Violência e territorialidade

 

Affonso Romano de Sant’Anna

 

-O que quer um terrorista?

-Explodir o corpo, o carro, o país do outro.

-O que quer o revolucionário?

-Ocupar, no poder, o espaço do outro .

-O que quer o ditador?

-Demonstrar que o espaço nacional é dele.

-O que quer o estuprador?

-Invadir o corpo do outro.

-O que quer o fanático?

-Ocupar o espaço da mente do outro.

-O que quer o canibal?

-Que o outro ocupe um espaço no seu estômago.

-Enfim, o que é a globalização senão a instância última de ocupação de espaços? Ocupação, diga-se uma vez mais, desencadeada com charme pelo marketing dos mais ricos e fortes.

A guerra, forma mais volumosa de terror, é a mais violenta maneira de se ocupar o espaço do outro.

Portanto, é curioso rever o cotidiano e reler a história de um ponto de vista espacial. Existe até uma ciência chamada proxemia, que estuda a maneira como nós e os animais utilizamos o espaço. Cada animal mantém o que se chama de "distância de fuga" em relação ao seu predador.Tal distância varia com a espécie. A distância de fuga do antílope é de 500 metros. Na vida pessoal e pública povos de diferentes culturas manejam o espaço pessoal e público diferentemente. Um esquimó sabe se guiar na neve como um beduino no deserto, porque o diálogo que têm com o espaço lhes é próprio. Os ameriacanos ficaram atordoados no Japão de após guerra, porque as ruas não tinham nomes. Estrangeiros às vezes se espantam com essa maneira carioca e baiana de as pessoas se pegarem, se afagarem para conversar, pois a distância crítica entre nós ou entre dois árabes é diferente da distância crítica entre dois corpos mantida pela cultura saxônica. Por exemplo, a distância pública recomendada em relação `as pessoas importantes nos Estados Unidos é de nove metros. Edward Hall que estudou isto( "A dimensão oculta", Liv. Francisco Alves), considerou as noções diferentes de espaço entre os ocidentais e os árabes. Um americano acha a proximidade física dos árabes muito invasiva, já os árabes, por outras razões, acham os americanos muito atrevidos, por isto Hall conclui que espacialmente "apesar de dois mil anos de contato, os ocidentais e os árabes ainda não se entendem".

Rousseau e outros dizem que a origem da desigualdade social surgiu no dia em que alguém moveu sua cerca sobre o território alheio.

Territoralidade- palavra a ser de novo habitada.

A história de algumas religiões nos dá terríveis provas da sacrílega ocupação de espaços. Sobre a ruína de muitos templos greco-romanos ergueu-se uma igreja cristã. Até hoje em Roma afloram nomes testemunhando isto, como a igreja "Santa Maria Sopra Minerva". Onde estava o culto à Minerva, ergueu-se o templo à Maria.

O terrorista está nos forçando a repensar a política do espaço. Isto tanto nos conflitos entre palestinos e judeus, quanto no abominável terrorismo do ETA ou dos irlandeses do norte brigando religiosamente por seus espaços.

Depois de os Estados Unidos terem resolvido o problema espacial interno- o Norte venceu o Sul na Guerra da Secessão e o país ocupou metade do território do México, os americanos acostumaram-se a praticar sua espacialidade comercial e guerreira no exterior, longe de suas cercas.Contudo, ao final de décadas em que foram acusados de imperialistas, ou seja, de estarem avançando econômica e ideologicamente sobre o espaço alheio, o terror os faz retroagir ao próprio espaço. E isto se desdobra espacialmente em três patamares:

1-primeiro, demonstrou-se que o espaço territorial americano é vulnerável. E com as torres do WTC começaram a ruir outros imponderáveis espaços;

2-a segunda etapa foi mostrar que o corpo - que é o território mínimo de cada indivíduo- é vulnerável. Iniciou-se então o bioterrorismo com o pó branco contendo antraz;

3- à invasão do espaço nacional e à invasão do espaço corporal, seguiu-se a ocupação de um terceiro espaço: a mente. Os terroristas lograram abalar, inocular o terror no imaginário americano. Ou seja:desabaram prédios e corpos, e abalaram mentes. Lograram introjetar a bactéria do terror no corpo da nação americana.

Sobre esse tema andei vendo um poema de W.A. Auden que considera que a fronteira entre ele o seu semelhante é de 3o polegadas. Mesmo assim ele convida o outro para o amor, pedindo que não atravesse essa fronteira rudemente. Por coincidência, um ex-aluno meu americano, hoje na carreira diplomática-Carlos Bakota manda-me um e-mail dizendo que o poema mais lido hoje nos Estados Unidos é de W.A. Auden.Chama-se "September 1,1939".É um longo e pesaroso texto sobre a invasão da Polônia pelos nazistas. E de alguma maneira descreve a alma americana hoje, pois começa a falar no clima de incerteza e medo na rua 52 em Nova York, das ondas de fúria e medo que circulam sobre escuras regiões da terra trazendo para nossa vida pessoal a obsessão que atemoriza e ofende a noite de um terrível setembro.

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