Intensidade sim, densidade não
Por: Bel Cesar - belcesar@terra.com.br


Outro dia, assistindo ao noticiário, tive uma estranha percepção: existe monotonia em meio a toda agitação. Quando a mudança vira rotina, perdemos o sentido de ser por ela transformados, pois nos tornamos densos e superficiais, cansados de viver apenas para “cumprir tarefas”. Nossa mente busca alívio e frescor. Mas, enquanto estivermos sobrecarregados pela densidade do mundo exterior, não conseguiremos acessar nossa energia própria, que é naturalmente calma e serena.

Todo mundo comenta que o “ano voou”. Até parece que não temos mais tempo para perceber as mudanças de nossa própria vida: mudei de casa há seis meses e não deu nem tempo de conhecer o meu vizinho, pois ele já se mudou também. Da janela do quarto de minha filha, já vejo um novo prédio de 15 andares. Aliás, construíram rápido, porque os operários trabalharam inclusive aos sábados a partir das 7:30 da manhã... O barulho também aumentou à noite: outro dia, um helicóptero sobrevoou o teto de nossa casa quando já estávamos prontos para dormir. Aprender a relaxar em meio à intensa atividade é um desafio que toca a todos nós.

Se não tivermos capacidade de digerir as mudanças externas em nosso interior, não conseguiremos nos desapegar emocionalmente do passado e, conseqüentemente, estaremos cada vez mais sobrecarregados pela falta de contato interno, que é capaz de nos nutrir e de dar sentido às nossas vidas. Só quando conseguimos desconectar nossa mente daquilo que a está prendendo, nos sentimos livres e renovados para ir em frente.

Se observarmos nossa mente com abertura e atenção, saberemos distinguir os sentimentos dos quais temos que nos libertar, daqueles cuja mensagem ainda não digerimos. É como saber a hora de parar uma discussão; quando tudo já foi dito, expresso e compreendido, é hora de partir, deixar “algo”, seguir em frente sem olhar mais para trás. Se não nos libertarmos de nosso lixo emocional, nos tornaremos obsessivos e densos.

Existem também sentimentos para não serem sentidos! Em geral, damos ênfase a sentimentos inadequados! Como diz o velho ditado: “Não faça uma tempestade por um copo d’água”. Saber “pegar leve” é uma arte de saber dar a intensidade justa para cada situação. Saber manter-se na superficialidade, requer a sabedoria de reconhecer quando o perigo está em se aprofundar em “areias movediças”.

A mente saudável é serena e atenta ao mesmo tempo. Uma mente serena é receptiva a tudo, não está fechada em si mesma, pois não tem a necessidade de evitar um pensamento ou um sentimento para se sentir segura. A mente torna-se serena quando recupera seu estado natural de abertura, aceitação, flexibilidade.
Quando a mente está atenta, quer dizer que está naturalmente direcionada para uma solução. Uma mente atenta não se identifica com os obstáculos, pois os reconhece como um estímulo criativo e dinâmico, próprio do processo natural do fluxo mental.

Uma mente serena e atenta não é vulnerável à confusão externa, mas nem por isso se torna passiva ou indiferente aos acontecimentos à sua volta. Quando nos sentimos serenos e atentos, somos mais capazes de lidar com o caos à nossa volta. No entanto, o primeiro passo para a calma interior consiste em reconhecermos que não podemos ser indiferentes às nossas necessidades internas, como por exemplo:
- Necessidade de desacelerar e de encarar o contínuo medo do desconhecido.
- Necessidade de confiar na continuidade positiva de sua própria energia.
- Necessidade de direcionamento: ter um sentido de vida.
- Necessidade de ser natural, espontâneo.
- Necessidade de pertencer a um grupo de pessoas com os mesmos valores e princípios que os seus.

Quanto mais a vida se torna acelerada e densa, de mais atenção e cuidados o nosso mundo interior necessita. Ser natural requer deixar de ser artificial, isto é, abandonar o controle contínuo de si mesmo baseado na autopressão, no julgamento crítico e rígido de nós mesmos.

Quando nos sentimos sobrecarregados pela demanda externa, temos a tendência de ter expectativas exageradas a nosso próprio respeito, e acabamos por não admitir quando falhamos. Mas é justamente esta expectativa exagerada que alimenta nossa atitude egocentrada que nos impede de ter confiança em nós mesmos.
Então, o melhor é reconhecer que será a autoconsciência que irá de fato nos ajudar a nos auto-acolher, a pedir ajuda e aceitar que somos seres paradoxais: queremos e não queremos muitas coisas ao mesmo tempo. Até mesmo o sofrimento: estamos tão apegados a ele, quanto buscamos evitá-lo.
A filosofia do budismo tibetano nos ensina a ir além do sofrimento: ela nos fala de como renunciar a ele.

Lama Gangchen Rimpoche escreve em seu livro “NgelSo Autocura Tântrica III” (Ed. Gaia): “Estamos profundamente habituados a essas respostas emocionais negativas que, por esse motivo, surgem já quase espontaneamente a partir de causas muito pequenas. Desperdiçamos tempo demais nos preocupando obsessivamente com nossos problemas emocionais. Motivados por nossas ilusões mentais, cometemos várias ações positivas e negativas, que mais tarde servirão apenas como causas de mais sofrimento samsárico e escuridão interna”.

Sofrimento samsárico ou samsara refere-se ao ciclo infinito e descontrolado de morte e renascimento no qual estaremos presos enquanto nossa mente estiver poluída.
“A maior parte das pessoas não compreende o significado real da renúncia. Muitos pensam que renunciar significa desistir de todas as coisas boas da vida e ficar triste e deprimido. Ao contrário, a renúncia nos traz felicidade e liberdade. O samsara é como mel misturado ao veneno. O gosto nos agrada e, por isso, comemos. Depois, porém, o veneno nos faz adoecer e morrer. Precisamos tomar cuidado! O que queremos é manter o mel e nos livrar do veneno. Precisamos desintoxicar o mel do samsara, aprendendo a usar todas as energias e fenômenos do mundo interno e externo de forma positiva. Essa é a verdadeira renúncia e, se a praticarmos, o mel da vida será realmente prazeroso e poderemos apreciá-lo sem medo”.

Obtido no site SOMOS TODOS UM

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