DISPERSÃO DE SAPUCAIA POR Phyllostomus hastatus .

Por : Carlos Esbérard & Márcia Chame

O Falso Vampiro, Phyllostomus hastatus, é morcego com hábitos onívoros, sendo o mais generalista das espécies brasileiras. Além de insetos, consome pequenos vertebrados, partes florais e frutos. Seu porte avantajado (antebraço com mais de 80 mm, peso superior a 100 g) permite a utilização de larga variedade de presas, que podem incluir morcegos menores. Devido a seus hábitos generalistas apresenta ocorrência até mesmo em áreas bastante degradadas. Em área urbana emprega para refúgio telhados, porões, ocos de árvores, etc.

A dispersão da Sapucaia (Lecythus sp., Família Lecythidaceae) depende de agentes animais , incluindo morcegos, primatas, roedores, veados e porcos-do-mato. Já foi descrita a procura desta fruta por morcegos, principalmente Phyllostomus hastatus, que é o mais importante dispersor na América Central.

As características da Sapucaia demonstram que esta é uma espécie que depende dos morcegos como agentes dispersores: (a) parte comestível do fruto mole, (b) frutos e sementes grandes, (c ) frutos de cores escuras, (d) odor semelhante a fermentação (e) fruto preso até a maturação completa através de indeiscência e (f) fruto posicionado longe das folhagens. O fruto seco, pixídeo, quando maduro libera o opérculo, expondo as sementes através de abertura de 10 a 15 cm de diâmetro. Os morcegos se alimentam do funículo que prende as sementes, que devem ser arrancadas para o completo acesso. A coevolução da sapucaia e do Falso-Vampiro determina que ambas as espécies apresentam a mesma distribuição geográfica - da América Central ao sudeste do Brasil.

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Figura 1 - fruto de Sapucaia (Lecythis zabucajo)

A Sapucaia em condições naturais apresenta baixas densidades, provavelmente devido ao seu grande porte. No entanto, a Sapucaia (Lecythis zabucajo) foi largamente empregada no paisagismo urbano do Município do Rio de Janeiro. Na Quinta da Boa Vista, grande parque urbano situado na zona central da cidade, duas alamedas foram decoradas exclusivamente com esta espécie, fato que favoreceu grandemente a observação do comportamento alimentar deste morcego. O uso desta espécie foi motivado pelo efeito grandemente ornamental propiciado pela policromia apresentada após a caducifolia, variando a cor das folhas de roxo a verde.

A frutificação desta espécie ocorre de julho a outubro neste local e antecede a caducifolia, que pode persistir até janeiro. Realizamos quatro coletas em uma destas alamedas, atualmente com 95 árvores. As observações foram realizadas em meados de setembro, quando 21% dos cerca de 4.000 frutos ainda não estavam abertos (de 21 a 24/09/1992). Cada árvore no local estudado apresentava grande número de frutos, às vezes excedendo 150. Durante o período de observação constatamos que 12 a 32 frutos abriram a cada 24 h.

Notamos a aproximação dos morcegos cerca de 40 min após o crepúsculo, que eram facilmente distintos das demais espécies do local pelo porte, coloração e vôo. Vários animais aproximavam-se dos frutos abertos, freqüentemente vocalizando e resultaram em várias interações agressivas, identificadas pelos sons emitidos e também pelo contato de dois animais em pleno vôo.

Para obter o funículo de que se alimenta o morcego deve pousar sobre a parte superior do fruto, agarrando-se com os membros posteriores e abraçando o exterior deste com as asas, sustentando-se com os polegares. Após enfiar a cabeça no interior do pixídeo, abocanha uma semente e voa para outro local, onde, pousado, manipula a semente, até apreender com a boca o funículo. Após a ingestão do funículo abandona a semente. A remoção completa de todas as sementes não dura mais de dez min.

Durante o horário de visitação máxima dos morcegos, que persistiu até 2,5 h após o crepúsculo vários morcegos pousaram sobre os frutos vazios, sendo seguidos por outros exemplares. Notamos que alguns animais eram atraídos e pousavam em frutos já vazios após ruídos de folhas e ramos, provocados pela queda dos opérculos. Realizamos barulho similar batendo os frutos com vara de bambú, confirmando que os animais se aproximam.

Phyllostomus hastatus parece ser o único morcego do local capaz de utilizar a sapucaia como recurso alimentar devido a grande distância entre a borda do pixídeo e as sementes. Capturamos neste local outras espécies de frugívoros, cujo porte não sugere ser possível realizar a dispersão da sapucaia.

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