura, lógico que ele irá responder que sim. Então você pergunta: se todo mundo é a favor, porque não acontece. Resposta: discurso duplo. E os editores, por sua vez, acham que quem tem de comprar livro é o governo. Por esse e outros motivos o projeto não saiu do papel. É uma pena. Um projeto dessa magnitude mudaria a cara do país. Os escritores viveriam de escrever e o nível cultural do nosso povo seria melhor.
SMNews - Qual é o endereço do seu site?
Affonso Romano de Sant'Anna - Anote aí: http://pagina.de/affonso
Foto copiada do site do poeta: ao seu lado o violonista Turíbio Santos.
Publicada em: 24/08/99
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