Renato Costa
O saudoso Otávio Mangabeira, ex-governador da Bahia, gostava de
dizer
sempre que se alguém ouvisse falar de um absurdo com certeza na
Bahia já
haveria precedente. E, para dar razão ao velho Mangabeira, o governo
estadual cria mais um destes precedentes do absurdo. Trata-se da reforma
da
Constituição da Bahia, onde são modificados 75 itens
e revogados 38, além
de incluir oito novos itens. Mexe-se em um terço da Carta Magna
baiana.
A Assembléia Constituinte, que elaborou a atual Constituição
da Bahia, foi
instalada em 12 de outubro de 1988, presidida pelo deputado Coriolano
Sales e tendo como relator o deputado Fernando Daltro. Para que se
chegasse ao texto final, promulgado em 5 de outubro de 1989, foi preciso
um
trabalho exaustivo, um amplo debate com a sociedade, com 39 sessões
ordinárias e 22 audiências públicas nas principais
cidades do Estado da
Bahia.
Dentre os constituintes da época que puseram sua assinatura histórica
estão o
governador César Borges, o vice-governador Otto Alencar, o atual
presidente da Assembléia Legislativa, Antonio Honorato, o atual
líder do
governo, deputado José Ronaldo, dentre outros constituintes que
continuam
exercendo o mandato de deputado estadual e integram a bancada da atual
maioria governista.
Eis o absurdo que Otávio Mangabeira vaticinava: a Assembléia
Legislativa do
Estado da Bahia, no seu recesso parlamentar iniciado em 15 de dezembro
próximo passado, se autoconvocou, de acordo com o seu regimento,
para
votar mensagens enviadas pelo Executivo. Uma delas extrapola o abuso do
poder. O governador envia para a Assembléia Legislativa a proposta
de
reforma da Constituição sob forma de Projeto de Emenda Constitucional
para
ser votada de uma só vez, em nove dias, sem nenhuma possibilidade
de que
os 19 deputados de oposição possam fazer qualquer emenda,
nem sequer
formar uma Comissão de Reforma Constitucional. Esta é a maneira
adequada
para tratar matérias como esta e não enfiando goela abaixo,
na mais explícita
prática de política do rolo compressor.
Registramos nossa indignação, o nosso protesto e vamos tomar
medidas
judiciais para impedir este precedente do absurdo baiano. Argumentam eles,
os governistas, que não é reforma. Que é uma simples
adaptação à Carta
Magna federal recentemente reformada. Acontece que a Constituição
brasileira, para ser reformada ou alterada passa por um amplo debate no
Congresso Nacional. Mas na Bahia, Ah! na Bahia, não precisa discutir
com
ninguém, pois o “prato feito” do Executivo é sistematicamente
engolido, sem
alterar sequer uma vírgula e nem mesmo erros de português,
pela obediente
maioria de deputados governistas da Assembléia Legislativa.
Com o eufemismo que não é reforma, a Assembléia Legislativa
abdica do
dispositivo que lhe permite convocar o Executivo quando necessário.
Ela
pode dar posse ao governador e vice-governador, mas vai ficar proibida
de
ouvi-los. Isto é puro masoquismo político, uma autoflagelação
do Poder
Legislativo baiano.
O projeto que eles insistem em não considerar reforma altera o único
conselho baiano em que a sociedade tem participação efetiva
e democrática,
que é o Conselho Estadual de Proteção ao Meio Ambiente
– Cepram.
(Grifo nosso)
A comunidade científica baiana também está perplexa
pois a proposta do
Executivo suprime o artigo 267, que cria obrigatoriamente uma fundação
de
apoio à pesquisa científica e tecnológica. Fundações
como as que já existem
em vários estados, como a Fapesp, em São Paulo, que está
em pleno vigor e
funcionando com toda autonomia. Na Bahia, a instituição pioneira
desse tipo
foi a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, instalada
em 1950 por
iniciativa de Anísio Teixeira, então secretário estadual
de Educação e Saúde,
que conseguiu assegurar que os recursos para o funcionamento fossem
fixados na Constituição estadual de 1947 na forma de um percentual
da
receita tributária do estado. Enquanto a Fapesp, instalada em 1962,
funciona
com eficiência reconhecida internacionalmente, a congênere
da Bahia foi
extinta em 1975 no final do primeiro mandado do Sr. Antonio Carlos
Magalhães.
A Constituição de 1989 assegurou a criação
de uma Fundação Bahiana de
Amparo à Pesquisa, mas vem faltando vontade política para
concretizá-la.
Aliás, a bem da verdade, o governador Paulo Souto, professor universitário
da área de Geociências, chegou a ter vontade, chegou a assumir
o
compromisso de criar a fundação baiana, mas faltou-lhe autonomia
suficiente
para cumprir o prometido. Ficou em débito com a comunidade científica
baiana. Existe também na Constituição federal a emenda
Florestan Fernandes,
que consagrou a possibilidade de vinculação de recursos provenientes
da
arrecadação tributária estadual para o custeio de
atividades de fomento à
pesquisa. Se a Constituição federal foi emendada, vamos também
emendar a
estadual, mas dentro do cuidadoso rito que as matérias constitucionais
requerem.
Quanto à fundação baiana, o eminente professor Milton
Santos, um dos seus
mais ilustres representantes da Bahia, recentemente, numa sessão
especial
realizada nesta própria Assembléia Legislativa, requereu
oralmente ao
governador César Borges a criação da Fundação
Baiana de Amparo à
Pesquisa. E agora o governador inviabiliza o pleito, revogando o artigo
da
Constituição que prevê a criação da mesma.
Registramos nosso mais veemente protesto como deputado eleito pelo povo
para compor um Poder Legislativo cuja atribuição é
legislar. Recusamos a
função homologadora que esta Casa vem se submetendo. Mas
dessa vez o
governo exagerou, pois constituições não são
escritas em gabinetes do Poder
Executivo. Qualquer constituição que se presuma democrática
tem que ser
escrita ou reformada por legisladores com respaldo do voto popular e para
que seja legítima, tem que ser amplamente discutida com seus maiores
interessados: a sociedade. Desta forma a Bahia, em vez de avançar,
recua.
Por sinal um péssimo recuo.
Renato Costa é deputado estadual, líder do PSB.
A TARDE OnLine
Editor: Marcos Venancio
Suporte: Elisandro Lima
Operadores: Marcelo Conceição e Miguel Ivân Carneiro
Matérias sobre a Reforma da Constituição da Bahia - Revogação do CEPRAM-BA