De fato, o papel da E.F. Sorocabana no panorama ferroviário paulista sempre foi muito importante, particularmente durante a primeira metade do século XX, quando as ferrovias tinham um papel fundamental na vida do estado. Sua encampação pelo governo do Estado em 1919, após várias experiências desastrosas com administrações privadas, fez com que ela fosse usada como instrumento de intervenção estatal em várias ocasiões. Dessa forma ela assumiu o controle de ferrovias deficitárias, que não mais interessavam aos capitais privados mas cuja operação era vital para as regiões por ela servidas. Podemos citar como exemplo a E.F. Funilense, entre Campinas e Pádua Salles; a Southern São Paulo Railway, entre Santos e Juquiá; o Ramal Férreo Campinense, linha de bondes entre Campinas e Cabras; a E.F. Cantareira, na cidade de São Paulo, entre outras.
A eletrificação da E.F. Sorocabana teve um início muito hesitante, causada pelas graves dificuldades financeiras que atravessou no início da década de 1920, às grandes obras executadas entre 1920 e 1930 e ao caráter estatal de sua administração. Entre 1924 e 1939 foram feitos inúmeros estudos e projetos, sem qualquer conseqüência prática. Contudo, uma vez decidida a implantação da eletrificação em 1940, o primeiro trecho, entre São Paulo e Sorocaba, foi implantado mesmo sob as grandes restrições impostas pela II Guerra Mundial. Entre 1945 e 1957 a eletrificação se expandiu até Bernardino de Campos, na linha tronco; até Itapetininga, no ramal de Itararé e até Evangelista de Souza, na linha que ligava a capital do estado até a legendária Mayrink-Santos. A a crise ferroviária brasileira, que se aguçou ao longo da década de 1960, e dieselização reduziram o ímpeto desse avanço, mas ainda foram registrados avanços na eletrificação, que no final de 1967 atingiu Samaritá, na Baixada Santista, e Assis, na linha tronco, em 1969. Note-se que a E.F. Sorocabana foi a última grande ferrovia brasileira que investiu pesadamente em eletrificação nesse período.
Depois de 1970, já sob administração da FEPASA, não só o progresso da eletrificação se interrompeu, como também ela foi prematuramente suprimida no trecho da Serra do Mar, da Mayrink-Santos, em 1974, onde as locomotivas elétricas só trabalharam durante sete anos. A implantação do Corredor de Exportação entre Uberaba e Santos, que teria re-eletrificado esse trecho e mais o antigo ramal de Mayrink a Campinas, foi muito conturbada e acabou gorando. Finalmente, a privatização da FEPASA, em 1999, significou o fim da tração elétrica da ferrovia, por falta de interesse dos controladores da empresa sucessora, as Ferrovias Bandeirantes - FERROBAN, em mantê-la funcionando. Hoje a tração elétrica nas linhas da antiga E.F. Sorocabana sobrevive apenas em trechos onde rodam os trens unidades elétricos da Companhia Paulista de Trens Urbanos - CPTM que servem a Grande São Paulo, entre Júlio Prestes-Amador Bueno e Domingos de Morais-Jurubatuba. Resta como consolo o fato de que duas ou três locomotivas elétricas Lobas da antiga E.F. Sorocabana ainda se encontram em operação, transportando carga entre São Paulo e Amador Bueno.
1924-1940: Projetos, Projetos e Mais Projetos
É óbvio que uma empresa de capital importância para o estado de São Paulo e para o Brasil como
a E.F. Sorocabana era nos primórdios do século também estava preocupada com um nível cada vez
maior de eficiência em suas operações. Essa preocupação aumentou particularmente na década de
1920, quando a concorrência do transporte rodoviário e aeroviário era desprezível, muito
embora sua carranca ameaçadora já se fazia presente. Contudo, a situação econômica da ferrovia
na época ainda era delicada: ela ainda estava se recuperando da desastrosa administração feita
pelos concessionários privados até 1919 e os objetivos na época eram prioritariamente a
recuperação da estrada. Além disso havia também a questão da duplicação do trecho inicial da
ferrovia, além de uma pertinaz dúvida sobre o alargamento de sua bitola. E mais o velho sonho
da construção do ramal para Santos.
O fato é que a idéia da eletrificação surgiu logo após a ferrovia ter voltado ao controle do governo estadual. No relatório anual de 1920 da ferrovia seu administrador, Calixto de Paula Souza, assim se expressava:
O problema mais sério que tem a Sorocabana a resolver, como todas as estradas de ferro, é o referente à obtenção de elementos para o esforço de tração do seu material rodante. A solução desse problema, principalmente no Estado de São Paulo, é a substituição da tração a vapor pela elétrica. |
Ainda assim, os primeiros estudos para a eletrificação foram feitos já em 1924, muito provavelmente na esteira do retumbante sucesso que esse novo modo de tração havia provado na Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Destaca-se aqui o relatório Aumento de Capacidade do Tráfego e Eletrificação da E.F. Sorocabana, publicado em setembro de 1924 pelo Chefe de Locomoção da ferrovia, eng. Gaspar Ricardo, que recomendava a eletrificação de linhas melhoradas da Sorocabana em função da economia que o uso de eletricidade proporcionava em relação à eletricidade.
A Sorocabana possui estudos completos sobre a eletrificação, feitos pelo ilustrado eng. Antonio Carlos Cardoso. Não lhe parece, porém, opotuno o momento para execução do melhoramento, sobretudo porque as linhas a serem inicialmente eletriciadas (São Paulo-Santo Antonio) foram construídas recentemente e não oferecem ainda a indispensável consolidação para a posteação. |
Arlindo Luz não teve êxito em sua proposta para a eletrificação da Sorocabana, mas teve a ventura de desencantar a eletrificação dos serviços de subúrbio da E.F. Central do Brasil.
Em 1929 a Metropolitan-Vickers propôs a execução de um estudo sobre a eletrificação da E.F. Sorocabana, sem que houvesse compromisso de ambas as partes. A proposta foi aceita pela então diretor da Ferrovia, Gaspar Ricardo Jr. Após a execução dos estudos a Metropolitan-Vickers propôs implantar a eletrificação na Sorocabana, bem como fornecer todo o material e instalações necessárias, mediante o pagamento anual da quantia economizada em função da substituição da tração a vapor pela elétrica, ao longo de quinze anos. A proposta foi aceita pela administração da ferrovia e encaminhada ao governo do Estado. As análises ainda estavam sendo estudadas quando sobreveio a Revolução de 1930 e o assunto foi abandonado.
A questão da eletrificação da E.F. Sorocabana continuou encruada por anos a fio, enquanto se procurava equacionar os aspectos financeiros do empreendimento. Afinal, além do saneamento financeiro que estava sendo feito, havia também a necessidade de se concretizar um sonho que vinha perseguindo essa ferrovia desde o início do século: o estabelecimento de uma ligação alternativa entre o interior paulista e o porto de Santos. Ele se tornou realidade em 1935, com a implantação da famosa linha Mayrink-Santos, que acabou com setenta anos de monopólio por parte da São Paulo Railway. Por sinal, esta foi a última obra ferroviária de monta realizada no estado de São Paulo. Deve ser levada em conta também a construção do suntuoso prédio da estação Júlio Prestes, em São Paulo, que implicou em considerável dispêndio financeiro.
Havia também a questão do suprimento de eletricidade. Cogitou-se, em 1932, de se aproveitar carvão proveniente de Buri e Faxina para se acionar uma termelétrica que alimentaria a eletrificação da ferrovia. Em 1937, durante a administração Mário Souto, foi proposta a construção de uma hidrelétrica no rio Capivari, perto da região servida pela Mayrink-Santos, então recém-inaugurada. É interessante notar que o aproveitamento energético dessa queda d'água para a eletrificação ferroviária também foi considerado pela Companhia Paulista já no final da década de 1910. Há até alguma evidência de que E.F. Sorocabana já estava interessada nela nessa época...
Tendo conseguido realizar seu grande sonho, a E.F. Sorocabana voltou a considerar mais seriamente a eletrificação de suas linhas. A segunda metade da década de 1930 era um momento propício para se considerar esse aperfeiçoamento, em função das dificuldades cada vez maiores para se conseguir combustível para as locomotivas a vapor e ao aumento da oferta de energia elétrica na região de Sorocaba, proporcionada pela usina hidrelétrica de Itupararanga. De fato, em 1937 cerca de 28,2% de todo o custeio dessa estrada estavam comprometidos com a compra de combustível.
Dessa forma, em 1939 mais uma vez foi apresentado um ante-projeto para a eletrificação do trecho de 140 quilômetros em linha dupla entre São Paulo e Santo Antonio (atual Iperó), elaborado desta vez pelo eng. Djalma Ferreira Alves Maia, da E.F. Central do Brasil, com base no primeiro projeto do eng. Antonio Carlos Cardoso. Os estudos também contaram com a participação de Luiz de Mendonça Jr., Chefe do Departamento dos Transportes da E.F. Sorocabana, e de Durval Azevedo, Chefe Mecânico da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A apresentação desse ante-projeto, assinada pelo eng. Acrísio Pais Cruz, o então diretor da E.F. Sorocabana, discutia as motivações para a eletrificação desse trecho, em documento datado de 24 de fevereiro de 1939:
O problema dos combustíveis necessários à Estrada de Ferro Sorocabana para o seu crescente transporte está tomando um aspéto alarmante. No ano de 1937 gastou a Sorocabana nada menos de 27.400 contos com combustíveis, o que equivale a 28,2% da sua despesa de custeio. No ano passado (1938) essa despesa subiu acima de 33 mil contos, mantendo mais ou menos aquela mesma porcentagem sobre a despesa de custeio. Mas não é esse, o financeiro, o lado alarmante do probelma. Tal despesa, embora tão elevada, é consequencia natural da intensidade do tráfego da Estrada (que atúa no fatôr quantidade) e do encarecimento geral da vida no Brasil (que atúa no fatôr preço). O que alarma é a dificuldade, cada vez maior, na obtenção dessa tão grande quantidade do nosso combustível mais econômico que é a lenha. Em 1937 consumiu a Sorocabana nos seus trens 1.296.000 m3 de lenha, além de 70.200 toneladas de carvão estrangeiro e 4.700 toneladas de carvão nacional. Em 1938 o consumo de lenha atingiu a 1.580.000 m3, além de quasi 60.000 toneladas de carvão estrangeiro e 15.400 toneladas de carvão nacional. Si nos tivesse sido possivel só queimar lenha nos trens, o consumo de lenha nesses dois anos ter-se-ia elevado a 1.880.000 m3 em 1937 e a 2.137.000 3 em 1938. A não ser no 5° Distrito (de Bernardino de Campos a Presidente Epitácio) e em poucos trechos, nas margens da linha Sorocabana raras matas ainda existem, e a nossa lenha é obtida de ramais especialmente construídos, com extensões até 23 quilômetros e de elevados custos. Já temos em serviço ou em construção nada menos de oito desses ramais. E com essa escassez de lenha ao longo da linha muito se alonga, tambem, a distância média de transporte. Tudo isso vem agravar e onerar o problema do combustível, pois normalmente temos mobilizadas, para esse transporte, cerca de 25 locomotivas e 360 gôndolas, isto é, 8% do nosso material de tração e 20% de nossas gondolas, que são assim desviadas do transporte remunerado da estrada. Urge, pois, uma providência para resolver esse problema. |
De fato as ferrovias nacionais não mais podiam depender da lenha: não só elas estavam ameaçadas de se tornaram economicamente inviáveis como também a devastação ambiental estava ficando muito grave. Por exemplo, áreas de mata virgem da Serra do Mar, na região de Evangelista de Souza, por onde passava a Mayrink-Santos, foram totalmente devastadas pela E.F. Sorocabana ao longo das décadas de 1930 e 1940.
O eng. Acrísio então lista as diversas soluções para o problema:
A solução de recorrer ao carvão estrangeiro si resolve o problema quanto à facilidade de obtenção, agrava-o enormemente sob o ponto de vista econômico. O preço médio do carvão estrangeiro, posto no tender, no ano passado (1938) foi de 210$000 a tonelada, ao passo que o preço médio do metro cubico da lenha, igualmente posto no tender, foi de cerca de 12$900. (...) Ou, em outras palavras, si a estrada no ano passado só tivesse queimado carvão estrangeiro teria a sua despesa de custeio aumentada em cerca de 12.000 contos. Recorrer ao carvão nacional também não é solução por três motivos:
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Portanto:
A solução radical se nos afigura a da eletrificação dos trechos de mais intenso tráfego. |
É interessante que o relatório não cita uma dificuldade adicional existente no caso da opção pelo uso de carvão mineral: a péssima situação política na Europa, que em 1939 era virtualmente um barril de pólvora prestes a explodir. E, de fato, durante a guerra que se veio a seguir simplesmente não houve carvão importado disponível para o Brasil.
O documento se estende a seguir sobre detalhes acerca da justificativa econômica da eletrificação desse primeiro trecho da estrada. A economia operacional decorrente da substituição da lenha pela energia elétrica é inquestionável; de acordo com o trabalho, seria de 10.237:500$000 anuais. O problema é a despesa financeira decorrente do investimento necessário para o empreendimento:
Si o aspéto econômico do problema é tão incisivo, o aspéto financeiro é mais delicado. Em primeiro logar o capital que realmente terá de ser aplicado é aquele total de 100 mil contos, incluindo o custo das locomotivas elétricas, pois estas terão de ser adquiridas imediatamente para o trafego do trecho eletrificado e não aos poucos, à medida que as necessidades exigissem, como no caso de novas locomotivas a vapôr e embora no momento vá permitir uma sóbra momentanea de locomotivas a vapôr, talvez de umas 50. Por outro lado, não dispondo a Estrada (o Governo do Estado de São Paulo) de tão vultoso capital, uma das soluções será o seu financiamento por parte das proprias firmas fornecedoras, algumas das quais já se mostram a isso dispostas. Mas nesse caso aquele prazo de amortização baseado na duração das instalações será muito longo e possivelmente os prazos exigidos serão menores, no máximo de 15 anos, com a compensação talvez de juros anuais mais módicos (6%). Para o prazo de 15 anos e os juros de 6% e mais os dois 2% de conservação e renovação, a anuidade do capital total 100.000 contos atingirá a 0,116 x 100.000 contos = 116.000 contos ultrapassando, portanto, a economia total (que é de 10.237:500$000) em 1.363:500$000 anuais. |
São propostas diversas soluções para esse problema, como a venda das locomotivas a vapor que se tornariam dispensáveis:
A eletrificação tornará disponíveis, como já dissemos, cerca de 50 locomotivas a vapôr, na maioria locomotivas tipo Mikado, relativamente novas (adquiridas de 1924 para cá). O valor residual médio dessas locomotivas, segundo a avaliação feita pelo Sub-Departamento do Patrimônio, é de cerca de 400 contos cada uma, onde o valor total de todas elas 20 mil contos. Se deduzirmos esse capital disponível, do capital da eletrificação, esse ficará reduzido a 80.000 contos e a sua anuidade desceria a 0,116 x 80.000 contos = 9.280 contos já abaixo, portanto, da economia de custeio da eletrificação (10:237:500$000). |
Outra possibilidade seria o aluguel das mesmas locomotivas a outras ferrovias nacionais:
Uma parte desse material rodante disponível terá aplicação dentro da própria Estrada, em outros trechos, para atender o crescimento constante de seu tráfego. Nos primeiros anos, si houver ainda sobra de locomotivas a vapor é fácil à Estrada aluga-las a suas tributarias (São Paulo-Rio Grande, Noroeste, Mogyana, Viação Ferra do Rio Grande, etc.) conforme solicitações constantes e reiteradas que temos tido. Só a São Paulo-Rio Grande no passado nos solicitou o aluguel de pelo menos 10 locomotivas. O preço do aluguel, conforme base já estabelecida e aceita, póde ser de 30 contos anuais. Portanto as 50 locomotivas disponíveis alugadas dariam uma renda anual de 1500 contos que cobriria perfeitamente aquele deficit. Nestas condições, somente as locomotivas a vapor disponiveis quer pelo seu valôr, quer pelo aluguel que renderiam, tornariam o confronto econômico favorável à eletrificação. |
Acreditava-se também que a elevação do volume de tráfego pudesse aumentar a economia proporcionada pela eletrificação e evitar o déficit decorrente dos custos financeiros da empreitada. O eng. Acrísio assumiu uma taxa de crescimento de 5% no tráfego da E.F. Sorocabana. Neste caso, a economia proporcionada pela eletrificação chegaria em 1941 ao valor de 11.773:125$000, o suficiente para evitar o déficit.
Outro aspecto considerado era a tendência no aumento do preço dos combustíveis: entre 1929 e 1939 o preço do carvão estrangeiro subiu em 87%, enquanto que a lenha elevou-se em 25%. Estranhamento não é citado o aumento verificado no custo da eletricidade no mesmo período, citando-se apenas que:
O custo da energia elétrica não é provavel que cresça muito e a Estrada póde garantir-se por meio de um contrato de grande duração ou construindo uma uzina propria. |
Finalmente considera-se a hipótese em que tudo dê errado: supondo-se que o déficit calculado não conseguisse ser coberto ao longo dos quinze anos do prazo concedido para amortização do capital, o lucro decorrente da eletrificação conseguido nos anos seguintes cobriria o prejuízo acumulado nesse período.
Após todas essas considerações chega-se às conclusões do documento:
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1940-1945: A Implantação, Mesmo Sob Guerra
Finalmente o edital de concorrência para o primeiro trecho a ser eletrificado - 140 quilômetros
em linha dupla, entre São Paulo e Santo Antônio (hoje Iperó) - foi publicado em 27 de setembro
de 1939. A comissão designada para análise das propostas era constituída por Benedicto Roberto de Azevedo Marques, Diretor de Viação; Durval de Azevedo, da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro; Djalma Ferreira Alves Maia, da
E.F. Central do Brasil; e Luiz Mendonça Jr., da E.F. Sorocabana, sob a
presidência do então Diretor, Orlando Drummond. O início dos trabalhos se deu a 29 de
fevereiro de 1940. A grave situação mundial, com a II Guerra já rugindo na Europa, impediu a
participação de diversas firmas estrangeiras. Ainda assim foram recebidas quatro propostas:
A concorrência foi ganha pela Electric Export Corporation, empresa que havia sido criada exclusivamente para essa obra, a partir da associação entre a International General Electric, Westinghouse Internatinal Company e a Companhia de Mineração e Metalurgia Brasil - COBRAZIL. A proposta do Consorzio Italiano acabou sendo impugnada por não ter formalizado adequadamente sua proposta. A English Electric apresentou a proposta de menor preço, seguida da Metropolitan-Vickers, mas foi uma vitória de Pirro, uma vez que ambas as empresas inglesas logo manifestaram completa impossibilidade em cumprir prazos e preços enquanto perdurasse a guerra na Europa. De fato, a eletrificação da E.F. Central do Brasil, que estava sendo executada pela Metropolitan-Vickers desde meados da década de 1930, foi grandemente prejudicada pelos mesmos motivos. A eliminação dessa companhia na concorrência das obras de eletrificação da E.F. Sorocabana fez com que essa ferrovia deixasse de de ter locomotivas elétricas com aparência similar às da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e trens unidade elétricos parecidos com os da E.F. Central do Brasil.
Na época foram registrados protestos por parte de alguns especialistas ferroviários, alegando que o país deveria deixar de se apoiar em fornecedores estrangeiros e desenvolver sua própria tecnologia de eletrificação ferroviária para reduzir os custos de sua implantação e viabilizar sua extensão a um maior número de estradas de ferro nacionais. Era uma manifestação da maré nacionalista que ficaria mais expressiva a partir da década de 1950.
O contrato para execução das obras foi assinado em 12 de outubro de 1940 pelo então Interventor Federal em São Paulo, Adhemar Pereira de Barros. Quatro dias depois foi criado o Departamento de Eletricidade da E.F. Sorocabana para iniciar os primeiros estudos e tomar as necessárias providências administrativas para concretizar o empreendimento. O início das obras ocorreu em 27 de abril de 1941, tendo sido comemorado com uma placa afixada na estação Júlio Prestes, em São Paulo. O contrato previa que a eletrificação entre São Paulo e Sorocaba estaria concluída em abril de 1943.
Também na E.F. Sorocabana se empregou o sistema de eletrificação consagrado pela Companhia Paulista de Estadas de Ferro: rede aérea de catenária, 3 kV, corrente contínua - o qual, por sinal, havia sido imposto como padrão pelo Governo Brasileiro em 1934 e já havia sido utilizado também pela E.F. Central do Brasil.
O trecho inicial entre São Paulo e Santo Antonio (Iperó) apresenta um perfil acidentado: ele se inicia na cota 778,75 m, atingindo um máximo de 898,00 m na serra de São João, no quilômetro 53,794 e chegando a Iperó na cota de 535,40 m. Ele passou por diversas reformas para ficar poder receber a eletrificação, como raio mínimo de curva de 229,60 m e rampas máximas de 2%. Foram instaladas ao longo desse trajeto três subestações retificadoras com arco de mercúrio, em Osasco, Pantojo e Varnhagen. O número e distância entre essas subestações foram determinados admitindo-se queda máxima de tensão de 25% entre duas subestações e que essa diminuição pode ser de 30% nas extremidades da linha eletrificada. Esse equipamento, fornecido pelas empresas americanas General Electric e Westinghouse, era bem mais moderno que o usado pela Companhia Paulista, pois dispensava o uso de grupos geradores e sua inevitável complexidade mecânica. A potência de cada uma delas era de 4.000 kW. Duas subestações - Osasco e Pantojo - eram alimentadas pelo sistema interligado da The São Paulo, Tramway, Light and Power Co. Ltd., por meio de circuitos duplos de 88 kV, trifásicos, 60 ciclos. A subestação de Varnhagen inicialmente era alimentada com uma linha de 44 kV, tendo sido necessária a construção de uma linha de abastecimento exclusiva com 24,1 km de extensão, mas já se previa o uso de 88 kV em futuro próximo. Note-se que a boa parte da energia elétrica disponível para a eletrificação da E.F. Sorocabana vinha da usina elétrica de Ituparanga, a qual já tinha motivado a eletrificação da E.F. Elétrica Votorantim em 1923.
O sucesso da experiência com frenagem de recuperação em locomotivas elétricas na Companhia Paulista motivou a sua implantação também no sistema de eletrificação da Sorocabana, ainda mais em função do perfil de sua linha, onde existem rampas pesadas e extensas. Uma vez que o tráfego ferroviário na época consistia de grande número de trens pequenos estimava-se que 98% da energia recuperada por composições em descidas seria aproveitada por outras que estivessem vencendo aclives. Sobrariam 2% de energia a ser consumida. Havia a opção de tentar converter essa energia em corrente alternada e devolvê-la à Light, mas os projetistas do sistema acharam que a pequena quantidade de energia envolvida não justificava a compra de inversores e do respectivo equipamento de controle, muito complexo. Além disso, a energia devolvida à concessionária não seria ressarcida. A opção foi instalar bancos de resistências para dissipação dessa energia recuperada e não usada, que foram m ontadas nos tetos das subestações. Elas tinham capacidade para absorver até 1.800 kW de energia elétrica.
Outra inovação do projeto foi o uso em massa de postes de concreto, ao contrário da prática adotada pela Companhia Paulista, que usou postes de madeira na eletrificação pioneira de seu trecho entre Jundiaí e Campinas. Apenas em dez quilômetros da linha, a partir de Júlio Prestes, foram usadas estruturas de aço. Os demais postes usados na eletrificação da E.F. Sorocabana eram de concreto, tendo sido fabricados em Mayrink pela Cimento Portland Co., a um ritmo de 50 a 80 postes diários. A escolha pelo cimento decorre do fato de nessa época o Brasil não dispor de grandes siderúrgicas, o que encarecia brutalmente o preço do aço.
O projeto de eletrificação mostrou ser necessárias 17 locomotivas em atividade para atender aos trens de carga e passageiros que circulavam entre São Paulo e Santo Antonio (Iperó) no final da década de 1930. Foi decidido que a locomotiva teria uso geral, tracionando tanto trens de passageiro como de carga, justificando-se essa opção pelo fato de a locomotiva não precisar suprir energia para os sistemas de aquecimento dos carros de passageiros, desnecessários para as condições brasileiras. A E.F. Sorocabana especificou que elas fossem capazes de vencer o trajeto entre São Paulo e Santo Antônio (Iperó) em duas horas e meia, rebocando um trem de passageiros de doze carros com peso total de 475 toneladas. Ou seja, 140 quilômetros percorridos numa velocidade comercial de 56 km/h e máxima de 70 km/h. No caso do serviço de cargas elas deveriam tracionar trens de 20 vagões com 600 toneladas de peso, no sentido exportação, e 450 toneladas no de importação, observando velocidade máxima de 50 km/h. Essas características foram consideradas satisfatórias para as condições da via permanente da E.F. Sorocabana, com linha de bitola métrica atravessando território montanhoso com muitas rampas a 2% e curvas de pequeno raio.
Foram então encomendadas 20 locomotivas, considerando-se a folga necessária e a necessidade de manutenção dos equipamentos. Das vinte locomotivas previstas, dez foram encomendadas à General Electric e as outras dez à Westinghouse Electric Manufacturing. Contudo, os equipamentos mecânicos serão exclusivamente fabricados pela General Electric. Essa locomotiva não recebeu uma designação oficial por parte da General Electric; geralmente ela é designada como máquina Série 2000. Já os ferroviários a apelidaram de Loba, aparentemente em função da semelhança da parte frontal da locomotiva com o focinho desse animal... Suas principais características estão listadas na tabela abaixo:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1943-1948 | 2001-2010 2021-2035 | 1-C+C-1 | 2000 | General Electric | 130 | 18,600 | 1118 | 840 | Sim |
1943-1948 | 2011-2020 2036-2046 | 1-C+C-1 | 2000 | Westinghouse | 130 | 18,600 | 1118 | 840 | Sim |
A General Electric chegou a considerar o uso de carenagens aerodinâmicas para as locomotivas elétricas destinadas à E.F. Sorocabana. Essa era uma abordagem muito em voga na época, como era o caso das locomotivas elétricas V8 da Companhia Paulista, pois apresenta diversas vantagens, a começar pela redução do consumo de energia e aumento da velocidade dos trens, ao minimizar a resistência do ar ao avanço da composição. Além disso, a cabine do maquinista fica um pouco recuada da extremidade da locomotiva, proporcionando proteção contra eventuais colisões e evitando o efeito hipnótico que a imagem dos dormentes passando velozmente no chão pudessem exercer sobre a tripulação. Isso não foi possível no caso das Lobas pois o comprimento da carenagem estava rigidamente fixado pelas especificações da E.F. Sorocabana. E era impossível, dentro das dimensões estabelecidas, colocar todo o aparelhamento de controle e auxiliar mais o acabamento aerodinâmico nas extermidades da máquina. A solução foi adotar uma carenagem semi-aerodinâmica com superfície lisa, suprimindo-se o uso de rebites através do uso intensivo de solda elétrica, um processo ainda muito novo na época. As rodas da locomotiva foram mantidas expostas para facilitar o acesso nas operações de inspeção e manutenção.
Na época elas eram as locomotivas elétricas de bitola elétrica mais possantes que haviam sido construídas. Apesar da distância extremamente reduzida entre as faces internas das rodas - 895 mm - conseguiu-se instalar motores de 330 HP de potência entre as mesmas, um grande feito tecnológico considerando-se essas restrições de espaço. A largura do motor, inclusive engrenagens, era de 756 mm. Do ponto de vista de capacidade de tração essas locomotivas poderiam ser dotadas de apenas seis eixos motores (C+C), mas a grande quantidade de curvas de pequeno raio, típicas da via permanente da E.F. Sorocabana, e a necessidade de se minimizar os desgastes do aro determinou a adoção de um rodeiro de guia em cada extermidade da locomotiva. Ou seja, foi adotada a disposição 1-C+C-1.
Não foram especificadas locomotivas elétricas específicas para serviço de manobra - de fato, um equipamento que no Brasil só foi adotado pela Companhia Paulista. De fato, a E.F. Sorocabana optou por manter as manobras dos pátios das estações sendo executadas pelas locomotivas a vapor, por medida de economia e segurança. Dessa forma foi reduzido o valor do investimento na eletrificação, além de se manter locomotivas de plantão que pudessem atender à ferrovia em caso de falta de energia e pane em locomotivas elétricas ou nas linhas de transmissão. De qualquer maneira, as locomotivas a vapor tinham de estar presentes em vários pontos da estrada. Por exemplo: em Barra Funda, para atender aos inúmeros desvios particulares na Grande São Paulo; em Mayrink para atender às linhas não-eletrificadas para Itu e Santos.
Da mesma forma que outras ferrovias que atravessavam grandes capitais, como a E.F. Central do Brasil, E.F. Santos a Jundiaí, Rede Mineira de Viação e Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro, também a E.F. Sorocabana incluiu em seu plano de eletrificação trens unidade elétricos para utilização no serviço suburbano para transporte de passageiros. Note-se que esta ferrovia foi a primeira no estado de São Paulo e a segunda no Brasil em implantar um serviço de subúrbios usando trens unidade elétricos. Ela acabou optando por comprar quatro TUEs, cujos carros foram fabricados pela Pullman Standard e o equipamento elétrico pela General Electric. Esses trens receberam o apelido de Carmen Miranda, em homenagem à famosa cantora luso-brasileira que fazia enorme sucesso nessa ocasião. É interessante que os TUEs fornecidos pela Metropolitan-Cammell para a E.F. Central do Brasil em 1937 receberam o mesmo apelido, o que denota a popularidade da cantora. Eles eram compostos de três carros: um carro-motor, com quatro motores, que trabalhava entre dois carros reboques. A potência de cada motor era de 148 HP, totalizando 592 HP para tracionar o conjunto. O carro-motor dispunha de cabines de comando em cada uma das cabeceiras, permitindo sua operação de modo isolado, ou com apenas um carro reboque. Eles foram os primeiros TUEs de bitola métrica a operarem em linhas eletrificadas de 3.000 volts. Sua velocidade máxima era de 70 km/h.
Uma vez que finalmente havia sido decidida a eletrificação de suas linhas, a E.F. Sorocabana
mais uma vez voltou a seu velho projeto de construir uma usina hidrelétrica na cachoeira do
Rio Capivari. Os cálculos efetuados em 1940 pelo eng. Catulo Branco, da Inspetoria de Serviços
Públicos, davam conta que o aproveitamento do desnível entre os rios Capivari e Branco, da
ordem de 600 metros, seriam o suficiente para se obter até 60.000 HP de energia, podendo as
obras serem divididas em três etapas onde a capacidade aumentaria em parcelas de 20.000 HP. O
momento, contudo, não era propício à execução desse mais um grande investimento. Por ora, a
E.F. Sorocabana se contentou em construir uma pequena hidrelétrica no local, aproveitando
um desnível de 35 metros para instalar 400 HP e, naquele momento, um gerador de 200 HP (150
KVA). A
energia lá produzida foi usada para abastecer estações e equipamentos da Sorocabana em
Evangelista de Souza, na Mayrink-Santos, e em Praia Grande e Mongaguá, na linha Santos-Juquiá.
Para tanto foram construídas linhas de transmissão entre essa usina e Evangelista de Souza
(cinco quilômetros) e Praia Grande (vinte quilômetros).
Já em agosto de 1941 foram recebidas 1.028,3 toneladas de lingotes de cobre eletrolítico, a
partir dos quais seriam produzidos os cabos necessários para as obras através de trefilação
nas instalações da Pirelli S.A., em Santo André (SP). O controle de qualidade do produto final
seria feita em conjunto com o Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, que já assessorava a E.F. Sorocabana em vários
aspectos técnicos da operação ferroviária. No final de setembro desse ano foi definido os
projetos dos postes de concreto armado a serem usados nas obras de eletrificação, ficando o
I.P.T. responsável pela manufatura de algumas unidades, as quais seriam testadas para se
verificar sua adequabilidade ao projeto.
A entrada dos E.U.A. na II Guerra Mundial, após o ataque a Pearl Harbour em 7 de Dezembro de
1941, complicou a situação do empreendimento, uma vez que a mobilização bélica estabeleceu
outras prioridades para a indústria americana. Ainda assim, em 1942 a E.F. Sorocabana recebeu
material elétrico para subestações e linhas de contato. Também foi iniciada a fabricação dos
postes de concreto e trefilação dos cabos de cobre, bem como a construção da subestação de
Pantojo.
As edições dos jornais paulistanos Diário Popular e Correio Paulistano
publicadas no início de 1943 registraram o progresso das obras, destacando a chegada dos navios
norte-americanos contendo todo o material necessário à eletrificação no porto de Santos, com
exceção do material rodante. Era uma façanha e tanto, considerando-se
que eram tempos de guerra. As notícias também davam destaque à autorização especial que o
governo americano havia dado para a
fabricação das locomotivas elétricas e trens-unidade elétricos para a Sorocabana, apesar do
esforço de guerra; consta que a primeira locomotiva já estava pronta em dezembro de 1942.
A entrega de material americano para a eletrificação foi intensa, considerando-se a grande
ameaça representada pelos submarinos nazistas, como se pode depreender da lista em anexo:
Navio | Chegada em Santos | Número de Volumes | Material | Peso [t] |
Ogna | 06/04/1943 | 99 | Subestações | 54,059 |
Edwin Cristensen | 07/04/1943 | 247 | Linha Aérea | 44,618 |
Anita | 16/04/1943 | 84 | Subestações | 4,384 |
Cap. Corwin | 21/05/1943 | 10 | Trens Unidade | 97,511 |
109 | Subestações | 30,380 | ||
167 | Linha Aérea | 25,859 | ||
Goiazloid | 23/05/1943 | 81 | Subestações | 43,831 |
Yomachichi | 23/05/1943 | 9 | Trens Unidade | 94,975 |
Trondanger | 16/06/1943 | 11 | Subestações | 1,599 |
Shooting Star | 17/06/1943 | 6 | Subestações | 1,130 |
Cap Alava | 22/06/1943 | 9 | Trens Unidade | 94,975 |
Mormacrey | 26/06/1943 | 10 | Locomotiva | 136,586 |
Carreta | 05/07/1943 | 7 | Subestações | 0,848 |
Mormacrey | 15/07/1943 | 10 | Locomotiva | 134,372 |
Fluor Spar | 15/07/1943 | 16 | Locomotiva | 138,683 |
316 | Linha Aérea | 25,088 | ||
55 | Subestações | 25,490 | ||
7 | Subestações | 0,858 | ||
Astri | 19/07/1943 | 53 | Subestações | 32,843 |
Arizpa | 30/07/1943 | 9 | Locomotiva | 136,940 |
Edward Grieg | 02/08/1943 | 391 | Subestações | 361,235 |
Gavealoid | 07/08/1943 | 31 | Subestações | 4,063 |
Blue Jacket | 12/08/1943 | 25 | Subestações | 2,918 |
Ogna | 22/08/1943 | 735 | Linha Aérea | 326,196 |
Dinastic | 26/08/1943 | 9 | Locomotiva | 134,989 |
Narbo | 21/08/1943 | 587 | Linha Aérea | 361,277 |
Panama City | 05/10/1943 | 81 | Linha Aérea | 12,586 |
866 | Linha Aérea | 23,497 | ||
9 | Locomotiva | 135,352 | ||
482 | Subestações | 26,914 | ||
Lafayette | 14/10/1943 | 9 | Locomotiva | 134,218 |
Penelope | 23/10/1943 | 9 | Locomotiva | 135,987 |
Trondanger | 23/10/1943 | 487 | Subestações | 29,751 |
Mormacrey | 29/10/1943 | 478 | Subestações | 28,938 |
Goiazloid | 29/10/1943 | 10 | Locomotiva | 135,724 |
Fluor Spar | 30/10/1943 | 81 | Cabine Seccionadora | 13,795 |
Blue Jacket | 08/11/1943 | 200 | Subestações | 11,894 |
Charles H. Cramp | 16/11/1943 | 1 | Subestações | 0,072 |
Arizpa | 22/11/1943 | 9 | Trens Unidade | 94,475 |
Gloria | 30/11/1943 | 9 | Subestações | 2,300 |
1 | Subestações | 2,540 | ||
Ensley City | 03/12/1943 | 4 | Subestações | 2,051 |
1 | Subestações | 2,540 | ||
663 | Linha Aérea | 18,218 | ||
Edward Grieg | 13/12/1943 | 337 | Linha Aérea | 10,017 |
196 | Subestações | 11,834 | ||
6 | Subestações | 6,360 | ||
Ogna | 23/12/1943 | 134 | Sobressalentes Locomotiva | 30,771 |
Ewin Cristensen | 29/12/1943 | 219 | Subestações | 13,006 |
Ou seja, aproximadamente 3.198 toneladas de equipamentos e materiais chegaram ao Brasil para serem aplicados na eletrificação da E.F. Sorocabana em 1943, sob o rugido da II Guerra Mundial. Mas isso não foi suficiente para atrasar a entrega das obras, previamente acordada para abril de 1943. Mas a ferrovia já podia exibir com orgulho o prédio da subestação de Pantojo e as primeiras locomotivas recebidas em seu Relatório Anual de 1943, muito embora nenhuma delas ainda estivesse operacional.
A 20 de abril de 1944 foi completada a ligação da linha de alta tensão da Light com a subestação de Pantojo, permitindo o início dos primeiros testes com o equipamento retificador. Exatamente dois meses depois, em 20 de junho, a subestação começou a operar em escala experimental; no dia seguinte, às 15 horas, a Loba #2010 mais o carro A2 introduziram a E.F. Sorocabana na era da tração elétrica. Iniciou-se então a primeira fase de testes, com trens elétricos de cargas circulando entre Sorocaba e Amador Bueno, que terminou a 17 de junho, quando a subestação foi desligada após ter trabalhado ininterruptamente por quase três meses. A inauguração do primeiro trecho, entre Sorocaba e Amador Bueno, com 63 quilômetros, ocorreu em 20 de junho de 1944, motivando o seguinte comentário do jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, em sua edição de 24 de junho de 1944:
A Diretoria da Estrada de Ferro Sorocabana realizou a primeira experiência com as novas locomotivas elétricas daquela estrada, fazendo correr um trem no trecho já eletrificado, entre Pantojo e Sorocaba. Essa experiência decorreu na mais perfeita ordem, revelando a eficiência dos serviços e instalações feitas no trecho referido, bem como a capacidade de tração das locomotivas. Partindo de Pantojo, às 14h20min, chegou o comboio à Sorocaba às 15h15min, provando bem o funcionamento geral do serviço, com referência à rede elétrica, e também ao aparelhamento técnico da máquina. A diretoria daquela empresa ferroviária pretende iniciar o t ráfego dentro de breve para trens entre Amador Bueno e Sorocaba, ao mesmo tempo que está cuidando de estender a rede elétrica à capital, serviço que dentro de dois meses, no máximo, deverá estar concluído, quando então será feita a inauguração desse melhoramento. |
Em 14 de setembro de 1944 foi energizada a subestação de Osasco que foi inaugurada no dia 10 de novembro, no mesmo dia em que entrava em operação a cabina seccionadora de São João. Esses eventos permitiram que a primeira locomotiva elétrica circulasse entre Amador Bueno e São Paulo em 16 de novembro; no dia 28 iniciou-se o transporte experimental de trens de passageiros e de cargas usando tração elétrica. A inauguração oficial do primeiro trecho eletrificado dessa empreitada, os 105 quilômetros entre São Paulo e Sorocaba, foi feita pelo Presidente Getúlio Vargas em solenidade presidida em 8 de dezembro de 1944. Já nessa época foram anunciados os estudos para a eletrificação entre Santo Antonio (Iperó) e Assis.
Nexxe mesmo ano foi concluída a linha de transmissão da E.F. Sorocabana entre Sorocaba e a
subestação de Varnhagem, já em 88 kV. Ela foi construída com toras de guarantã; na chegada à
Ipanema foram usadas cinco torres de aço para transpor um lago próximo à subestação.
A montagem da subestação de Varnhagen (Ipanema) terminou a 20 de fevereiro de 1945, no mesmo
dia em que a cabine seccionadora de Brigadeiro Tobias era integrada ao sistema elétrico. Uma
vez que
a linha de 88 kV que alimentava a subestação de Varnhagen já estava pronta,
seus testes se iniciaram no dia
seguinte, quando a locomotiva elétrica Loba #2006 percorreu o trecho entre Sorocaba e
Ipanema. Uma vez que os resultados foram bons, a tração elétrica no trecho foi liberada a
seguir, no dia 22. Em 3 de julho do mesmo ano se iniciou o tráfego de locomotivas elétricas
entre
Ipanema e Bacaetava. A eletrificação entre Sorocaba e Santo Antônio (Iperó) só foi concluída
em 14 de agosto de 1945. A retificação e eletrificação nesse trecho permitiu aumentar a
velocidade máxima das composições, que passou a 70 km/h para os trens do interior, 60 km/h para
os subúrbios e 50 km/h para os trens de carga e mistos. Apenas na serra de São João as rampas
de 2% reduziam esse limites para respectivamente 50, 60 e 30 km/h.
Os serviços de subúrbio entre São Paulo e Amador Bueno passaram a ser feitos primordialmente com
o novo TUE Carmen Miranda a partir de 15 de julho de 1945.
Um aspecto extraordinário e intrigante sobre a eletrificação desse primeiro trecho da E.F.
Sorocabana é que os equipamentos necessários para o empreendimento - particularmente as
subestações retificadoras e locomotivas elétricas - foram encomendados no final de 1940, em
plena Segunda
Guerra Mundial. E boa parte deles foi entregue e instalada durante o desenrolar do conflito,
apesar das severas restrições que haviam na época pelo War Production Board americano,
que decidia que tipo de material deveria ter prioridade de produção em época de guerra total!
Ainda hoje o fato causa surpresa, como atesta o relato abaixo, extraído do site inglês
Railways in the São Paulo Area of Brazil:
Few of class 2000 and 2050 (locomotives) carry plates with legible builders' numbers and their history is a bit of a puzzle. If electric working began in 1941 this suggests a pre-World War II project, but some of the 2000s have plates showing a build date of 1944, at a time when U.S. industry was devoted to war production rather than to the commercial export of locomotives, especially to a non-strategic country which remained neutral till later persuaded to join the Allies.
Poucas das locomotivas da classe 2000 ou 2050 [N.T.: apelidadas de "Lobas"] apresentam placas com números de série legíveis e sua história é um pouco confusa. Se as obras de eletrificação se iniciaram em 1941 isto sugere um projeto pré-Segunda Guerra Mundial, mas algumas das locomotivas da série 2000 apresentam placas que indicam data de construção em 1944, numa época em que a indústria americana estava mais voltada para o esforço bélico do que a exportação comercial de locomotivas, especialmente para um país não-estratégico que permaneceu neutro até ser persuadido mais tarde a se juntar aos aliados. |
Este trecho se encerra com uma afirmação um tanto quanto pesada: o Brasil, non-strategic
country durante a Segunda Guerra Mundial? Será? É fato que, na primeira fase do conflito,
que se restringiu ao território europeu e suas cercanias, o Brasil não era um país estratégico
e nem se envolveu na disputa. Nesse momento ela era uma briga de cachorro grande entre
potências coloniais européias e o III Reich; só mesmo as respectivas colônias se engajaram no
conflito. A guerra só se tornou global, envolvendo diretamente o Japão e Estados Unidos, após
o ataque japonês a Pearl Harbour. Aí a situação mudou completamente de figura:
Convenhamos que é muita ingratidão considerar non-strategic um país que, já em 1942, forneceu matérias primas exclusivas aos aliados, permitiu o estabelecimento de bases militares e vôos de suprimento em seu território e até engajou suas tropas diretamente no conflito...
Tanto tinha o Brasil a sua devida importância dentro do conflito que coube aos Estados Unidos
conseguir a adesão do país aos Aliados, evitando usar o Big Stick (o qual, afinal,
tinha de ter sua aplicação concentrada nos países do Eixo...) mas sim oferecendo algumas
vantagens econômicas. Uma delas foi a construção da primeira grande usina siderúrgica
integrada no Brasil, que se materializou em Volta Redonda. Será que os equipamentos para a
eletrificação da E.F. Sorocabana também não foram incluídos nesse pacote de compensações? É
uma hipótese bastante atraente, mas que precisaria ser devidamente comprovada através de
documentos da época. Até porque as ferrovias do Brasil sofreram bastante com as restrições
impostas pelo conflito, particularmente com a falta de carvão mineral e de peças
sobressalentes. No caso específico da eletrificação pode-se citar pelo menos duas medidas
restritivas do War Production Board americano: a interrupção do fornecimento das
locomotivas elétricas V8 para a Companhia Paulista de Estradas de
Ferro, que só foi retomado no pós-guerra, e da imposição à E.F.
Central do Brasil do projeto da mesma locomotiva, que se revelou bastante inadequada para
uso em suas linhas na Serra do Mar, entre Japeri e Barra do Piraí.
De acordo com um cronograma
divulgado na edição de maio de 1948 da revista Nossa Estrada, órgão oficial de
divulgação da E.F. Sorocabana, a eletrificação deveria ter alcançado Bernardino de Campos em
1947, Assis em 1949, Presidente Prudente em 1952 e Presidente Epitácio em 1954. Teria sido o
mais arrojado projeto de eletrificação ferroviária no Brasil - se tivesse sido executado
conforme os planos. Entre 1944 e 1954 obteve-se a seguinte evolução:
1945-1969: A Expansão
Em 24 de maio de 1945, com a II Guerra Mundial afastando-se do cenário internacional, a E.F.
Sorocabana assinou novo contrato com a Electrical Export Corporation, visando a eletrificação
entre Santo Antônio (Iperó, km. 139,832) e Bernardino de Campos (km. 450,675), compreendendo
310 quilômetros de linha singela, bem menos
acidentado que o primeiro trecho eletrificado
dessa ferrovia. Ele incluiu a aquisição de mais 26 locomotivas elétricas Lobas, material
elétrico e mecânico para a montagem de mais oito subestações automáticas de 4.000 kW. Desse
lote de locomotivas, quinze unidades (#2021 a #2035) foram fabricadas pela General Electric,
enquanto que as onze restantes (#2036 a #2046) foram fabricadas pela Westinghouse. Nessa
mesma ocasião foi anunciado um plano decenal de eletrificação da E.F. Sorocabana, prevendo-se
que em dez anos sua linha tronco estaria totalmente eletrificada. As obras para a
eletrificação do trecho entre Santo Antonio (Iperó) e Laranjal Paulista, ao longo de 46
quilômetros de linha singela, foram iniciadas já em 1945. Nessa fase da eletrificação a E.F.
Sorocabana, a exemplo do que já tinha ocorrido com a Companhia Paulista,
teve de construir suas próprias linhas de alta tensão para abastecer as subestações
retificadoras, uma vez que na época a região não dispunha de grandes hidrelétricas.
Trecho | Extensão do Trecho [km] | Extensão Total [km] | Data da Inauguração |
São Paulo-Sorocaba | 104,342 | 104,342 | 08.12.1944 |
Sorocaba-Iperó | 35,130 | 139,472 | 14.08.1945 |
Iperó-Cerquilho | 24,718 | 164,190 | Janeiro 1947 |
Cerquilho-Laranjal Paulista | 24,148 | 186,388 | 15.12.1947 |
Laranjal Paulista-Juquiratiba | 30,863 | 217,201 | 01.05.1949 |
Iperó-Tatuí | 18,575 | 235,776 | 30.07.1950 |
Tatuí-Morro do Alto | 42,833 | 278,609 | 1951 |
Juquiratiba-Botucatu | 50,707 | 329,316 | 16.10.1951 |
Botucatu-Rubião Júnior | 5,772 | 335,088 | 1952 |
Rubião Júnior-Pátio 3 (Itatinga) | 30,210 | 365,298 | 1953 |
Pátio 3 (Itatinga)-Bernardino de Campos | 37,444 | 402,742 | 1954 |
Em 1° de maio de 1949, juntamente com a eletrificação do trecho Laranjal Paulista-Juquiratiba, foi inaugurada a subestação de Cerquilho; a 29 de outubro do mesmo ano foi inaugurada a de Conchas. O prolongamento da eletrificação entre Botucatu-Rubião Júnior, em 1952, requereu o uso de uma subestação portátil de 2.000 kW que ficou localizada em Apuãs até setembro desse ano, quando entrou em operação a subestação retificadora definitiva nesse local. No ano seguinte essa subestação portátil foi deslocada para o Miranda de Azevedo, no quilômetro 296, permitindo a extensão da eletrificação além de Rubião Júnior. Essa subestação portátil e a entrada em operação da subestação de Barra Grande, em abril de 1954, permitiram que a eletrificação alcançasse Bernardino de Campos. A subestação definitiva em Miranda de Azevedo só ficaria pronta em 8 de dezembro de 1954, enquanto que a de Bernardino de Campos entraria em operação a 23 de agôsto de 1956.
Na Introdução ao Relatório Referente ao Ano de 1951 da E.F. Sorocabana o diretor da estrada, eng. Durval Martins Muylaert, afirma:
A utilização mais ampla da tração Diesel, em substituição da tração a vapor, estendendo os
benefícios da eletrificação a todas as linhas principais da ferrovia, foi um dos fatores
decisivos na melhoria dos transportes ferroviários. Além das vantagens decorrentes da
aceleração dos transportes, a "dieselização" das linhas refletiu-se beneficamente na economia
da Estrada, pela redução das despesas de mão de obra e combustível.
Ampliando o emprego da tração Diesel, não descuramos de ativar os serviços de eletrificação clássica, já em andamento, e atingimos com linhas eletrificadas, que totalizam 311,10 km, a cidade de Botucatu. Em 1953, será concluída a eletrificação até Bernardinho de Campos, finalizando assim a segunda fase, prevista no plano de eletrificação da ferrovia. Afim de não interromper o ritmo dos trabalhos, propuzemos a execução da eletrificação até Presidente Prudente e estamos aguardando, apenas, os recursos financeiros para a aquisição dos materiais necessários a esse empreendimento. Como complemento do programa de eletrificação, iniciou-se a construção da Usina Hidro-Elétrica de Salto Grande, que assegurará à Sorocabana a energia elétrica necessária aos seus serviços. |
No Relatório Anual de 1952 as intenções acima são ratificadas. É prevista a eletrificação do trecho Bernardino de Campos-Assis, com 150 km e quatro subestações; Assis-Presidente Prudente, com 185 km e três subestações; e Presidente Altino-Evangelista de Souza-Santos - cujo primeiro trecho ainda estava em construção! - com 118 km e três subestações. Em todos os casos seria necessário que a E.F. Sorocabana construísse linhas de transmissão para abastecimento das subestações retificadoras - respectivamente 140, 160 e 30 km, todas em 88 kV, torres metálicas e circuito dupla. Incluiam-se ainda planos para a construção de mais uma usina hidrelétrica própria em Jurumirim. A tração elétrica seria reforçada com mais 44 locomotivas de 2.200 HP.
As previsões otimistas desse relatório não se confirmaram. Somente dezoito anos depois, em julho de 1969, a eletrificação chegou até Assis, com a incorporação de mais 249 quilômetros à rede eletrificada da E.F. Sorocabana - e daí não passou, apesar do projeto original ter como objetivo a operação elétrica de toda a linha tronco, até Presidente Epitácio. As usinas hidrelétricas de Salto Grande e Jurumirim acabaram sendo construídas por outras empresas estatais de economia mista por decisão do Governo do Estado de São Paulo.
Fica patente que o avanço da eletrificação na E.F. Sorocabana foi relativamente rápido até o início da década de 1950, mas desacelerou-se a partir daí. A razão para esse atraso - além dos altos investimentos requeridos para a eletrificação, dos problemas técnicos inerentes, da baixa densidade de tráfego dos novos trechos a serem eletrificados, mais distantes da capital, e a crescente concorrência por parte do transporte rodoviário - por estar na dieselização ferroviária, que se generalizou no Brasil ao longo da década de 1950. A E.F. Sorocabana iniciou timidamente as operações com esse tipo de locomotiva em 1947, adquirindo basicamente locomotivas de pequena potência para manobras ou trabalho em linhas secundárias, como as diesel-hidráulicas Krupp e diesel-elétricas Cooper-Bessemer 64 t, e de média potência, fabricadas pela Whitcomb. A aquisição de locomotivas diesel-elétricas de maior potência ocorreu quase por acaso na Sorocabana, em 1954, quando a E.F. Central do Brasil e Rede de Viação Paraná-Santa Catarina adquiriram locomotivas Baldwin AS616, com 1600 HP de potência. Essas grandes máquinas se mostraram inadequadas ao perfil das linhas de bitola métrica dessas duas ferrovias, que perceberam ter adquirido equipamentos inadequados. A E.F. Sorocabana interessou-se por essas locomotivas, que foram alugadas e posteriormente vendidas a ela pela Central; a RVPSC acabou trocando as suas AS616 por máquinas Cooper-Bessemer da E.F. Sorocabana. As AS616 tiveram longa carreira na E.F. Sorocabana, trabalhando no trecho de serra do Mar da Mayrink-Santos e no serviço pesado da linha tronco. Só no final da década de 1950 a E.F. Sorocabana aderiu com mais vontade às locomotivas diesel elétricas de maior potência, adquirindo locomotivas General Electric U12 e U18, com respectivamente 1200 e 1800 HP. Esta última também foi destinada aos serviços pesados e para a Mayrink-Santos. Também foram adquiridas locomotivas EMD GL-8, com 800 HP, para serviço em linhas secundárias.
Ou seja, de forma análoga ao que havia ocorrido na Companhia Paulista e em outras ferrovias com linhas eletrificadas, o surgimento das locomotivas diesel-elétricas reduziu bastante a motivação para se eletrificar novos trechos da malha. Já não havia a justificativa da falta e do alto custo de carvão ou lenha; o óleo diesel era facilmente transportado, relativamente barato e abundante, apesar de importado. Note-se, entretanto, que o custo da tração elétrica era consideravelmente mais barato, conforme mostram cálculos da E.F. Sorocabana feitos em 1951: Cr$ 4,24/1000 ton.km, contra R$ 10,84/1000 ton.km da tração diesel-elétrica e R$ 42,00/1000 ton.km da tração a vapor.
O espetacular desenvolvimento industrial observado na Grande São Paulo durante a década de 1950, incluindo sua região oeste, aumentaram o tráfego suburbano de passageiros. Os quatro trens unidade elétricos Carmen Miranda já não davam mais conta da demanda. Em 1953 foi adotada uma solução de emergência: cinquenta vagões de carga foram convertidos em carros de passageiros nas oficinas de Sorocaba, os quais que eram tracionados pelos TUEs Carmen Miranda. O apelido desses carros, que tinham capacidade para 200 passageiros cada um, era Caveirões, em função do formato peculiar das janelas existentes em suas portas duplas... Não era uma solução ideal, até porque esses TUEs não foram projetados para tracionar essa carga extra.
Tendo em vista esse problema foi realizada uma concorrência em 1953 visando o fornecimento de mais vinte trens unidade elétricos, cada um composto de um carro-motor e dois carros-reboque, para atuar no serviço de subúrbios da capital paulista. Esse número seria aumentado para trinta até o final das negociações. A 26 de dezembro de 1956 foi assinado um contrato entre a E.F. Sorocabana e a Kawasaki Rolling Stock Mfg. Ltd., de Kobe, Japão, visando o fornecimento dessas composições. Cada TUE era composto de dois carros-reboque acoplados a um carro-motor central, podendo trabalhar quatro unidades em tração múltipla, totalizando doze carros. Eles tinham condições de trafegar em curvas com até 245 metros de raio e rampas de até 2%, com velocidade máxima de 80 km/h. Na verdade esses trens unidade elétricos, entregues em 1958, foram fabricados no Japão por um consórcio de empresas. A parte elétrica foi feita pela Tokyio Shibaura (Toshiba); as caixas pela Kawasaki Heavy Industries e os truques pela Tokiu Car Co. Eles acabaram ficando conhecidos entre os ferroviários da E.F. Sorocabana como TUEs Toshiba, uma vez que essa era a designação que eles tinham em suas placas de identificação. Suas principais características técnicas estão listadas abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1958 | 860 | Kawasaki/Toshiba/Tokiu | R+M+R | 19,000 | 80 | 1,6 | 280 por carro |
Esses trens passaram a circular na linha tronco de subúrbios da E.F. Sorocabana, entre Júlio Prestes e Amador Bueno. O fato dessas unidades disporem de bancos de couro confortáveis e banheiros permitiu seu uso inclusive em linhas de longa distância, entre São Paulo e Sorocaba, Iperó, Santos e Peruíbe. No caso dessas últimas duas localidades a tração nas linhas da Baixada Santista era feito com locomotivas diesel, essa vez que esse trecho da E.F. Sorocabana nunca foi eletrificado.
Conforme observado em seus Relatórios Anuais, entre 1955 e 1959 a E.F. Sorocabana tomou emprestadas três locomotivas elétricas Metropolitan-Vickers da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, números 2000, 2001 e 2005, para suplementar sua capacidade de tração. Houve novo empréstimo dessas mesmas unidades em 1962, sendo que em 1963 duas máquinas foram devolvidas e a última no ano seguinte. Aparentemente seu desempenho não foi considerado muito atraente pelo pessoal técnico da Sorocabana. Note-se que a implantação da eletrificação na Paraná-Santa Catarina foi muito prejudicada por uma série de fatores, como a falta crônica de recursos, o atraso na construção da hidrelétrica que deveria alimentar o sistema e a concorrência das locomotivas diesel-elétricas. O trecho entre Curitiba e Paranaguá, que deveria ter sido totalmente eletrificado, teve somente parte de seu trecho de planalto dispondo de tração elétrica. Logo, devia haver grande sobra de locomotivas elétricas, já que elas não tinham onde ser usadas.
As obras para a eletrificação da linha recém-aberta entre São Paulo e Evangelista de Souza, ligando a capital paulista à Mayrink-Santos, foram iniciadas em 1956. Sua entrada em operação no trecho entre km. 11 (Presidente Altino) e Cidade Dutra ocorreu em 1958. Os antigos TUEs Carmen Miranda passaram a servir a essa nova linha, uma vez os TUEs Toshiba já estavam operando nos subúrbios da linha tronco. A catenária entre Cidade Dutra e Evangelista de Souza foi montada mas não entrou em operação imediatamente; a eletrificação nesse trecho teve de aguardar a montagem da subestação de Evangelista de Souza.
Em 20 de março de 1959 a eletrificação atingiria Ourinhos; a subestação definitiva, contudo, somente seria entraria em operação nesse ponto dois anos depois. No mesmo ano, a 18 de setembro, a usina hidrelétrica de Salto Grande entrava em operação, sendo interligada ao sistema da Light através das linhas de transmissão da E.F. Sorocabana, ao longo de mais de 250 quilômetros de extensão. Os 18 quilômetros restantes entre Morro do Alto e Itapetininga, no ramal de Itararé, só foram totalmente eletrificados em 1960, com o término das obras de retificação da via permanente, da subestação de Morro do Alto e da linha de transmissão de alta tensão entre ela e Cerquilho, onde se conectava com a linha de alta tensão entre que abastecia as demais subestações da E.F. Sorocabana além de Varnhagen. Em 1961 a eletrificação era acrescida de mais 36,6 km, correspondente ao trecho Ourinhos-Ibirarema. Só no ano seguinte, 1962, é que seriam terminados os estudos para a eletrificação do trecho seguinte, entre Ibirarema e Assis, num total de 64,2 quilômetros. As obras teriam início em 1963.
O da Serra do Mar da Mayrink-Santos era considerado como ideal para a eletrificação, em função de sua alta declividade: afinal, era um trecho de 40 quilômetros com rampa contínua de 2,0%, o que tornava muito interessante a aplicação da frenagem regenerativa. Além disso, a energia necessária para a tração poderia ser produzida nas proximidades, na cachoeira do Capivari. Em meados de março de 1956 fortes chuvas provocaram desmoronamentos na região, inutilizando a usina já existente no local. Contudo, a perspectiva da eletrificação no longo trecho da serra do Mar motivou a reconstrução e expansão da hidrelétrica, que passou a ter potência de 345 KVA. A nova usina foi inaugurada a 22 de julho de 1961, sendo construída uma nova linha de transmissão desde Cubatão de Cima, onde ela se localiza, até a subestação retificadora de Evangelista de Souza, com 16 quilômetros. Nesse mesmo ano foram iniciados os serviços de locação para uma segunda linha de transmissão com sete quilômetros de extensão, entre essa usina e a futura subestação de Acaraú, então sendo construída em plena Serra do Mar. A usina hidrelétrica do Capivari continuaria abastecendo as estações e instalações da E.F. Sorocabana na região, além de reforçar o abastecimento público.
Infelizmente o agravamento da crise ferroviária brasileira ao longo da década de 1960 tornou as obras dessa eletrificação bastante morosas. A eletrificação no trecho entre Cidade Dutra e Evangelista de Souza somente entrou em operação em 1963, juntamente com a subestação de Evangelista de Souza. No mesmo ano a linha de contato entre Evangelista de Souza e Samaritá já se encontrava concluída, mas não em operação, pois a subestação de Acaraú e sua linha de alta tensão até a usina de Capivari ainda se encontravam em obras. Essa linha de 88 kV ficaria pronta em dezembro de 1964, mas a subestação demoria bem mais: só onze anos após o início das obras, em 27 de novembro de 1967, é que a eletrificação tornou-se operacional até a raiz da Serra do Mar, em Samaritá - e não passou daí. Há quem afirme que a eletrificação foi interrompida nesse ponto em função do gabarito restrito do túnel do José Menino, entre São Vicente e Santos, o que impediria a instalação da linha de contato. De toda forma, a ausência de gradientes significativos nas linhas da Baixada Santista reduzia os atrativos da eletrificação - tanto que também a E.F. Santos a Jundiaí não eletrificou suas linhas nessa região.
Note-se como a velocidade das obras de eletrificação caíram acentuadamente durante a década de 1960. O caso de eletrificação entre Presidente Altino e Samaritá é emblemático: levou-se sete anos para se eletrificar os 52 quilômetros de linha até Evangelista de Souza e outros quatro para prolongá-la por mais 44 quilômetros até Samaritá!
Consta que o tráfego das locomotivas elétricas ao longo do trecho da Serra do Mar da linha Mayrink-Santos obedecia a uma grade de horários bastante balanceada, de forma que o consumo de energia era mínimo: sempre havia um trem subindo enquanto outro descia, tomando-se máximo proveito da frenagem regenerativa. Esse fato, associado à produção local de energia elétrica, devia tornar os custos da tração bastante baixos.
A eletrificação continuava a ter algum prestígio nessa época: em 19 de fevereiro de 1963 o então governador do estado de São Paulo, Adhemar de Barros, assinou decreto autorizando o fornecimento de novas locomotivas elétricas para a E.F. Sorocabana. Essa resolução também incluía a fabricação de novas unidades para a Companhia Paulista de Estadas de Ferro. Em 10 de novembro de 1964 foi assinado o contrato de fornecimento com a General Electric do Brasil. Mas só em 1968 a Sorocabana receberia as trinta novas locomotivas, de 1860 HP, fabricadas na planta de Boa Vista da General Electric. Era um primeiro passo para tornar a eletrificação não tão dependente de material importado, sempre um problema num país com uma crônica carência de moedas fortes. Certamente uma vitória dos especialistas que protestaram em 1940 contra a escolha de fornecedores estrangeiros para os equipamentos da eletrificação da Sorocabana. Os dados técnicos básicos dessa locomotivas estão mostrados na tabela abaixo:
Ano | Numeração | Rodagem | Potência [HP] | Fabricante | Peso [t] | Comprimento [m] | Diâmetro Rodas Motrizes [mm] | Diâmetro Rodas Guia [mm] | Tração Múltipla |
1968 | 2101-2030 | B+B | 1860 | General Electric | 72,6 | 13,942 | 1150 | 0 | Sim |
O apelido dessas máquinas era Mini-Saia, provavelmente pela altura da base de sua carenagem em relação ao solo. Elas foram entregues com grandes festividades, contando inclusive com a participação do governador do estado de São Paulo, Abreu Sodré.
Também no ano de 1968 ficaria pronta a linha de contato entre Ibirarema e Assis. Contudo, a eletrificação só se tornou operacional nesse trecho com a inauguração das subestações de Palmital e Cândido Mota, em julho de 1969.
1969-1995: Anos de Desalento
No início da década de 1970, em pleno auge de sua eletrificação, a E.F. Sorocabana dispunha de
722 quilômetros de linhas com esse tipo de tração. Eles estavam
assim distribuídos: São Paulo-Assis (linha tronco),
554 km; Iperó-Itapetininga, 59 km e Presidente Altino-Samaritá, 109 km. Isto significa que
um terço dos 2171 quilômetros de sua malha era eletrificado; certamente foi o maior
percentual verificado entre as ferrovias brasileiras de grande quilometragem. Naquela época
estavam em operação
as seguintes subestações ao longo de suas linhas: Osasco (1944), São João Novo (1970), Pantojo
(1944), Sorocaba (1970), Varnhagen (1945), Iperó (1945), Cerquilho (1949),
Laranjal Paulista (1949), Conchas (1949), Eng° Calixto (1951), Apuãs (1952), Rubião Júnior
(1952), Miranda de Azevedo (1954), Barra Grande (1954), Bernardino de Campos (1956), Ourinhos
(1961), Palmital (1969) e Cândido Mota (1969), na Linha Tronco entre
São Paulo e Presidente Epitácio; Morro do Alto (1960), no ramal de Itararé; Evangelista de
Souza (1963) e Acaraú (1967) na
linha entre Presidente Altino e Samaritá. Com exceção das subestações de Apuãs, Miranda Azevedo
e Bernardino de Campos, que operavam com sistema motor-gerador, todas as outras usavam
retificadores a base de vapor de mercúrio. Além disso, a ferrovia dispunha de mais de 332
quilômetros de linhas de alta tensão de 88 kV para abastecer suas subestações além de Varnhagen
e na Serra do Mar.
Em 1971 a E.F. Sorocabana foi incorporada às Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA, uma nova empresa criada para centralizar a administração da malha ferroviária controlada pelo governo do estado. No que tange à eletrificação, o primeiro fato relevante após a criação dessa companhia não foi auspicioso: nessa mesma década foi desativada a eletrificação ao longo do trecho da Serra do Mar da Mayrink-Santos.
Aparentemente o fim da eletrificação nesse trecho teria ocorrido no final de 1975, quando fortes chuvas provocaram quedas de barreiras e desbarrancamentos na via férrea, prejudicando inclusive as instalações da linha de contato. A linha foi reparada às pressas, mas o tráfego de trens de passageiros foi suspenso, mantendo-se apenas composições de carga que se arrastavam a 10 km/h. A eletrificação, contudo, não foi restaurada. Sem dúvida, o desempenho das mais potentes locomotivas diesel-elétricas já disponíveis nas linhas de bitola métrica da FEPASA, como as Baldwin AS-616 e as G.E. U18, poderia ser considerado satisfatório o suficiente para não se investir imediatamente na restauração da tração elétrica. Além disso, a empresa já tinha a intenção de criar um Corredor de Exportação entre Uberaba e Santos. A remodelação dessa linha já existente incluiria a implantação de bitola mista e sua duplicação, o que tornava inadequadas as instalações de linha de contato então existentes entre Evangelista de Souza e Samaritá, as quais acabaram por ser removidas. Por outro lado, esse Corredor de Exportação deveria ser totalmente eletrificado, tendo sido incluído dentro do Plano de Eletrificação da FEPASA, lançado em 1975. Isso demonstrava a intenção de se restaurar a eletrificação ao longo do trecho de Serra do Mar da Mayrink-Santos. Esse plano foi uma resposta à primeira crise do petróleo, ou seja, a brutal elevação no preço desse insumo que ocorreu a partir de outubro de 1973 como reação dos países árabes à guerra do Yom Kippur. Mas este projeto, por razões várias, ficou no papel: a eletrificação nunca mais voltou ao trecho da Serra do Mar.
A eletrificação entre Evangelista de Souza e Samaritá durou tão pouco que alguns fãs ferroviários até duvidam que um dia ela tenha existido. Certamente contribui para esse fato o pequeno volume de passageiros que essa linha teve, além da extrema escassez de fotos que mostrem essa eletrificação em operação. Contudo, ainda hoje é possível encontrar vários vestígios das instalações elétricas que serviram a esse trecho, a começar pelo prédio da subestação de Acaraú, vários postes ainda perdidos ao longo da ferrovia e a linha de transmissão entre a antiga hidrelétrica de Capivari e a subestação de Acaraú. Note-se a ironia do destino: do mesmo modo como ocorreu com a Companhia Paulista, também no caso da Sorocabana o primeiro trecho a ser deseletrificado era um dos mais novos: a tração elétrica entre Samaritá e Evangelista de Souza durou apenas de sete a nove anos, conforme a versão assumida.
A elevação no preço do petróleo provocada pela instabilidade política no Oriente Médio no início da década de 1970 prolongou-se até meados da década de 1980, tendo sido sustentada pela Revolução Islâmica no Irã em 1979 e pela guerra entre esse país e o Iraque no segundo semestre de 1980. Apesar desse panorama, a dieselização da FEPASA - e, conseqüentemente, das antigas linhas da E.F. Sorocabana - continuou bastante acelerada. Entre 1975 e 1977 a empresa recebeu dezenas de locomotivas diesel-elétricas General Electric U20C, de 2000 HP de potência, para substituir as primeiras máquinas desse tipo recebidas na década de 1950, as Baldwin AS-616 e G.E. U18, e também para atender ao maior tráfego dos trens de carga.
No início da década de 1970 mais uma vez o sistema de transporte suburbano da E.F. Sorocabana mostrava uma alarmante incapacidade em dar conta da demanda crescente, desta vez provocada pelas ondas do chamado Milagre Brasileiro. Os estudos para a remodelação do sistema iniciaram-se na mesma época, já sob a égide da FEPASA. Em 1976 foi dado início às obras no sistema de subúrbios. As obras ainda incluíam a construção de 34 estações, construção ou reforma de 250 quilômetros em vias de bitola mista, instalação de quatro subestações retificadoras para alimentar a tração elétrica, instalação de um novo sistema de sinalização capaz de permitir freqüência de vinte trens por hora em cada via, construção de depósito central e oficina de manutenção para um parque de 1500 carros e construção/remodelação de 200 quilômetros de rede aérea de contato, adequando-a para o tráfego de locomotivas de bitola métrica ou larga.
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1978 | 1437 | Francorail | M+R+R+M | 19,8
(Motor) 19,5 (Reboque) | 90 | 0,7 | 707 por TUE |
As cinqüenta unidades restantes foram fornecidos pelo consórcio Eletrocarro, com projeto Budd/Sorefame/Acec/Villares/Atelier de Construction Electriques de Charleroi e montagem pela Mafersa. Suas principais características técnicas estão mostradas na tabela abaixo:
Ano | Potência [HP] | Fabricante | Configuração Básica | Comprimento [m] | Velocidade Máxima [km/h] | Aceleração Máxima [m/s2] | Capacidade |
1978 | 1651 | Eletrocarro | M+R+R+M | 22,18 (Motor) 22 (Reboque) | 90 | 0,8 | 974 por TUE |
Dessas cinqüenta unidades, contudo, apenas dez ficaram na FEPASA. Os outros quarenta TUEs foram transferidos para a R.F.F.S.A., onde foram operar na chamada Linha Leste, ou seja, o antigo serviço de subúrbios da E.F. Central do Brasil na cidade de São Paulo, que também passava por grave crise na ocasião.
Em 1978 ficou pronta a primeira etapa desse projeto. A linha-tronco recebeu bitola mista entre Júlio Prestes (a estação terminal em São Paulo) e Itapevi, passando a ser servida por modernos TUEs FrancoRail de aço inoxidável. A extensão Itapevi-Amador Bueno continuou a ter bitola métrica, passando a ser servida pelos antigos TUEs Toshiba reformados nas oficinas de Rio Claro, que receberam o apelido de TUE Rio Claro.
Já os serviços suburbanos na linha Júlio Prestes-Jurubatuba-Evangelista de Souza foram interrompidos em 1976 com a justificativa da execução de obras para remodelação dos mesmos. Na mesma época a eletrificação também foi erradicada desse ramal. Em 1978 os serviços de subúrbio - e, obviamente, a eletrificação - voltaram a essa linha, agora com bitola mista, mas somente até a estação de Pinheiros. A partir de então os trens de subúrbio dessa linha passaram a partir de Osasco e não mais de Júlio Prestes, como ocorria anteriormente.
Em 1985 a disponibilidade e o preço do petróleo voltaram a níveis mais confortáveis, favorecendo mais uma vez o uso de locomotivas diesel em detrimento das elétricas.
As obras dos subúrbios em São Paulo voltaram na segunda metade da década de 1980, desta vez contemplando o ramal ao longo do Rio Pinheiros. Em 1986 as obras se estenderam até a estação de Santo Amaro e, em 1990, até Jurubatuba e Varginha. Até Jurubatuba a linha é de bitola mista, sendo usados os TUEs Eletrocarro de aço inoxidável montados no Brasil pela Mafersa; de Jurubatuba a Varginha operavam os velhos TUEs Toshiba de bitola métrica reformados em Rio Claro.
Em 1989 diversas subestações da antiga E.F. Sorocabana foram modernizadas, passando a operar com modernos retificadores de silício: Iperó, Morro do Alto, Laranjal Paulista, eng° Calixto, Rubião Júnior e Cândido Mota; todas elas apresentavam potência de 4.000 kW.
Em 1990 foi inaugurada a retificação e eletrificação do antigo trecho da E.F. Sorocabana entre Mayrink e Boa Vista (Campinas), dentro do programa do Corredor de Exportação entre Santos e Uberaba. Contudo, uma vez que esse projeto também envolveu as antigas linhas da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, a história da eletrificação desse trecho está descrita no capítulo sobre a eletrificação da FEPASA, presente neste site.
No ano seguinte começaram a circular duas locomotivas elétricas Alsthom de bitola métrica, importadas da França, que faziam parte do lote de setenta unidades de bitola métrica a serem fornecidas dentro do projeto do Corredor de Exportação Santos-Uberaba. As demais locomotivas nunca foram montadas, uma vez que esse projeto foi executado de maneira muito tumultuada. As duas máquinas efetivamente fornecidas também circularam nas antigas linhas da E.F. Sorocabana, mas seu desempenho não era inteiramente satisfatório. Eram equipamentos de uma geração bem mais moderna, com equipamentos de controle eletrônicos mais sensíveis que os sistemas eletromecânicos das locomotivas mais antigas. Por este motivo as novas locomotivas não se adaptaram bem ao antigo sistema de eletrificação da E.F. Sorocabana, pois suas subestações tinham controle eletromecânico; além disso, as condições insatisfatórias da via permanente provocavam uma quantidade muito grande de ocorrências de mal-contato nos pantógrafos. Tudo isso gerou muitos problemas de manutenção nessas locomotivas Alsthom.
A entrada em tráfego dessas duas locomotivas Alsthom foi o último fato relevante na história da eletrificação da E.F. Sorocabana, como será visto a seguir.
1995-2000: O Fim
Como já foi visto no capítulo sobre a
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a década de 1990 marcou o
fim do ciclo nacionalista na economia brasileira. A partir daí as companhias estatais foram
privatizadas a granel - e a FEPASA, à qual pertenciam as antigas linhas da E.F. Sorocabana,
não seria exceção.
Num primeiro instante a perspectiva de privatização, no início da década de 1990, significou a paralisação da companhia em termos de investimentos e modernização, dando um início a um longo período de total estagnação.
Em 1993, atendendo à Constituição Federal, foi criada a Companhia Paulista de Trens Urbanos - C.P.T.M., empresa que assumiu a operação de todo o serviço de trens suburbanos na cidade de São Paulo, incluindo os realizados nas antigas linhas da E.F. Sorocabana, entre Júlio Prestes-Amador Bueno e Osasco-Varginha.
Somente em 1995, com a posse do governo Covas, é que a privatização da FEPASA passou a ser
encarada como um fato consumado. A empresa começou a ser preparada para passar para as mãos
da iniciativa privada, através de uma administração de choque. Uma das primeiras medidas da
nova administração foi a proposta de total supressão da eletrificação, inclusive nas linhas da
antiga E.F. Sorocabana. O problema era a obsolescência e idade avançada do sistema, que não
foi atualizado tecnologicamente ao longo do tempo, enquanto que as locomotivas diesel-elétricas
passaram a ser cada vez mais eficazes. De fato, não há como negar que essas máquinas acabaram
se tornando comercialmente mais atraentes, ainda que às custas da dependência de um combustível
do qual o Brasil ainda não adquiriu plena auto-suficiência.
A eletrificação chegou a ficar temporariamente desligada na
Companhia Paulista em 1995, mas o mesmo não ocorreu nas antigas
linhas da E.F. Sorocabana. Afinal, o problema não era tão urgente nesta ferrovia, uma vez que
seu equipamento e locomotivas elétricas era bem mais novos que os
da Companhia Paulista. Além disso, a maior parte de suas subestações
usava retificadores a base de mercúrio que, por não necessitar peças móveis, apresentava
manutenção menos crítica que as baseadas em moto-geradores. Algumas locomotivas elétricas da
antiga E.F. Sorocabana recebem a nova pintura cinza da FEPASA em 1996 e 1997, renovando as
esperanças de que a eletrificação ainda teria alguma sobrevida. Em 1998 as estações de
Sorocaba e Pantojo estavam acabando de ser modernizadas, dentro do reforço na eletrificação
da linha tronco da antiga E.F. Sorocabana em função da implantação do
Corredor de
Exportação Santos-Uberaba. Elas passariam a dispor dos modernos
retificadores de silício, mas não chegaram a entrar em operação comercial.
O relato apresentado no site inglês
Railways in the São Paulo Area of Brazil
dá uma idéia do que foram os últimos dias da eletrificação nas linhas da antiga E.F.
Sorocabana:
The old 1940s-built 2000 and 2050-series 1Co+Co1s operating on the former EFS run in regular
triplets. 2010-2013-2020, 2015-2016-2002, 2058-2071-2070 and 2057-2056-2070 were observed
together over the period February to September 1996, though sometimes coupled in different
sequences. After a gap in observations, different regular triplets observed March to May 1997
were 2008-2015-2016, 2012-2019-2025, 2054-2055-2065 and 2067-2070-2071. Four single 2000s seem
to work from Mairinque depot as assisting locomotives, and can sometimes be seen piloting a
triplet, while triplet+triplet and triplet+pair are daily occurrences. On one memorable
occasion in April 1996 seven of the fifty-year-old metre-gauge electrics were seen hauling a
freight through Domingos De Moraes with all fourteen pantographs up. The regular passenger
engines are #2017 and #2021. #2017 is named Dr Adhemar de Barros (a name which also appears,
with the title interventor general, among those on the electrification plaque at São Paulo
Julio Prestes station) while #2025 is named Agente Campos. #2009/19/21/26 are in FEPASA
silver-grey livery. The 2000s are GE model 1C+C1 238/286 6GE734 according to the builders'
plates.
A velhas locomotivas 1Co+1Co das séries 2000 e 2050 que operavam na antiga E.F.S., construídas na década de 1940, rodam em triplex regulares. Os conjuntos 2010-2013-2020, 2015-2016-2002, 2058-2071-2070 e 2057-2056-2070 foram observados juntos ao longo do período entre fevereiro e setembro de 1976, embora às vezes acopladas em diferentes seqüências. Após um período sem observações, foram observados diferentes triplex regulares entre março e maio de 1997: 2008-2015-2016, 2012-2019-2025, 2054-2055-2065 e 2067-2070-2071. Quatro locomotivas isoladas da série 2000 aparentemente trabalham no pátio de Mayrink como máquinas auxiliares, e às vezes podem ser vistas pilotando um triplex, enquanto se podia ver diariamente ocorrências de triplex+triplex e triplex-duplex. Numa ocasião memorável em abril de 1996 foram vistas sete dessas máquinas de bitola métrica, com mais de cinqüenta anos de idade, tracionando um trem de carga passando por Domingos de Morais, com todos os catorze pantógrafos levantados. As máquinas que tracionam os trems de passageiros regulares são as de número 2017 e 2021. A 2017 tem o nome de Dr. Adhemar de Barros (nome presente na placa comemorativa da eletrificação instalada na estação Júlio Prestes, com o título de Interventor Geral), enquanto que a 2025 foi batizada com o nome de Agente Campos. As máquinas 2009, 2019, 2021 e 2026 apresentam a última pintura da FEPASA, de cor cinza. As máquinas da série 2000 são modelo G.E., 1C+C1, 238/286 6 GE 734, de acordo com as placas do fabricante. |
Esse texto mostra que o uso rotineiro de tração múltipla com as locomotivas elétricas era uma das abordagens adotadas pela FEPASA para aumentar a eficiência de seu sistema de eletrificação, conduzindo trens mais pesados com a mesma equipagem. Essa mesma abordagem também ocorria nas linhas de bitola larga da empresa, que pertenciam à antiga Companhia Paulista, e também nas antigas linhas da E.F. Santos a Jundiaí.
Um estudo sobre a viabilidade técnico-econômica da eletrificação nas linhas da FEPASA, de autoria de Wilson R. Baptista Ribeiro e mais dois especialistas da ferrovia, foi publicado na edição de julho de 1996 da revista Engenharia. Os resultados da diagnose foram particularmente ruins no caso da Companhia Paulista, onde foi sugerido o fim da eletrificação assim que o equipamento chegasse ao fim da vida útil. Já no caso da E.F. Sorocabana era feito um diagnóstico animador, em função de seu sistema de eletrificação ser mais moderno, do reforço nele feito pelo programa do Corredor de Exportação Santos-Uberaba e pela disponibilidade das novas locomotivas Alsthom desmontadas:
O sistema da Sorocabana possui equipamentos fixos de última e penúltima geração, com idade
média de 28 anos. As locomotivas são antigas e obsoletas, com idade média de 40 anos. Opera
trem-tipo de 1500 tb/trem, adequado para a bitola de um metro e para o volume de transporte
existente no trecho.
(...) No sistema da Sorocabana é transportado entre Amador Bueno e Rubião Júnior 4,91 milhões de toneladas brutas por ano, e os estudos de viabilidade apontam para a continuidade do sistema elétrico, já que os investimentos na infraestrutura são baixos (da ordem de US$ 5,7 milhões), e assim levando a eletrificação ser vantajosa acima de 2,58 milhões de toneladas brutas por ano. (...) Nos trechos onde o sistema fixo está em bom estado (Sorocabana e Mayrink-Casa Branca), considerando a existência no Brasil de equipamentos suficiente para a construção de pelo menos mais 23 locomotivas de bitola métrica a baixos custos, e a viabilidade econômica demonstrada nos estudos, recomenda-se manter operação de trens elétricos. |
Em 1998 a FEPASA é transferida para a Rede Ferroviária Federal S.A. - R.F.F.S.A., como parte do pagamento de uma enorme dívida do Banco do Estado de São Paulo - BANESPA junto ao governo federal. A seguir a empresa é privatizada, sendo substituída pela Ferrovias Bandeirantes - FERROBAN no início de 1999. De imediato a nova empresa suspende toda a eletrificação nas linhas da FEPASA, inclusive nos trechos da antiga E.F. Sorocabana. Como se vê, as conclusões do trabalho citado acima não foram aceitas pela nova concessionária. Todas as locomotivas elétricas foram encostadas nos pátios de Sorocaba e Assis, onde ainda se encontram, em estado de total abandono. O mesmo ocorreu com outros trens elétricos da antiga E.F. Sorocabana, a princípio transferidos para a C.P.T.M., como os TUEs Carmen Miranda e Hitachi.
Somente em maio do ano 2000 é que a ALL - América Latina Logística, empresa que havia arrendado parte das linhas da antiga E.F. Sorocabana sob controle da FERROBAN, explicou oficialmente os motivos da decisão, conforme noticiado na edição de 29 de maio de 2000 do jornal O Estado de São Paulo:
Concessionária optou por máquinas a óleo diesel, que oferecem um custo menor Aurélio Alonso
A eletrificação foi instalada em 1945 no governo Adhemar de Barros na antiga Estrada de Ferro Sorocabana, ligando São Paulo a Assis, para substituir as máquinas a vapor. Com a privatização da Fepasa no ano passado, as novas concessionárias decidiram padronizar o uso de locomotivas a diesel e abandonar em definitivo o sistema elétrico. O supervisor de operações da ALL de Ourinhos, Wilson Roberto Vieira, disse que a empresa fez estudo de viabilidade econômica e constatou que não compensa operar com dois tipos de locomotivas, principalmente por possuir 90% dos trechos não eletrificados. Para operar com máquinas elétricas, a empresa teria de manter pelo menos sete subestações de alimentação da rede de 3 mil volts. Em cada uma são necessários cinco funcionários com direito a adicional de periculosidade. Isso eleva o custo, segundo a empresa. A ALL surgiu em agosto do ano passado da fusão da Ferrovia Sul Atlântico - vencedora da privatização da malha sul da RFFSA - com as duas argentinas Ferrocarril Mesopotamico General Urquiza e Ferrocarril Buenos Aires al Pacifico General San Martin. Os principais acionistas são o Grupo Garantia, a Judori, a Interférrea e a Reiltex. O diretor do Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana, José Claudinei Messias, critica a desativação do sistema elétrico que vem sendo feito sem planejamento deixando abandonadas as locomotivas nos pátios de Assis e Botucatu. De acordo com ALL, o patrimônio imobilizado - máquinas e a rede elétrica - serão transferidos para a Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Messias afirma que a longo prazo a energia elétrica pode ser alternativa de combustível. "A energia é não poluente e renovável", alega o sindicalista. Outro problema que gerou o desligamento da rede de alta tensão é uma onda de furto ao longo da linha. O cabo por onde passava a energia elétrica é de cobre puro. Os ladrões conseguem bom preço na venda a ferro-velho. A Supervisão de Operações de Ourinhos da ALL admite que será necessária a retirada da fiação, o que a RFFSA já autorizou. |
Na verdade, no final de 1999 a R.F.F.S.A., detentora oficial do patrimônio da ferrovia, há havia decidido arrancar toda a fiação elétrica que alimentava os trens mas, pelo que consta na notícia acima, a operação ainda não havia se estendido até as linhas da E.F. Sorocabana.
Após a desativação da eletrificação as subestações elétricas ficaram abandonadas, sendo atacadas por ladrões de cobre que, por desconhecerem os perigosos materiais nelas existentes, como o mercúrio dos retificadores e o cancerígeno óleo askarel usado nos transformadores, expuseram os moradores das cercanias a grave perigo. É mais um típico incidente de países de Terceiro Mundo, onde grassa total desinformação e falta de cultura: recursos tecnológicos, que deveriam ser bem cuidados e promover o progresso da nação, acabam se tornando bombas-relógio que podem causar enormes danos à população. É o que mostra a notícia abaixo, publicada em 18 de agosto de 2001 do jornal O Estado de São Paulo:
José Maria Tomazela
Esse elemento acumula-se no organismo e causa danos irreversíveis ao fígado, pâncreas e sistema nervoso central. O mercúrio foi recolhido, mas o óleo que continha ascarel, substância cancerígena proibida no País há mais de 15 anos, impregnou o solo. A terra ainda não foi removida. Na subestação de Varnhagen, em Iperó, onde ocorreu o vazamento de 40 mil litros de óleo mineral com ascarel, contaminando uma área da Floresta Nacional de Ipanema (Flona), também nada foi feito. A Rede foi multada em R$ 20 milhões pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas ainda não retirou a sucata contaminada, nem removeu a terra. A assessoria de imprensa informou que os técnicos realizaram todos os estudos no local e aguardam que a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) defina o local para onde o lixo será removido. As duas subestações ficam dentro de vilas e continuam sendo freqüentadas pelos moradores. Em Sorocaba, no distrito de Brigadeiro Tobias, também houve o vazamento do conteúdo de quatro transformadores. Segundo vizinhos, os equipamentos foram roubados e o óleo despejado nos arredores. No Distrito de Morro do Alto, em Itapetininga, crianças brincam nas duas subestações que foram depredadas. O óleo que pode conter ascarel escorreu no terreno. Outras 60 subestações da antiga Ferrovia Paulista S/A, estão equipadas com transformadores que contém essas substâncias. Praticamente não há vigilância e muitas continuam sendo saqueadas. A RFFSA informou que a sucata e equipamentos que representam risco serão retirados, mas a remoção depende de autorização dos órgãos ambientais. |
Aparentemente a venda e retirada do material que restou nas subestações foi feita em leilões ao longo do segundo semestre de 2001.
No final desse mesmo ano a Companhia Paulista de Trens Urbanos - CPTM encerrou os serviços de transporte suburbano no trecho entre Jurubatuba e Varginha do antigo ramal de Domingos de Morais-Evangelista de Souza. Os motivos alegados para essa interrupção são confusos, citando-se excesso de problemas com usuários, inadequação e idade avançada das composições de bitola métrica e a intenção do governo em não incentivar a ocupação de uma área de mananciais, como é a região de Interlagos.
Curiosamente, pelo menos até dezembro de 2001 três locomotivas Lobas (#2006, #2013 e #2017) ainda foram vistas tracionando trens de carga entre São Paulo e Amador Bueno. Em outubro de 2002 a #2017 comprovadamente tornou a ser vista em operação, ainda que com sua caixa totalmente pichada. A operação das subestações elétricas nesse trecho é de responsabilidade da C.P.T.M., o que deve tornar viável economicamente o tráfego das locomotivas elétricas da ALL/Ferroban. Não parece ser uma operação que terá grande futuro, mas é a única chance de ainda se ver resquícios da eletrificação feita na antiga E.F. Sorocabana. Não há notícias sobre iniciativas para preservação de exemplares das locomotivas elétricas que lá rodaram, como as Lobas, Mini-Saias ou Francesas. Contudo, em janeiro de 2002 foi feito o anúncio da constituição do Museu Ferroviário Paulista, que seria instalado na antiga estação Júlio Prestes. Ele pode representar uma esperança de manutenção para essas legendárias máquinas.
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Última Atualização: 26.01.2003
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