PREPOTÊNCIA
X
FANATISMO
Affonso Romano de Sant’Anna
As palavras mais sensatas nessa guerra de aviões, imagens e discursos, tem sido de alguns escritores. Deveriam ter sido de políticos e estrategistas, que passaram a vida se preparando para essas eventualidades. Poderiam ter sido do presidente dos Estados Unidos. Mas as palavras mais sensatas sobre o ensaio de apocalipse ocorrrido em Nova York e Washington, as encontramos na boca de três escritores: dois romancistas- o paquistanês Tariq Ali, o judeu Amos Oz e o linguista norte-americano Noam Chomsky.
É ilustrativo o contraste entre a arrogância de uns e o bom senso de outros.
Enquanto políticos e estrategistas americanos, movidos pela irracionalidade dos fatos, sem considerar os matizes da situação retomam o velho e perigoso discurso do "bem" contra o "mal", pregando a oficialização de uma "guerra suja", comportando-se, portanto, como talibans ocidentais, falando em "guerra santa" e em "cruzada", enquanto esses mesmos líderes americanos referem-se aos inimigos como "bárbaros" e avocam para si o título de "civilizados", aqueles escritores, um paquistanês, um judeu e um norte-americano ponderam mais ajuizadamente os fatos e revelam que aqueles que lidam com a linguagem e com a ficção, às vezes, enxergam melhor a realidade.
O israelita Amos Oz considera que se existe um fundamentalismo mulçumano, por outro lado, existe um extremismo chovinista e religioso no mundo cristão e mesmo no mundo hebraico. E sensatamente expressa algo que muitos judeus pensam: "que não não podemos negar aos palestinos o direito natural à autodeterminação", e que "a Cisjordânia e Gaza, territórios ocupados por Israel, certamente não representam uma defesa para Israel. Ao contrário, transformam a nossa autodefesa mais difícil e complexa. Quanto mais rápido essa ocupação terminar, melhor será para os ocupados e ocupantes". E, ao final, assinala que é preciso afastar-se dos "clichês racistas sobre a mentalidade muçulmana".
Por seu lado, Tariq Ali diz coisas duras e irrefutáveis e que estão também sendo lembradas pelos jornais: "O inimigo de agora já trabalhou para a CIA e o Pentágono. O governo americano bombardeou uma enorme parcela do globo. Hiroshima e Nagasaki, a Coréia do Norte, o Vietnam, Bagdá, Belgrado. Antigamente os EUA estavam certos de que os comunistas nunca conseguiriam atacar a América. Mas o inimigo hoje é teológico e não ideológico. Alá pode mover ações que Marx e Lenin não permitiriam".
A seguir Tariq Ali diz outra coisa irrefutável sobre a qual há que pensar, embora estejamos todos consternados com a tragédia em Nova York. Existe também um"terrorismo de estado" por parte dos Estados Unidos e de Israel e o "problema é que os Estados Unidos apóiam a falta de democracia no mundo árabe e tem sido assim desde sempre".
Tome-se agora o que diz Noam Chomsky, que leciona no MIT, centro de inteligência acadêmica norte-americana. Ele lembra que a "cultura imperial" americana tem raízes profundas. Que o diga, por exemplo, o México, que perdeu grande parte de seu território para os Estados Unidos. Isto contraria que o discurso de Madeleine Albright, que disse que os que querem destruir os Estados Unidos têm inveja da civilização americana. Talvez ela devesse levar a sério aquela frase simples, direta e inquietante, estampada em cartazes pelo mundo árabe: "Americanos! parem para pensar porque o mundo vos odeia".
Claro que o mundo inteiro não odeia os Estados Unidos. Mas o espírito anti-americano pode agravar-se diante de novos equívocos que estão prestes a serem cometidos.
Chomsky lembra que os Estados Unidos muitas vezes apoiaram ditaduras e governos terríveis, propiciaram golpes de estado, por interesses puramente econômicos, desprezando questões humanitárias. E isto ocorreu não só na Indonésia em 1965 onde morreram umas 500 mil pessoas, mas na África e América do Sul. E lembra que por causa das sanções econômicas a certos países: "Uns dois anos atrás , a então secretária de estado Albright diante do número de meio milhão de crianças mortas , disse – Bem, este é um preço alto, mas estamos dispostos a pagá-lo".
Os terroristas também dizem que estão dispostos a pagar pelo preço de suas ações. E o pagam com moeda viva, com seus corpos incontroláveis.
Um outro escritor americano– John Updike, revelou que, com sua família tentou doar sangue às vítimas da catástrofe novaiorquina. E comentou:"Comigo houve algo estranho. Vivo num subúrbio, cerca de 40 quilômetros de Boston, por onde costumam passar aviões; estamos perto de um aeroporto. Mas nos últimos dias, não houve aviões. É um silêncio perturbador. Mudou a textura da vida".
Eu diria que não foi só a textura, mas o texto da vida é que mudou. O script, a novela, o jornal, o poema de nossa história, carece agora de ser escrito em outra linguagem, que não os lugares comuns de ontem. E nos acautelemos para não chamar simploriamente de guerra do "bem" contra o "mal", o que pode ser apenas um lamentável embate da prepotência contra o fanatismo.
E-mail para esta coluna: santanna@novanet.com.br