MENTES SIMPLES E COMPLEXAS
Affonso Romano de Sant’Anna
Essa guerra no Afeganistão está servindo para aclarar que vivemos o embate entre mentes simples e mentes complexas.
A mente simples é retilínea, plana.
A mente complexa é curva, elíptica.
A mente simples acredita que somando dois com dois vai chegar ao quatro.
A mente complexa sabe que somando dois com três pode chegar a vários resultados, até mesmo, eventualmente, ao quatro.
A mente simples afirma que a linha reta é a menor distância entre dois pontos.
A mente complexa sabe que o universo é curvo e que, portanto, a curva pode também ser a menor distância entre dois pontos.
A mente simples acredita que o que não é branco é preto.
A mente complexa sabe que existe um espectro de cores e é com essa palheta que se chega ao arco-iris.
A mente simples diz furiosa: olho por olho, dente por dente.
A mente complexa pondera com Gandhi, que dizendo olho por olho acabaremos todos cegos e desdentados.
Esta guerra, portanto, tem seu lado pedagógico para quem quiser aprender alguma coisa.
Lembram-se de quando dividíamos o mundo em esquerda e direita?
Era um topológico equívoco. Só porque durante a revolução francesa, na Assembléia Nacional, os que queriam mudanças sentavam-se à esquerda e os que queriam conservar as coisas estavam à direita, passamos todos a pensar topicamente.
Mas logo-logo o sangue que escorria dos cadafalsos nos mostraram que ele fluía da direta, fluía da esquerda, fluía do centro.
Hitler não era de direita nem Stalin de esquerda.
Hitler e Stalin eram mentes perversamente simples.
Isto que estamos assistindo em torno do Afeganistão não é um conflito entre o mundo islâmico e o mundo cristão.
É um conflito entre a mente simples e a mente complexa.
A mente simples não vê matizes.
É o bem contra o mal, o certo contra o errado, o Ocidente versus Oriente.
Por isto é possível detetar entre os ocidentais os que têm mentes simples e entre os orientais os que têm mentes complexas.
Por isto é possível até mesmo entre aqueles que dizem que estão à esquerda e à direita, perceber os que têm mentes simples e os que têm mentes complexas.
Vejo uma série de coisas expressas por escritores nesses dias. Espera-se que o artista e o intelectual estejam habilitados a lidar com o simples e o complexo. Nem sempre. Se há intelectuais que estão tentando ver as nuances do conflito, há aqueles como Oriana Fallaci e Salman Rushdie que ostentam uma retilínea reação verbal.
O terrorista tem uma mente terrivelmente simples.
O militarista, não necessariamente o militar, tem uma mente armadamente simples.
O pacifista, até o pacifista, pode ter uma mente desarmadamente simples.
A arte não é uma coisa simples, embora alguns a simplifiquem em receitas, objetos de consumo e marketing.
Bruneleschi e Alberti, que descobriram a perspectiva no Renascimento, não tinham uma mente simples. Goya não tinha uma mente simples. Clarice não tinha uma mente simples. Nem Guimarães Rosa. Bach era simplesmente complexo.
A mente complexa é a que está sempre aberta para novas dimensões. Newton percebeu dimensões novas no universo. Einstein agregou a quarta dimensão. E agora Stephen Wawking nos anuncia que há pelo menos 21 dimensões ou realidades diferentes.
Olhemos a biologia: o ovo não é quadrado. O coração não é retangular. O DNA são espirais que se procuram a si mesmas num interminável balé de curvas.
Olhemos as galáxias. E os ventos. E os vulcões. E as tempestades. Não são simples, não marcham em linha reta.
O amor, ah! o amor, não é, nunca foi uma coisa simples.
e-m ail para esta coluna: santanna@novanet.com.br
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