OBSERVAÇÕES SOBRE O MORCEGO-DE-ORELHAS-REDONDAS (Tonatia bidens) .
por : Carlos Esbérard & Alessandra Dotto Hamond
O Morcego-de-Orelhas-Redondas (Tonatia bidens) é espécie da Família Phyllostomidae e da Subfamília Phyllostominae, onde estão inseridos os morcegos com hábito alimentar predominantemente carnívoro e insetívoro. Somente recentemente maiores detalhes do hábito alimentar desta espécie foram descritos, sendo descrita a captura de aves. Anteriormente acreditava-se que este morcego se alimentava unicamente de insetos e frutos.
Tonatia bidens emprega poleiros de alimentação. Após a captura das presas voa até locais previamente escolhidos onde manipula e ingere a presa. Tais locais podem ser freqüentados por um único exemplar ou por vários animais. Várias estruturas podem ser empregadas, como grutas, ocos de árvores ou construções. Estes poleiros de alimentação tem em comum se situarem junto a clareiras ou áreas descampadas. Tais locais são facilmente identificados pelos restos de animais encontrados sobre o solo.
Figura 1 - Morcego-de-Orelhas-Redondas
Realizamos a análise destes restos em sete diferentes locais do Estado do Rio de Janeiro : Município do Rio de Janeiro Parque Lage em antiga masmorra, Parque da Cidade em banheiro público, Açude da Solidão em banheiro público abandonado, Residência da Gávea em construção, Município de Casimiro de Abreu casa de bombas e Município de Guapimirim oco de "Castanheira" e manilha.
Variada gama de presas já pode ser identificada. Insetos são as presas mais freqüentes. Os insetos predados já identificadas pelos restos encontrados foram :
Ordem Lepidoptera grandes mariposas (como família Arctiidae) e borboletas de hábitos crepusculares (Caligo beltrao), sendo desprezadas pelos morcegos as asas, cabeça e espirotromba;
Ordem Orthoptera família Blataridae incluindo espécies sinantrópicas, família Grillidae, incluindo espécies diurnas ("gafanhotos") e noturnas ("grilos"), sendo encontradas asas, membros, ovipositor e cefalotórax e Família Mantidae (Louva-deus) sendo encontrados restos de asas e membros;
Ordem Coleoptera (besouros), incluindo a família Scarabidae, identificados por restos de asas, partes do cefalotórax, partes dos membros e chifres de machos;
Ordem Hemiptera, Família Belastomidae (Barata-d'água), identificados através de asas e membros, junto a grandes coleções dagua e
Ordem Odonata (Lavadeiras), identificados por restos de cefalotórax e asas.
Restos de vertebrados foram menos freqüentes :
Classe Amphibia, Ordem Anura (pererecas), sendo identicados atrvés de restos de membros posteriores e pelvis;
Classe Reptilia, Ordem Squamata, Família Gekonidae (lagartixa), identificado atrvés de dois crânios e parte de cauda;
Classe Avis, Ordem Passeriformes (pássaros) identificado através de um crânio e membros posteriores e Ordem Apodiformes (beija-flores) identificado através de um crânio, além de penas de espécies não identificados e
Classe Mammalia, Ordem Chiroptera, Família Vespertilionidae (morcego) identificado através de membros anteriores e posteriores e cauda.
Tonatia bidens é espécie que apresenta atividade diária compreendida entre o crepúsculo e o amanhecer. Dos 58 exemplares capturados, apenas cinco foram capturados após as 24:00 h, e a média do horário de capturas foi de 20,79 + 2,70 h. Estes morcegos empregam os poleiros de alimentação várias vezes durante a noite, carregando para este as presas tão logo quanto capturadas. Um dos exemplares foi capturado portando uma barata ainda viva às 17:48 h. Nossas observações indicam que cada exemplar pode empregar mais de um poleiro de alimentação, visto que não observamos atividade junto a estes em noites consecutivas.
Tonatia bidens forrageia tanto em bordas de matas, como junto a construções humanas, como pode ser comprovada pela apreensão de Periplaneta americana. Esta espécie de morcego aparenta ser mais abundante e com ampla ocorrência, apesar de não ser largamente citado em levantamentos de fauna do sudeste do Brasil. Tal fato pode ser explicado pela não consideração dos poleiros de alimentação como locais apropriados para captura da espécie.
Observações sobre o comportamento de apreensão, manipulação e ingestão de presas estão disponíveis para duas das três espécies de Phyllostomidae com hábito predominantemente carnívoro Chrotopterus auritus e Trachops cirrhosus. Espécies menores de morcegos da Família Phyllostomidae e Subfamília Phyllostominae são tidas como predominantemente insetívoras, capturando suas presas sobre a vegetação e no substrato ("gleaners"). Relatos recentes demonstram que Tonatia bidens pode incluir aves em sua dieta. Não existem, entretanto, observações mais detalhadas sobre o comportamento alimentar desta espécie e a manutenção de uma pequena colônia desta espécie permitiu a análise e a comparação deste aspecto com as demais espécies carnívoras de morcegos.
Em cativeiro observamos o comportamento de apreensão e ingestão de camundongos jovens e de insetos. Tonatia bidens apresenta comportamento similar a Trachops cirrhosus e Chrotopterus auritus para a captura da presa, pousando sobre esta e imobilizando-a com mordida aplicada preferencialmente no pescoço ou cabeça quando se trata de camundongos. Insetos grandes como Orthoptera ou Blattariae podem ser apreendidos no cefalotórax ou no abdome.
Após a apreensão o morcego voa até o teto da gaiola e após pousar, abraça a presa com os membros anteriores, envolvendo-a completamente com as asas. Os polegares ajudam na imobilização. A ingestão inicia-se sempre pela cabeça, sofrendo a presa uma rotação, se necessária, realizada com os dentes e os polegares. As vísceras são inteiramente ingeridas. Para os camundongos adultos (até 30 gramas) o morcego rejeita o terço posterior e a cauda. Camundongos mais jovens desprovidos de pelos podem ser totalmente ingeridos.
Aparentemente a carnivoria não se mostra tão freqüente nesta espécie de morcego, visto a reduzida biomassa reduzir a capacidade de apreensão de presas, que devem ser transportadas até o refúgio de alimentação. Como os camundongos adultos oferecidos foram previamente abatidos ou imobilizados, pode-se estimar que os morcegos devam se restringir a presas com o seu porte (27,77 + 4,14 g, N=60 animais, minimo = 13g, máximo = 38 g) ou menores.
Notamos, entretanto, aspecto singular no comportamento deste morcego, podendo dois animais na mesma gaiola dividir a mesma presa, fato observado tanto entre um macho e uma fêmea, como entre duas fêmeas.