A GUERRA DE TOM & JERRY

Affonso Romano de Sant’Anna

Enquanto aviões despencavam sobre os Estados Unidos, eu, dentro de um avião, sobrevoando o Mato Grosso, seguia assistindo a um desenho animado de Tom & Jerry. A relação entre o ratinho safado e o gato trapalhão é de extrema violência. Sempre achei abominável essa estória sado-masoquista que se repete invariavelmente. O ratinho astucioso atormenta, repetidamente, o enorme e desastroso gato. Em nenhum momento, na relação de Tom & Jerry, o grande levou a melhor, nem no filmes, nem no Vietnam nem no Afeganistão. Uma cena se repete sempre: o ratinho se esconde em sua toca e o gato não pode mais que enfiar ali sua cauda, que sai sempre macerada. Não adianta o gato ficar ali ameaçador, como Bush, e esbravejar que vai smoke them out , ou seja, que vai transformar o rato em churrasco texano usando seus mísseis. Não é pela força apenas, senão pela astúcia guiada pela prudência que pode vencer essa guerra.

Nesta altura da história e desta crônica, já despacharam navios e aviões americanos na direção do Afganistão e de outros países alvo da compreensível fúria americana. Mais de 30 mil soldados americanos já fizeram seu testamento. O aparvalhado Bush, convencido que tem o melhor exército do mundo já disse meia dúzia de tolices, tipo também" temos os melhores fazendeiros do mundo", "os melhores empresários do mundo". Os inimigos dos Estados Unidos parece que além de terem sido precisos nos seus alvos, escolheram muito bem o presidente a desafiar: alguém que foi empossado sem ter ganho a eleição e que continua falando para o mundo como se estivesse falando para fazendeiros texanos. Com isto, já começou a operação "justiça infinita", que outros preferem chamar de "injustiça infinita".

Os terroristas estão conseguindo mais do que pretendiam. Atiraram no que viram e acertaram no que não viram. Não me refiro apenas ao milhão e meio de desempregados, à crise na indústia aeronáutica, nem ao fato de que o rio Hudson parece estar se infiltrando pelas galerias do metrô e ameaça inundar New York. Eles conseguiram que a reação americana desencadeasse um pavor em todo o mundo, que está se transformando num antiamericanismo sem precedentes. Bush caiu numa ambush ( emboscada).

Morei em frente a um cemitério militar norte-americano durante a guerra do Vietnam. Foi em Los Angeles entre 1965 e 1967. À noite assistia sempre ao noticiário da CBS comandado pele legendário Walter Cronkike, mostrando cenas crudelíssimas da guerra, e terminando sempre com bordão: This is the way it is: assim são as coisas.

Mas, da minha casa, ver os corpos desembarcando no cemitério dentro dos caixões militares, dava-me uma outra face das batalhas. A morte já não era algo distante, virtual, ela escorria da tevê para o terreno em frente. Vez por outra, fui até ali, e ficava a vagar entre as cruzes dispostas geometricamente sobre a relva. Aquele cemitério tão diferente dos nossos. Aquele cemitério tão racionalmente organizado, tão logicamente desenhado, tão diferente dos nossos tão barrocos, góticos, e patéticos. Aquele cemitério cada vez mais povoado de cadáveres num conflito tão logicamente planejado. Sob aquele chão havia mortos de várias guerras. Em 200 anos os Estados Unidos se meteram em tantas e variadas guerras, que talvez não haja uma geração de americanos que não tenha perdido maridos e filhos num campo de batalha.

Agora acabo de ver fotos de pilotos norte- americanos beijando noivas e mães, como outras mães e noivas beijaram seus filhos na guerra do Vietnam, na guerra da Coréia, etc. Lá longe, nas fronteiras do Afganistão, onde o horror há muito já estava instalado, sobrevem um horror apocalíptico, "infinito" .

Fala-se de Deus, de Alah, de civilização, de vingança sem precedentes.

A guerra, embora a chamem de justa e às vezes a chamem de santa, sempre despertou nos homens os seus piores sentimentos.

E-mail para esta coluna: santanna@novanet.com.br

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