abril/97 MARQUEZI
Os Que Amam E os Que
Odeiam
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Civilização sábia não escolhe entre o PC e o ábaco. Fica com
os dois
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Imagine a seguinte situação: no mesmo centro de convenções
marcam seus congressos para o mesmo dia e a mesma hora o Clube
dos Adoradores Fanáticos de Computadores (na ala A) e a
Sociedade Internacional dos Que Odeiam Computadores (na ala B).
Quem fosse para a ala A daria de cara com painéis de testemunhos
de usuários de chips absurdamente velozes, discos rígidos de
centenas de gigabytes, modems mais rápidos que o pensamento,
CD-ROMs de velocidade multiplicada por 64, circuitos de fibra
óptica, monitores de cristal de titânio. Os visitantes da ala B
mostrariam com orgulho escritores com velhas Remington,
contadores altivos com seus lápis e borrachas, pilotos de DC-3,
arquitetos de régua-T, linotipistas quase cegos, editores de
cinema adoradores de durex, arquivistas com bicos-de-pena
registrando tudo em cadernos, o paraíso de ácaros em férias.
Num certo momento, fatalmente ocorreria um encontro de alguém da
ala A com alguém da ala B. Depois de se olharem com mútuo e
profundo desprezo, haveria alguma possibilidade de diálogo? Como
costuma acontecer em qualquer diálogo, os dois lados sairiam
ganhando. Os que adoram computadores iriam aprender que tem gente
trabalhando duro, se esforçando muito, e conseguido resultados
respeitáveis SEM computador. Para as gerações novas, fazer
alguma coisa sem a ajuda de algum tipo de computador parece
insano. E, no entanto, métodos "tradicionais" não
devem nunca ser esquecidos, mas preservados. Uma civilização
sábia não escolhe entre o computador e o ábaco. Fica com os
dois.
Já os que odeiam computadores poderiam aprender que aquela
máquina aparentemente diabólica é uma extensão de suas
próprias capacidades e que ser contra o micro é ser contra a
sua própria capacidade de produzir.
É bom comparar o computador a uma espada. Uma espada não existe
para ficar parada na bainha do guerreiro recebendo upgrades de
óleo e flanela. Existe para arrancar sangue do inimigo. Não
tente arrancar sangue de ninguém com o computador. Pode causar
danos irreversíveis à CPU. O fato é que existe o técnico em
computação, e este realmente precisa ser um fanático para
acompanhar cada pequena mudança por segundo que ocorre na
indústria mais dinâmica do planeta.
Existe uma classe de usuários que não programa nem conserta
computadores, mas constrói uma igreja para a máquina. Seus
olhos brilham ao comentar o último MMX, o disco de 2 GB ou o
modem de 56,6 Kbps. E eu pergunto: tudo isso... pra quê?
Geralmente para nada ou quase nada. Como acontece a usuários de
crack, a síndrome do upgrade provoca dependência de doses cada
vez maiores. Suplementos e revistas mostram que o equipamento
avançadíssimo que você comprou hoje de manhã está
completamente obsoleto ao pôr-do-sol. Não tente fazer nada com
a versão 2.5. Espere pela 3.0.
Às vezes eu me pego nos últimos estágios de consciência antes
do sono olhando fixo para o monitor, babando pelo canto da boca,
os circuitos cerebrais se desligando um a um... E eu lá, olhando
o monitor, revoltado pelo fato de que tenho de dormir, mas o
computador não.
Fascínio por máquinas novas acompanha a evolução humana.
Alguns de nós - eu inclusive - somos ainda aqueles peludos de
2001 - Uma Odisséia no Espaço, gritando ugh para o grande
monolito negro.
O perigo é quando o ugh de admiração se transforma em ugh de
idolatria. Ou vício. Quando a relação entre vida real e vida
virtual começa a se desequilibrar para o lado plugado de nossas
existências.
O perigo é que brasileiros já têm experiência em idolatrar
máquinas. Gastam tudo o que ganham em carros e equipamentos para
carros, comem nos carros, passam os domingos e feriados lavando
seus carros, praticam sexo nos carros, atiram em quem tocar em
seus carros com outros carros.
Carros são apenas meio de transporte.
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Dagomir Marquezi é jornalista e escritor
maio/97 DVORAK
E o Pentium
Comeu Poeira...
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O Chip K6, da AMD, É Mais Rápido Que Qualquer
Outro Já Lançado Pela Intel
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Independentemente do que digam em contrário, a coisa mais
importante que aconteceu nos Estados Unidos nos últimos meses
foi a reentrada da AMD na arena dos microprocessadores, com seu
chip K6. Desde as disputas em torno do 286, em meados dos anos
80, essa é a primeira vez que um processador não-Intel chegou
ao mercado e superou em performance o chip reinante. A guerra
apenas começou. Desta vez, a diferença é que a Intel já
domina mais de 90% do mercado e pode jogar duro.
Nos Estados Unidos, nenhum dos principais produtores de micros
jamais admitiria que está conversando com a AMD, embora esta
declare manter sérias negociações com dez dos quinze maiores
fabricantes. Assim, os primeiros sucessos da AMD serão
registrados no exterior. Inicialmente, você verá mais máquinas
com o K6 no Brasil que nos Estados Unidos.
O esquema que a Intel armou consiste em colocar-se numa posição
a partir da qual ela pode, essencialmente, cortar os
fornecimentos a qualquer cliente que considere a hipótese de
adotar o produto da AMD. Uso o termo "essencialmente"
porque, em sua maioria, as práticas desleais são ilegais nos
EUA - mas há formas de contornar a lei. Como alguns componentes
sempre são escassos, um "certo" fabricante sempre pode
ser colocado na lista de espera. Logo, logo, ele estará fora do
negócio.
Nas duas últimas décadas, o governo americano permitiu que as
empresas se envolvessem num frenético processo de fusões,
incorporações e práticas que não seriam aceitas em período
anterior. Teria sido impossível para qualquer companhia
alcançar o nível de participação de mercado que a Intel tem
hoje com as medidas antimonopolistas que existiam no passado. Mas
os conceitos de competição global mudaram tudo.
Desde que as práticas agressivas dos japoneses quase dizimaram a
indústria automobilística americana (e, de fato, destruíram o
segmento de aparelhos de TV), o governo afrouxou as rédeas dos
controles. Os negócios de semicondutores deixaram rapidamente
para trás o Japão e a Alemanha e ocuparam posição número 1
no mundo. Mais recentemente, essa atitude permissiva resultou na
fusão da Boeing com a McDonnell-Douglas, um ajuntamento
ridículo de dois gigantes que deveria ter sido rejeitado pelo
Congresso. Mas tudo foi feito para tirar do caminho a Airbus
Industrie, o consórcio multinacional europeu de indústrias de
aviação. De novo, uma preocupação global. Na esteira dessas
novas permissões, o sucesso de muitas pequenas empresas que são
essenciais para o crescimento interno também foi cerceado. Os
efeitos de longo prazo nos Estados Unidos serão a menor oferta
de empregos de qualidade e a queda do padrão de vida. Como se
trata de uma sociedade violenta por natureza, suspeito que mais
arruaças e outras ações danosas vão dominar as próximas
décadas. Bem, mas estou divagando...
De volta à AMD. A empresa tem um presidente, Jerry Sanders, que
é um lutador agressivo e pitoresco. Na conferência de imprensa
em que foi feito o anúncio do K6, ele chamou a Intel de
monopolista e disse que o mercado precisava ter uma alternativa
para melhorar a competição. Daí o K6. O que a AMD tem é um
chip que exibe melhor performance que os da Intel rodando Windows
95. O Pentium Pro foi otimizado para o código de 32 bits e o K6
não, mas tem todas as outras características do concorrente,
inclusive MMX. Além disso, o chip da AMD foi lançado com
velocidade de 233 MHz, o que o torna ainda mais rápido. Ele
também se encaixa no soquete do Pentium e roda como um Pentium
Pro. Na verdade, ele foi projetado para competir com o Pentium
II.
No geral, a Intel não tem como fazer um processador que chegue
perto do K6 em termos de preço/performance. Pelo menos até que
ela lance o P7 - ou seja, não antes de 1998. Por sorte, a Intel
pode navegar com segurança até o nirvana do P7, garantida pela
sua posição de domínio no mercado. A AMD vai ter de provar que
pode fazer mais do que apenas esse chip. Para pessoas como eu,
que montam suas próprias máquinas, e para pequenos fabricantes
de clones, o chip é excelente. Uso o K6 desde que foi lançado
e, sem dúvida, é o processador mais rápido que já
experimentei. E, aparentemente, não tem bugs.
O que pode se tornar um problema para a Intel é seu próximo
chip, o Pentium II. Enquanto a empresa se gaba do que é capaz de
fazer na criação de chips, esse, em particular, é ridículo no
estágio em que se encontra. É do tamanho de um pequeno tijolo e
usa uma tecnologia de conexão nova e cara chamada Slot One, que,
segundo a Intel, vai aceitar velocidades cada vez mais altas. Mas
as mudanças gerais no sistema são complexas e, o que é mais
importante, caras. Além disso, as pessoas vão perguntar por que
o chip é tão grande. O problema da imagem potencial não é
simples para a empresa. No lançamento do K6, Jerry Sanders
mostrou uma réplica do Pentium II e zombou do chip diante da
audiência. Suponho que a Intel possa dizer que o tamanho
avantajado torne mais difícil roubá-lo.
A Microsoft passa ao largo de tudo isso porque não quer assumir
um lado nessa briga, embora esteja mais próxima da AMD. O
diretor de tecnologia da AMD contou como Bill Gates foi
responsável pela fusão da Nexgen e da AMD há cerca de um ano,
da qual resultou esse chip. A Microsoft sempre teve medo de que a
Intel de repente se volte para o lado da IBM e domine toda a
indústria, inclusive o lado do software. Houve uma polêmica
dentro da Intel quando ela entrou no negócio de placas-mães,
mas agora ela vende mais placas que qualquer outro fornecedor. Se
existe algo que possa parar o monstro, só pode ser o K6.
Excelente chip.
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