Apesar desse monopólio, que carreava um volume de tráfego extraordinário para suas linhas, da conseqüente pujança econômica que a empresa tinha e do espetacular sucesso verificado com a eletrificação das linhas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que em apenas três anos de operação conseguiu amortizar 80% do investimento feito, estranhamente a São Paulo Railway não se interessou de imediato pela eletrificação de suas linhas. Sem dúvida a eletrificação dessa ferrovia na década de 1920 teria sido um enorme sucesso, uma vez que ela captava a carga de todas as demais ferrovias - inclusive da Paulista - proveniente ou destinada ao porto de Santos. Quais teriam sido as causas desse desinteresse? A relativa proximidade do fim da concessão aos ingleses, que expiraria em 1946? Contratos de fornecimento de carvão (inglês) para as locomotivas a vapor? Falta de visão empresarial? Certamente as respostas para essas perguntas se esfumaram no famoso incêndio da estação da Luz em 1946, que destruíram os arquivos da antiga administração inglesa.
Essa dependência do carvão importado causou grandes dores de cabeça à administração da São Paulo Railway durante a Segunda Guerra Mundial, quando o fornecimento desse insumo foi gravemente afetado pelos submarinos alemães e pelo esforço bélico da Inglaterra. Nessa época a ferrovia chegou a gastar quase 25% de seu faturamento apenas em combustível, fato que demonstra a gravidade da situação. Em 1947, com as obras da eletrificação já em curso mas ainda fora de operação, esse índice atingiria 26,9%.
Os primeiros estudos para a eletrificação da S.P.R. iniciaram-se em 1944, tendo sido autorizada por um decreto-lei promulgado em dezembro do mesmo ano e assinado em 1945, garantindo financiamento para as grandes despesas que seriam necessárias. Finalmente, no apagar das luzes da administração estrangeira, a ferrovia deciciu eletrificar suas linhas, confiando esse serviço a uma firma inglesa (essas coincidências...), a English Electric Export & Trading Co., através de contrato assinado em 12 de setembro de 1946. Esse primeiro contrato contemplava a eletrificação da linha dupla entre Jundiaí e Moóca, com 65 quilômetros de extensão. Este era o segundo contrato de eletrificação ferroviária que a English Electric conquistava no Brasil; o primeiro havia sido na E.F. Campos do Jordão, em 1923.
Curiosamente, no caso da São Paulo Railway - que assumiu o nome de E.F. Santos a Jundiaí após sua encampação, em 13 de dezembro de 1946 - a adoção de locomotivas elétricas ocorreu de forma simultânea com locomotivas diesel-elétricas, que já estavam se firmando como opção de tração ferroviária mesmo em países periféricos como o Brasil. Quebrando sua tradicional opção por equipamentos ingleses, a ferrovia adquiriu na época quatro locomotivas americanas ALCO RS1 de 1000 HP, uma vez que os fabricantes ingleses de locomotivas não tinham condições de atender a essa encomenda. Afinal, a Grã-Bretanha mal tinha começado a se recuperar das conseqüências devastadoras da II Guerra Mundial, que havia acabado de terminar.
Contudo, a tração elétrica ainda era uma opção preferencial das ferrovias brasileiras, certamente em virtude do bom desempenho que ela tinha apresentado na Companhia Paulista e pelo fato de usar energia nacional, gerada em hidrelétricas. Afinal, o óleo queimado nas locomotivas diesel-elétricas era importado em sua maior parte e as lembranças amargas da escassez dos tempos de guerra ainda estavam muito frescas. E entre 1940 e 1948 houve um aumento de 140% na geração de energia em usinas hidroelétricas, considerando apenas o estado de São Paulo, garantindo fartura de eletricidade na região.
Como se vê, mais uma vez foi a falta de carvão mineral de boa qualidade e a escassez de lenha que forçaram uma ferrovia brasileira a adotar a eletrificação e dieselização. A necessidade da implantação de um moderno e rápido sistema de trens suburbanos ao longo da linha servida pela Santos a Jundiaí também foi uma razão bastante convincente: afinal, o aumento no número de passageiros entre 1946 e 1949 foi de 22%. Outra motivação que não pode ser desprezada foi a inauguração da Via Anchieta em 1947. Essa moderna rodovia, que transpunha a Serra do Mar com modernas obras de engenharia, passou a ser um concorrente formidável na disputa de cargas e passageiros, ainda mais que a São Paulo Railway apresentava um calcanhar de Aquiles: a transposição da Serra do Mar através de sistemas funiculares. Essa solução, bastante engenhosa durante a implantação da Serra Velha (1865) e Serra Nova (1900), já era considerada bastante obsoleta na década de 1940 em função das pesadas limitações de tráfego que ela impunha. A perda de boa parte da carga vinda das ferrovias de bitola métrica, em função da construção da variante Mayrink-Santos da E.F. Sorocabana em 1935, também deve ter pesado nessa decisão. Na década de 1950 a E.F. Santos a Jundiaí chegou a considerar a construção de uma nova transposição da Serra do Mar através de novas abordagens. Numa delas foi analisada a viabilidade de vários trajetos com aderência simples e diferentes níveis de declividade máxima; num outro projeto foi considerado o uso de locomotivas elétricas equipadas com pneus (!). De toda forma, a crise ferroviária nacional, iniciada nessa década, abortou a implantação dessas caras soluções.
De toda forma, por ocasião da apresentação de um trabalho sobre a eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí na Institution of the Electric Engineers da Inglaterra em fevereiro de 1953, foram levantadas várias dúvidas sobre a viabilidade econômica desse empreendimento. Um dos debatedores, S.B. Warder, perguntou, no melhor estilo Rule, Britannia, Rule!, como é que a rica Grã-Bretanha, tão rica, não eletrificava suas ferrovias, enquanto que países como o Brasil, sem dinheiro, eletrificavam as suas:
It is general knowledge that the economy of Brazil is in low water and much more precarious than that of this country. Nevertheless, it has been decided to go ahead with railway electrification for reasons which, in general, are just as applicable to the railways of Great Britain. It seems to me, therefore, that instead of discussing a general description of a scheme which has no strikingly new features, members of The Institution should be more concerned with the reasons why the Brazilian Railways can do it, and yet we who enjoy much better economic health cannot electrify our railways. All we do know is that they have no money, but that there is an awful lot of coffee in Brazil.
É de conhecimento geral que a economia do Brasil está deprimida e em situação mais precária do que a deste país [N.T.: a Grã-Bretanha]. Contudo, foi decidido prosseguir com a eletrificação ferroviária por razões que, em geral, são perfeitamente aplicáveis às estradas de ferro da Grã Bretanha. Portanto parece-me que, ao invés de discutir sobre a descrição geral de um sistema que não apresenta características excepcionalmente novas, os membros da Instituição deveriam estar mais preocupados com as razões pelas quais as Ferrovias Brasileiras podem fazê-lo enquanto que nós, que temos uma saúde financeira muito melhor, não podemos eletrificar nossas ferrovias. Tudo o que sabemos é que eles não tem dinheiro, mas que há uma enorme quantidade de café no Brasil. |
Há dois pontos a serem considerados aqui. Em 1946, quando a São Paulo Railway decidiu eletrificar suas linhas, o Brasil dispunha de considerável quantidade de divisa em moedas estrangeiras, decorrente das enormes compras de matérias primas feitas pelos Aliados (inclusive a Grã-Bretanha) durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto que as importações ficaram extremamente restritas em função das limitações impostas pelo conflito. É bem verdade que essa grande reserva foi dilapidada nos anos seguintes com a importação de itens supérfluos, mas certamente havia dinheiro suficiente para eletrificar ferrovias. Por outro lado, a Grã Bretanha estava exaurida pela enorme destruição ocorrida durante a guerra e pelo enorme esforço bélico. Além disso, não se pode comparar a situação ferroviária entre os dois países. A Grã Bretanha dispunha de carvão farto e de boa qualidade mesmo sob a II Guerra Mundial, ao contrário do Brasil, que onde a carência desse combustível durante esse período foi muito penosa para as ferrovias.
Naquela época ainda não haviam dados completos sobre as vantagens econômicas efetivamente conseguidas pelo sistema, que mal havia começado a operar. De toda forma, os autores do trabalho enfatizaram o aspecto estratégico da eletrificação, citando o fato de o Brasil ser muito dependente do carvão e petróleo importados, fato inquietante na hipótese de um novo conflito mundial, algo que não era tão desprezível assim naqueles primeiros tempos de Guerra Fria.
A eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí foi conduzida sob a administração do eng. Renato de Azevedo Feio, que esteve à frente da ferrovia entre 1948 e 1957. As especificações técnicas usadas nessa eletrificação foram exatamente as mesmas adotadas pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em função da enorme integração e tráfego mútuo que haviam entre essas duas ferrovias. Por essa mesma razão o projeto e obras da eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí contaram com a estreita colaboração do pessoal técnico da Companhia Paulista. Ela foi selada através da cessão, por esta ferrovia, do eng. Pedro de Andrade Carvalho, que atuou como chefe da Comissão de Eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí. De toda forma, a eletrificação ferroviária usando corrente contínua de 3.000 volts já havia sido consagrada no Brasil, sendo usadas em diversas ferrovias e tendo sido adotada pelo Governo Brasileiro como padrão nacional em 1934.
A fase inicial do projeto e coordenação geral dos serviços se iniciou já em agosto de 1946, estendendo-se até 1948. A instalação das fundações para as catenárias se iniciou em março de 1947; contudo, dificuldades técnicas e financeiras fizeram com que o avanço das obras nesse ano fosse praticamente nulo. A instalação propriamente dita das catenárias se iniciou em julho de 1949, seguindo-se os testes com locomotivas elétricas até o estágio inicial em fevereiro de 1950. Também em 1949 foram intensificadas as reformas da linha e pátios para viabilizar a eletrificação, iniciadas as obras de construção das subestações, modificadas as linhas de acesso à Estação da Luz, elevação dos viadutos que cruzavam a via férrea nessa região e o aumento do gabarito do túnel de Botujuru, entre as estações de Franco da Rocha e Campo Limpo Paulista. A instalação das catenárias foi difícil, uma vez que não havia estradas praticáveis ao longo da ferrovia. Logo, todo material necessário tinha de ser transportado por trens especiais de serviço operando em horários cuidadosamente estabelecidos a fim de não se atrapalhar o pesado tráfego então existente na ferrovia. A rede aérea provisória na estação de Jundiaí, que permitia o acesso das locomotivas elétricas da Companhia Paulista, foi substituída por novas instalações, incluindo todo o pátio de carga. A conexão os sistemas elétricos da Santos a Jundiaí e da Companhia Paulista nessa estação apresentava um trecho de aproximadamente 131 metros o qual podia ser alimentado pelo sistema de qualquer uma das ferrovias. Uma vez que as características técnicas dos dois sistemas elétricas eram idênticas, certamente essa configuração foi feita para se evitar o consumo de energia fornecida por uma ferrovia pelas máquinas da outra, evitando-se confusões nas contas de eletricidade...
Essa primeira etapa da eletrificação incluiu a construção das subestações elétricas de Tietê (entre as estações Lapa e Pirituba), Caieiras e Campo Limpo Paulista; com o prolongamento da eletrificação até Paranapiacaba foi instalada mais uma subestação em Mauá. A subestação de Tietê recebia a energia total necessária ao sistema, a partir de uma linha de 88 kV da então concessionária, a São Paulo Tramways Light and Power Company. A tensão era reduzida nessa subestação para 33 kV trifásicos, sendo então distribuída para as subestações de Caieiras e Campo Limpo. Essa distribuição era feita em linhas de transmissão instalada ao longo da linha férrea, usando os mesmos postes que sustentavam a linha trolley que abastecia os trens elétricos. Apenas sobre o túnel do Botujurú (que, na época da eletrificação, era chamado de Belém) essa linha de 33 kV era conduzida em torres de aço exclusivas, por cima da montanha, em virtude da falta de espaço no interior dos mesmos. Cada subestação tinha potência total de 6000 kW, produzida através de três sistemas retificadores por arco de mercúrio com potência de 2000 kW. Note-se que esse sistema era mais moderno que o empregado pela Companhia Paulista durante a década de 1920, pois dispensava a complexidade mecânica dos grupos motor-gerador então empregados. Contudo, é possível que toda essa modernidade ter dado origem a alguns sobressaltos: no verão de 1951 todas as válvulas retificadoras originais foram substituídas pela firma fornecedora, por terem apresentado defeitos generalizados que quase paralisaram totalmente o sistema.
O sistema de eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí também possibilitava a frenagem regenerativa das locomotivas elétricas que se encontrassem percorrendo descidas. Esta característica era particularmente interessante, uma vez que a ferrovia teria trens pesados percorrendo descidas com gradientes expressivos. As subestações foram projetadas de forma a garantir esse tipo de frenagem mesmo nos casos em que a potência gerada dessa forma não pudesse ser aproveitada por outros trens elétricos em outros pontos da linha. A princípio era possível converter esse excesso de energia gerado por locomotivas em descidas em corrente elétrica alternada, que poderia ser devolvida à concessionária pública de eletricidade. Contudo, a English Electric não considerou viável tal alternativa, uma vez que haviam objeções econômicas a essa abordagem; além disso, o formato de onda da corrente alternada assim gerada seria complexa e distorcida. Optou-se então pelo acionamento escalonado de bancos de resistores assim que a voltagem da linha trolley ultrapassasse o valor nominal sem carga, ou seja, entre 3200 e 3400 volts. Cada banco de resistores tinha condições de dissipar correntes elétricas de até 86 ampéres; cada conjunto de bancos tinha condições de absorver até 600 ampéres. Dessa forma a frenagem regenerativa dos trens era mantida, mas a energia em excesso era transformada em calor, sem que houvesse um aproveitamento econômico da mesma. Este, aliás, é o mesmo princípio da frenagem dinâmica das locomotivas diesel-elétricas, onde o excesso de energia gerado pelos motores (aqui atuando como geradores) é transformado em calor, que é meramente dissipado ao meio ambiente sem um aproveitamento racional. A English Electric confirmou num dos debates que se seguiram à apresentação do projeto à comunidade técnica da Inglaterra que a frenagem regenerativa era usada na E.F. Santos a Jundiaí mais para poupar as sapatas de freio do trem do que para aproveitar a energia produzida pela locomotiva na descida.
As subestações da E.F. Santos a Jundiaí foram construídas em concreto armado. Durante um debate após a apresentação de um trabalho técnico apresentando aspectos gerais da eletrificação dessa ferrovia, realizado em abril de 1953 no East Midland Centre, em Derby (Inglaterra), um dos debatedores alertava sobre os perigos de se construir subestações em prédios de concreto armado em países sujeitos a terremotos como o Brasil (!):
Brazil is in the earthquake area - what has been the reaction of this on the concrete structures in that part of the world?
O Brasil está na área dos terremotos [N.T.: !] - qual teria sido a reação desse fato nas estruturas de concreto construídas nessa parte do mundo? |
Os autores responderam que a maioria dos prédios da cidade de São Paulo, incluindo arranha-céus comparáveis aos prédios mais altos das cidades norte-americanas, eram feitos de concreto armado. Tal experiência anterior permitia o uso do concreto armado para os prédios das subestações da E.F. Santos a Jundiaí. Cumpre notar a caridade dos autores, verdadeiros gentlemen do Velho Império - eles poderiam ter respondido que felizmente não há terremotos significativos no Brasil há muitos séculos...
O sistema de alimentação dos trens por catenárias ou fio trolley foi concebido para proporcionar alimentação sem geração de faíscas para composições movendo-se a uma velocidade máxima de 96 km/h sob temperatura ambiente entre 0 e 50°C. Também na E.F. Santos a Jundiaí ocorreu um problema típico de uma era onde os transportes movidos a eletricidade tinham presença significativa: foi necessário resolver o problema do cruzamento de sua catenária com o sistema de alimentação dos bondes da cidade de São Paulo, mais precisamente na passagem de nível na rua da Moóca, onde os dois sistemas de cruzavam num ângulo de 52°. Afinal, as características dos sistemas elétricos que alimentavam o bonde e a ferrovia eram diferentes: ambas eram baseadas em corrente contínua, mas de 600 volts no caso do bonde e 3000 volts no caso da ferrovia. Esse tipo de problema já havia sido observado durante a eletrificação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro: em São Carlos, por exemplo, optou-se por substituir o trecho de catenária que alimentava o bonde sobre a passagem de nível por um cabo que ligava o bonde a uma tomada elétrica própria, que só era usado no momento em que o veículo cruzava a linha férrea. Já no cruzamento das linhas da E.F. Santos a Jundiaí com as do bonde na Moóca a situação era mais complexa, uma vez que o bonde tinha de cruzar três linhas ferroviárias ao invés de uma só, como no caso de São Carlos. No caso da Moóca optou-se por implantar um complexo sistema de chaveamento, o qual permitia manter os dois sistemas de catenárias na passagem de nível. Obviamente ele foi concebido de forma a manter apenas um sistema energizando esse ponto das catenárias, em 600 ou 3000 volts, conforme a passagem de um bonde ou de um trem, respectivamente. Foram observados alguns problemas durante o período inicial de uso desse sistema, mas sua solução revelou que o sistema era eficaz para trens correndo sob velocidades de até 40 km/h. Contudo, nada menos do que oito bondes foram avariados até que se pudessem corrigir falhas de segurança que permitiram a ocorrência de erros operacionais!
A eletrificação da Santos a Jundiaí começou a operar experimentalmente em 5 de junho de 1950, quando entraram em tráfego duas locomotivas elétricas transportando trens de carga e passageiros. A inauguração oficial ocorreu a 20 de julho, na presença do ministro da viação, General João de Amorim Melo. A entrada em operação sistema apresentou alguns percalços interessantes. Apesar do enorme aumento na geração hidrelétrica que havia ocorrido ao longo da década de 1940 no estado de São Paulo, o fato é que durante os primeiros tempos o sistema de eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí teve de acomodar amplas flutuações de voltagem e baixas freqüências na corrente de 88 kV fornecida pela Light. Esses problemas foram causados por sobrecarga no sistema elétrico da concessionária, causado pela alta demanda industrial, um período de seca que esvaziou os reservatórios das hidrelétricas e paradas não programadas em termelétricas. As pesadas chuvas da região mais a alternância de períodos com alta umidade ambiente e períodos quentes e secos provocaram falhas nos cabos dos circuitos supervisórios do sistema. Também foram observados danos a esses cabos provocados por pedras arremessadas por explosões em pedreiras próximas à ferrovia... Neste caso a solução consistiu em se enterrar os cabos.
Um problema que se tornaria crônico nas linhas eletrificadas brasileiras apareceu relativamente cedo na E.F. Santos a Jundiaí: o alto preço dos bonds, ou seja, as conexões de cobre entre um trilho e outro para garantir o contato elétrico, incentivavam o seu roubo. Por exemplo, constatou-se em janeiro de 1960 a falta de 40% dos bonds originalmente instalados. A solução proposta foi o uso de bonds de ferro, menos eficientes mas bem menos atraentes para os amigos do alheio. Os problemas causados às linhas eletrificadas pelos roubos de componentes de cobre, de alto custo, só se agravaram a medida que a situação social do país se degradava ao longo das últimas décadas.
De acordo com um artigo publicado na revista Ferrovia, de julho de 1950, também as máquinas fixas dos planos inclinados da Serra Nova seriam eletrificadas. Esses equipamentos, contudo, acabaram sendo modificados para trabalhar com óleo combustível.
A espinha dorsal da eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí foram as famosas locomotivas elétricas apelidadas de Pimentinhas, em função de sua cor vermelha-escura. Elas foram projetadas e construídas na Grã-Bretanha pela English Electric Co. Ltd., sendo oficialmente designadas como modelo EE514A. Eram locomotivas que lembravam vagamente o modelo V8 da Companhia Paulista por apresentarem formato aerodinâmico e cabine dupla, com rodagem C+C, 3000 HP de potência e 127 toneladas de peso aderente. Foram recebidos 15 unidades, que foram construídas entre 1949 e 1951. Uma máquina extra foi montada nas oficinas da ferrovia em 1955 usando-se peças sobressalentes, tendo sido importada uma carenagem extra. Suas principais características estão expostas abaixo:
Esse modelo de locomotiva, especialmente projetado para a E.F. Santos a Jundiaí, fez sucesso em outros países. Modelos similares, com algumas pequenas modificações, prestaram décadas de bons serviços na Espanha, Austrália e Índia. Na época de sua fabricação estas eram as locomotivas elétricas mais poderosas jamais construídas na Grã-Bretanha.
As Pimentinhas tinham capacidade de tracionar trens de 600 toneladas a uma velocidade máxima de 61 km/h, com linhas de rampa máxima de 2,5% e raios mínimos de curva de 328 metros. Naquela época os trens de carga eram limitados a 600 t de carga mais em função do espaço disponível nos pátios de manobra. Já os trens de passageiros chegavam facilmente a atingir 700 t de peso, em função dos carros americanos de passageiros usados pela Companhia Paulista que circulavam entre São Paulo e Jundiaí. Cada carro desses - provavelmente os fornecidos pela American Car & Foundry na década de 1920 - pesava 70 toneladas. De fato, os trens de passageiros da velha e boa Companhia Paulista tinham em torno de dez a doze carros.
Um dos principais problemas encontrados pela English Electric na fabricação da Pimentinha foi acomodar três motores de 500 HP num truque que tinha de apresentar tamanho mínimo, em função dos raios de curva apertados existentes em vários pontos da linha. Um detalhe de segurança era particularmente interessante: a abertura das portas que davam acesso a equipamentos energizados da locomotiva fazia com que os pantógrafos se abaixassem automaticamente, evitanto riscos de eletrocussão. A manutenção leve das Pimentinhas era feita na parte externa do depósito de locomotivas anexo à Estação da Luz. As oficinas principais, onde era efetuada sua manutenção pesada, ficavam no bairro da Lapa, em São Paulo. Lá eram feitas as vistorias e manutenção dos motores elétricos. As mesmas instalações dispunham de três linhas-teste para as locomotivas que haviam acabado de serem submetidas à manutenção.
No início de sua operação essas locomotivas percorriam anualmente 160.000 quilômetros. O principal problema enfrentado por elas nessa ocasião foram... raios e relâmpagos. A English Electric afirma que a região da capital paulista é freqüentemente assolada por tempestades elétricas, algumas de grande intensidade. Entre outubro de 1950 e fevereiro de 1951 diversas Pimentinhas tiveram o isolamento da armadura de seus motores perfurado por picos de alta voltagem provavelmente provocados por raios incidindo na rede aérea que alimentava os trens elétricos. Simulações efetuadas em laboratórios ingleses confirmaram essa hipótese. A solução foi o desenvolvimento de uma armadilha para raios (lightning arrester) capaz de operar sob baixos impulsos de voltagem, além da instalação de um condensador de 4 micro-farads conectado em paralelo com essa armadilha. A solução foi bastante efetiva, uma vez que nenhuma ocorrência desse tipo foi observada durante o período chuvoso entre 1951 e 1952.
Apesar da total compatibilidade técnica entre os sistemas de eletrificação da Santos e Jundiaí e da Paulista a troca de locomotivas continuou ocorrendo em Jundiaí, um procedimento um tanto quanto supérfluo. Em 1967 a Companhia Paulista e a Santos a Jundiaí estabeleceram tráfego mútuo entre suas locomotivas elétricas, que passaram a circular mais livremente ao longo de suas linhas. Dessa forma, era possível ver V8s da Paulista tracionando trens até Paranapiacaba e Pimentinhas da Santos a Jundiaí em diversos pontos do interior paulista. Isso garantia um melhor aproveitamento do parque de tração, cujas características elétricas eram plenamente compatíveis. Infelizmente, esse acordo se encerrou por volta de 1974, o que aparentemente representou um retrocesso do ponto de vista operacional.
O programa de eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí incluiu o recebimento de três
trens unidades elétricos (T.U.E.s), também fabricados pela English Electric. Seu principal objetivo era atender à rota São Paulo-Campinas, em tráfego mútuo com a Companhia Paulista de Estadas de Ferro, competindo diretamente com os serviços de ônibus recém-surgidos com a Via Anhangüera, que havia sido recentemente inaugurada. Justamente por esse motivo as tarifas vigentes no momento da entrada em serviço desse novo trem de passageiros foram promocionais. O apelido desses velozes T.U.E.s era Gualixo, nome de um famoso cavalo de corrida da época. Eles eram compostos de um carro-motor (central) e dois carros-reboque; seu peso vazio era de 111,25 toneladas, possuindo potência de 800 HP e podendo acomodar até 198 passageiros sentados a uma velocidade máxima segura de 110 km/h. Os motores de tração usados eram auto-ventilados, do mesmo tipo usado em locomotivas elétricas, com potência unihorária de 200 HP. Eram usados quatro deles em cada carro-motor. Eles foram entregues à E.F. Santos a Jundiaí entre julho e setembro de 1952.
Por outro lado, o serviço suburbano dentro da Grande São Paulo ainda era feito através de trens de madeira, ainda que tracionados pelas novas locomotivas elétricas e diesel-elétricas. Só em 1955 a E.F. Santos a Jundiaí foi autorizada a adquirir trens unidade elétricos feitos de aço inoxidável feitos pela The Budd Company, dos E.U.A., os quais foram entregues em 1957. Parte desses TUEs foram construídos nas oficinas da Mafersa, em São Paulo, no bairro da Lapa. As condições de importação desse material rodante foram as seguintes:
Ou seja, no total foram adquiridos 30 carros-motores e 60 carros-reboque destas unidades, denominadas de Série 100, que tinham por objetivo eliminar completamente as composições de carro de madeira do serviço suburbano da capital paulista, efetuado entre as estações de Franco da Rocha e Mauá. Note-se o papel pioneiro da E.F. Santos a Jundiaí, a primeira no Brasil ao usar de TUEs com caixas feitas em aço inoxidável, uma tendência que se mantém até hoje. Elas foram projetadas pela Budd americana, então detentora da patente sobre a soldagem de aço inoxidável; parte dos carros reboque foi fabricada no Brasil pela MAFERSA - Material Ferroviário S.A. A parte elétrica dos TUEs foi feita pela General Electric. Cada
carro-motor podia transportar 94 pessoas sentadas e 306 em pé; a capacidade dos carros-reboque mudava ligeiramente conforme o tipo específico: 94 ou 96 pessoas sentadas mais 304 ou 306 pessoas em pé. O peso do carro-motor, quando vazio, era de 63,822 t; o do carro-reboque com cabine, 40,892 t e o carro-reboque sem cabine, 41,870 t. Suas principais características estão descritas na tabela abaixo:
Esses trens, contudo, também eram empregados no serviço entre São Paulo-Jundiaí e São Paulo-Santos, sendo equipados com banheiros para atender aos usuários durante esses trajetos relativamente longos. Eles também dispunham de geradores acionados por motores a gás para alimentar seu sistema elétrico de iluminação quando circulavam em linhas não-eletrificadas. Esse era o caso dos trens que operavam entre São Paulo e Santos, pois o trecho entre Paranapiacaba e Santos não era eletrificado. Entre Paranapiacaba e Raiz da Serra os Budd-Mafersa 101 eram tracionados pelo sistema funicular, enquanto que entre Raiz da Serra e Santos atuavam as locomotivas diesel elétricas ALCO RS1.
O recebimento desses T.U.E.s fechou com chave de ouro a eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí, que passou a ter condições de cumprir satisfatoriamente seus objetivos como elo de ligação entre o interior e o porto de Santos e em proporcionar transporte suburbano entre as regiões noroeste e sudeste da cidade de São Paulo. Note-se que o processo de dieselização
da ferrovia continuou simultâneamente à sua eletrificação. Entre 1948 e 1956 form adquiridas mais oito locomotivas RS1 da ALCO; entre 1955 e 1956 mais 45 locomotivas diesel-elétricas manobreiras, fabricadas pela General Electric, foram incorporadas à frota da ferrovia. No início da década de 1960 essa ferrovia receberia cinco máquinas diesel-elétricas G.E. U6B para serviços de manobra.
Uma análise feita em 1952 sobre os custos relativos a cada tipo de tração na Santos a Jundiaí não foi inteiramente favorável para os trens elétricos. De acordo com os dados obtidos, a tração elétrica apresentava custos da ordem de Cr$ 5,80/1000 ton.km, enquanto que a tração diesel custava R$ 4,60/1000 ton.km e a vapor, Cr$ 43,50. Contudo, a ligeira desvantagem para a tração elétrica era explicada pelo fato da tração diesel ser usada principalmente no trecho da Baixada Santista dessa ferrovia, que é muito plano e apresenta menor dificuldade para as locomotivas.
Cumpre notar que em 1957 a E.F. Santos a Jundiaí foi incorporada à Rede Ferroviária Federal S.A. - R.F.F.S.A. - e que a partir de 1960 a crise das ferrovias brasileiras, então esboçada, iniciaria sua escalada de forma cada vez mais intensa.
Os sintomas dessa crise, de fato, intensificam-se a partir dessa data. Somente no início da década de 1970, mais de vinte anos após a chegada das Pimentinhas, é que ocorreu um reforço no parque de tração elétrico da E.F. Santos a Jundiaí, com a chegada de duas locomotivas do tipo Escandalosa, que foram transferidas da
E.F. Central do Brasil. Este modelo de locomotiva era virtualmente idêntico às V8 fornecidas para a Companhia Paulista. Provavelmente um dos motivos de sua realocação tenha sido seu decepcionante desempenho nas linhas da Central - algo a princípio surpreendente, considerando sua legendária folha de bons serviços na Paulista. O fato é que o trecho eletrificado da E.F. Central do Brasil incluía um trecho bastante difícil na Serra do Mar entre Japeri e Barra do Piraí, inadequado para as Escandalosas, que haviam sido projetadas para as linhas relativamente planas da Companhia Paulista.
Na mesma época a Santos a Jundiaí adquiriu novos trens unidades elétricos, construídos no Brasil pela Mafersa sob licença da The Budd Company, segundo seu modelo Pioneer III. Essas unidades possuíam configuração mais adequada para percursos mais longos, contando com banheiro e assentos estofados. De fato, sua missão era reforçar a envelhecida frota de trens unidade de
médio percurso da Santos a Jundiaí, como os trens diesel Cometa, Estrella e Planeta que operavam entre São Paulo e Santos há 35 anos e os trens elétricos Gualixo, que operavam entre São Paulo e Campinas há vinte anos. Na época os anúncios da E.F. Santos a Jundiaí publicados na imprensa especializada gabavam o fato desta ferrovia ser a única do mundo a dispor de uma frota para transporte comercial de passageiros totalmente de aço inoxidável.
No final da década de 1960 a E.F. Santos a Jundiaí desenvolveu estudos mais detalhados sobre a implantação do sistema de tração por cremalheira-aderência em seu trecho de transposição da Serra do Mar. O projeto inicial foi desenvolvido em colaboração com as empresas English Electric e SLM - Schweizerischen Lokomotiv- und Maschinenfabrik Winterthur, esta última fabricante suíço de locomotivas de cremalheira. O projeto previa o uso de uma dupla de locomotivas elétricas B-B de 86 toneladas para tracionarem trens de 500 toneladas brutas ao longo do trecho de serra com o auxílio de cremalheira Riggenbach. Neste caso 2/3 do esforço de tração seriam aplicados sobre a cremalheira, ficando 1/3 para a simples aderência. O projeto final contou também com a colaboração da Brown-Boveri. A viabilidade econômica do projeto foi demonstrada em estudos executados em 1969 pela R.F.F.S.A., fazendo com que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - B.N.D.E. concedesse financiamento para as obras, que se iniciaram em 1970.
A implantação desse novo sistema de tração, efetuada ao longo da chamada linha da
Serra Velha, requereu uma grande intervenção no local, incluindo a substituição de
trilhos, instalação de cremalheira e a execução de obras de arte, via permanente e
sinalização. Obviamente o novo trecho também teve de ser eletrificado, adotando-se o mesmo
sistema já existente na E.F. Santos a Jundiaí. A eletrificação foi feita ao longo dos doze
quilômetros de extensão da Serra Velha e incluiu os novos pátios implementados com o
sistema de cremalheira, tendo sido usados pórticos de aço galvanizado e catenária de cobre
eletrolítico e cobre-cádmio. Um detalhe interessante está no fato de que as linhas de contato
são duplas, de forma a se evitar qualquer possibilidade de falha de contato, que poderia ser
desastrosa com a locomotiva tracionando composições sob os fortes gradientes que a linha tem
na região da Serra do Mar. A alimentação do sistema é feita
por duas subestações, uma de 9.000 kW em Raiz da Serra e outra de 12.000 kW em Paranapiacaba,
ambas alimentadas pela concessionária pública de eletricidade - na época, a Light Serviços de
Eletricidade S.A.
O projeto previa a aquisição de oito locomotivas elétricas de cremalheira com potência de 3780 HP para utilização exclusiva nesse novo trecho. Apesar de terem sido projetadas pela English Electric, SLM e Brown Boveri, essas máquinas foram produzidas pela empresa japonesa Hitachi. As características dessas locomotivas estão descritas abaixo:
As engrenagens de cremalheira dessas locomotivas são retráteis, permitindo seu uso tanto na seção de serra quanto em trechos planos. Na posição recolhida essas engrenagens ficam a pelo menos 52 milímetros acima da altura dos trilhos. Esse recurso foi desenvolvido pela SLM a pedido da E.F. Santos a Jundiaí e patenteado pela empresa suíça. A entrada da locomotiva na seção de cremalheira é feita automaticamente, com o auxílio de seção especial que permite o ajustamento dos dentes da engrenagem aos encaixes da cremalheira. Elas possuem seis motores de tração, sendo que dois acionam as rodas através de braçagens nos trechos planos e inclinados, e quatro movimentam coroas dentadas, sendo usados somente nos trechos inclinados, onde a coroa é acoplada à cremalheira entre os trilhos. Elas também dispõem de três sistemas de freios: pneumático, dinâmico (reostático) e de emergência (com mola); eles são aplicados em discos convenientemente projetados para uma adequada dissipação de calor. Sua capacidade máxima de tração é de 250 toneladas en rampa com 8 quilômetros de extensão e 10% de inclinação máxima, sob velocidades médias de 28 km/h (subindo) ou 22 km/h (descendo); em trechos planos elas podem atingir até 40 km/h. Elas sempre operam abaixo da composição, empurrando-as na subida ou suportando seu peso na descida.
As obras desse novo sistema foram grandemente prejudicadas por um forte temporal que se abateu sobre a região em fevereiro de 1971, o qual provocou gigantescos deslizamentos ao longo das encostas da Serra do Mar que, entre outros danos, provocaram a destruição do viaduto da Grota Funda. A primeira viagem de uma locomotiva elétrica de cremalheira ocorreu somente a 8 de janeiro de 1974, quando a máquina #2001 percorreu o trecho entre Raiz da Serra e Paranapiacaba.
De acordo com Allen Morrison este trecho da E.F. Santos a Jundiaí é uma das únicas quatro ferrovias de cremalheira ainda existentes no Hemisfério Ocidental. Dessas quatro, apenas duas possuem tração elétrica: a seção da Serra do Mar da E.F. Santos a Jundiaí e a E.F. Corcovado. As outras duas estão localizadas nos Estados Unidos: Mike's Peak, no Colorado, usando tração diesel, e Mt. Washington, em New Hampshire, que usa tração a vapor e é a mais antiga em funcionamento no mundo, tendo sido aberta em 1869.
A inauguração oficial do sistema ocoreu a 17 de Janeiro de 1974, mas tratou-se mais de um
evento político, uma vez o governo do general Médici estava terminando e sua equipe decidiu
capitalizar o prestígio decorrente das obras que estavam sendo executadas durante a sua
administração, ainda que não estivessem completas. O sistema continuou
em testes após esse evento mas logo depois, em março,
ocorreu um grave acidente durante uma viagem de teste, quando a locomotiva #2007 desengatou-se
do sistema de cremalheira e fez a composição descer a serra em grande velocidade, causando a
morte dos dois maquinistas. Outro incidente em novembro do mesmo ano, desta vez sem vítimas,
provocou a baixa da locomotiva #2005.
Após a ocorrência do primeiro acidente a SLM foi convocada para
fazer uma perícia, cujo resultado resultou numa série de modificações no projeto da
locomotiva, incluindo seu sistema de freios. Sua capacidade de carga original, de 800 t, foi
reduzida para 500 t por razões de segurança.
Muito provavelmente esses acidentes prolongaram a fase de testes do novo sistema de
cremalheira na Serra do Mar, a qual se estendeu até 15 de Dezembro de 1976, quando ele foi
declarado
completamente operacional. Infelizmente esse grande avanço foi praticamente anulado com a
inauguração, nesse mesmo ano, da Rodovia dos Imigrantes, uma moderna auto-pista entre São
Paulo e Santos ainda mais moderna que a Via Anchieta, estimulando ainda mais a concorrência
dos caminhões ao mercado de cargas que demandava o porto de Santos.
Durante a década de 1970 as subestações do sistema eletrificado da Santos a Jundiaí foram modernizadas, sendo então suprimido o sistema que permitia o uso de regeneração elétrica para frenagem das locomotivas.
A E.F. Santos a Jundiaí recebeu um inesperado reforço em seu parque de tração elétrico em 1977, quando a E.F. Central do Brasil iniciou o sucateamento de sua eletrificação. Inicialmente vieram as locomotivas Pão de Forma, fabricadas pela Henschel-Siements. Em 1984, com a supressão da eletrificação na linha da Serra do Mar, o último trecho de longo percurso onde ela ainda estava operando, foram transferidas
as locomotivas Charutão, fabricadas pela General Electric. Estas últimas locomotivas logo receberiam outro apelido dos ferroviários da Santos a Jundiaí: Carioquinhas. Infelizmente as locomotivas Pão de Forma foram retiradas do serviço ativo relativamente pouco tempo depois de sua transferência para a E.F. Santos a Jundiaí, em 1987. Um exemplar se encontra enferrujando desde então na estação de Paranapiacaba, sem que qualquer providência ativa tenha sido tomada para sua preservação, ainda que estática.
Em 1979 chegou uma segunda série de quatro locomotivas Hitachi para a linha de cremalheira na Serra do Mar, com as mesmas características técnicas da primeira leva. Somente suas caixas eram ligeiramente diferentes, sendo mais altas e com maior visibilidade para o maquinista na cabine de comando. Essa segunda série foi numerade de 2009 a 2012. Em 1981 chegaram mais três locomotivas, diesel-elétricas, para manutenção aérea no trecho da cremalheira, com 1000 HP de potência. E em 1982 o parque de locomotivas diesel-elétricas da E.F. Santos a Jundiaí foi renovado e expandido: as antigas locomotivas ALCO RS-1 foram substituídas pelas G.E. U20C, com 2000 HP de potência.
Em 1984 o Governo Federal decidiu constituir uma empresa autônoma para administrar as linhas de transporte suburbano de massa até então pertencentes à
Rede Ferroviária Federal - R.F.F.S.A.. O objetivo dessa mudança era atender, de maneira mais eficaz, as necessidades específicas desse sistema de transporte e desonerar a R.F.F.S.A. dos pesados prejuízos que ele acarretava. Essa empresa recebeu o nome de Companhia Brasileira de Trens Urbanos - C.B.T.U. Dessa forma a E.F. Santos a Jundiaí passou a não mais operar diretamente seus trens suburbanos, que passaram a ser responsabilidade da nova empresa, muito embora compartilhassem a mesma linha. A partir de então passou a haver maior integração entre os serviços suburbanos prestados pela E.F. Santos a Jundiaí e E.F. Central do Brasil na capital paulista, incluindo a incorporação de novos trens de aço inoxidável produzidos no Brasil.
O processo de dieselização continuava: entre 1986 e 1987 também foram transferidas para a Santos a Jundiaí diversas locomotivas ALCO RSD-12 reformadas, provenientes da antiga E.F. Central do Brasil.
A idade avançada das locomotivas elétricas da E.F. Santos a Jundiaí já começava a preocupar seus técnicos a partir de meados da década de 1980. Um esforço no sentido de se renovar esse equipamento foi revelado na edição de junho de 1989 da
Revista Ferroviária, quando se anunciou a celebração de um acordo entre a firma espanhola C.A.F. - Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles e a R.F.F.S.A. sobre o fornecimento de
doze locomotivas elétricas para a E.F. Santos a Jundiaí. Estas máquinas, com projeto japonês mas a serem construídas na Espanha, deveriam substituir as velhas Pimentinhas, que já tinham quarenta anos de idade. Elas seriam as locomotivas mais poderosas jamais fornecidas ao Brasil, uma vez que teriam potência de 6000 HP, aceleração pelo sistema chopper e freio dinâmico com resistências, no estilo das locomotivas diesel-elétricas, uma vez que nessa época o sistema de frenagem por regeneração já tinha sido suprimido nas linhas eletrificadas da Santos a Jundiaí. Sua escolha tinha sido fruto de um trabalho que levou cinco anos para ser desenvolvido. A escolha pelo equipamento espanhol se deveu a uma generosa oferta financeira daquele país. O valor total do contrato era de sessenta milhões de dólares e a entrega da primeira locomotiva ocorreria 21 meses após a assinatura do contrato. Como se sabe hoje, nada disso acabou ocorrendo. Provavelmente a operação não foi aprovada pelo Governo Brasileiro e o Senado, que deveriam aprovar a transação. O fato é que a época não era propícia para grandes investimentos em estatais, como a R.F.F.S.A.: o país vinha sofrendo uma prolongada crise financeira, com enorme inflação, fazendo com que o governo não tivesse capital para investir em suas empresas. Além disso, estava-se no fim do governo Sarney, quando decisões desse porte ficam ainda mais difíceis. E a privatização das estatais já aparecia no horizonte, fruto da era da globalização que nascia a partir dos escombros do mundo socialista, então em fase de decomposição. Perdeu-se dessa forma uma situação interessante: as Pimentinhas acabaram servindo de modelo para uma locomotiva inglesa que rodou na Espanha; quarenta anos depois, seria uma locomotiva japonesa, fabricada na Espanha, que rodaria nas linhas da E.F. Santos a Jundiaí... Como será visto a seguir, essa modernização no parque rodante da E.F. Santos a Jundiaí de fato teria sido crucial para manter viável a tração elétrica a partir dos anos noventa.
Mas a situação da E.F. Santos a Jundiaí também piorava por outros motivos. Em 1990 a FEPASA inaugurou a remodelação do trecho Boa Vista-Perequê do chamado Corredor de Exportação Santos-Uberaba. Ele contava com bitola mista de 1,60/1,00 em toda sua extensão, além de eletrificação entre Boa Vista e Mayrink e linha dupla entre Mayrink e Paraitinga. Surgiu dessa forma uma nova opção de transporte ferroviário em bitola larga entre o interior paulista e o porto de Santos, tornando a FEPASA quase que totalmente independente da E.F. Santos a Jundiaí. De fato, agora os trens vindos das linhas da antiga Companhia Paulista podem trafegar na lendária Mayrink-Santos, juntamente com as composições das linhas de bitola métrica das antigas E.F. Sorocabana e Companhia Mogiana. Na estação de Paraitinga, já na Baixada Santista, eles são desviados para uma linha relativamente recente, também em bitola mista, rumo à estação de Perequê, perto do Polo Petroquímico de Cubatão, onde um pequeno ramal faz a interligação com a estação de Cubatão da E.F. Santos a Jundiaí e, de lá, para o Porto de Santos. Como se vê, esse foi um rude golpe para a Santos a Jundiaí, que perdeu praticamente todo o tráfego proveniente do interior paulista para uma linha nova e de alta capacidade, sem as pesadas limitações impostas pelo tráfego suburbano entre Francisco Morato-Mauá e pelo sistema de cremalheira na Serra do Mar. O único inconveniente da nova linha é um significativo aumento de percurso em função da volta dada pela Grande São Paulo via Mayrink e a transposição da Serra do Mar por simples aderência.
Ainda assim a E.F. Santos a Jundiaí continuou investindo no seu trecho da Serra do Mar: em 1990 chegaram mais duas locomotivas elétricas Hitachi para o sistema de cremalheira, numeradas agora conforme a nomenclatura do projeto SIGO da R.F.F.S.A.: 9042 e 9043, com as mesmas características técnicas das anteriores. Elas entraram em tráfego em 1992 e, provavelmente, devem ster sido as últimas locomotivas adquiridas pela então moribunda R.F.F.S.A.
A partir da década de 1990 as ferrovias com tração elétrica tentaram conseguir o máximo desse sistema para que ele pudesse competir com as locomotivas diesel-elétricas. Uma das abordagens nesse sentido foi a intensificação do uso de
tração dupla, ainda que sua aplicação fosse restrita pelas limitações de potência das subestações. A mesma prática também foi adotada nas antigas linhas da Companhia Paulista e E.F. Sorocabana.
Os efeitos da obsolescência das locomotivas elétricas da E.F. Santos a Jundiaí começaram a aparecer com maior freqüência a partir de 1993, ocasião em que leitores do periódico Centro Oeste, famosa publicação que congregava grande número de fãs ferroviávios, repetidas vezes comunicaram a falta de locomotivas elétricas para tracionar os trens que circulavam nessa ferrovia, principalmente as composições de passageiros, que dependiam da potência e velocidade dessas máquinas. Era um claro sintoma de que a disponibilidade da frota já era precária, o que certamente era devido à sua idade avançada (entre 30 e 40 anos) e ao comprometimento da manutenção em função das restrições econômicas típicas da apatia que assolou as empresas estatais ao longo da primeira metade da década de 1990, quando estavam à espera da privatização.
Finalmente a E.F. Santos a Jundiaí foi privatizada em 1996, tendo sido incorporada, junto com a
Ferrovia do Aço e as linhas de bitola larga da E.F. Central do Brasil a uma nova empresa, denominada MRS Logística. Uma das primeiras providências que foram tomadas pelos novos controladores foi abandonar completamente as locomotivas elétricas ainda em funcionamento nas antigas linhas da Santos a Jundiaí, com exceção do trecho de cremalheira entre Raiz da Serra e Paranapiacaba, que usam locomotivas elétricas especiais. Felizmente as instalações físicas da eletrificação foram mantidas, uma vez que elas são necessárias para se manter rodando os trens unidades elétricos que fazem o tráfego suburbano, que desde 1994 se encontram sob administração da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - C.P.T.M.. Esta empresa, constituída pelo Estado de São Paulo, assumiu os serviços de trens suburbanos da C.B.T.U. e das Ferrovias Paulistas - FEPASA na Grande São Paulo. As composições de passageiros da FEPASA que ainda circulavam entre Jundiaí e São Paulo também continuaram sendo tracionados pelas suas próprias locomotivas elétricas graças à manutenção dessas catenárias, até a extinção desses trens no fim de 1998. O site
Railways in the São Paulo Area of Brazil relata que locomotivas elétricas da FEPASA - na verdade, antigas V8 da Companhia Paulista - ainda tracionavam alguns trens de carga em 1997.
As locomotivas elétricas da antiga E.F. Santos a Jundiaí estão abandonadas nos
pátios da Água Branca e Lapa há vários anos. Os T.U.E.s Mafersa para médio percurso, construídos no início da década de 1970, foram encostados no pátio do Pari após o inexplicável término do serviço de passageiros entre São Paulo-Santos e São Paulo-Campinas, rotas que teriam um enorme movimento caso o serviço fosse pontual e confiável. Lamentavelmente essas composições foram gravemente danificados por vândalos dado o total abandono que se encontram. Em meados de 2000 várias delas foram leiloadas como sucata; em maio de 2001 conseguiu-se documentar o desmonte de uma Pimentinha no pátio da estação de Água Branca. Há rumores sobre a preservação estática de três unidades dessa locomotiva, mas nada foi confirmado até o momento.
Enfim, pode-se observar que o destino do sistema de eletrificação da E.F. Santos a Jundiaí não foi tão amargo quanto o verificado para outras ferrovias. A necessidade da operação de trens suburbanos e as características peculiares do trecho de cremalheira na Serra do Mar foram os fatores que evitaram sua extinção total. Aliás, esse trecho de cremalheira é um dos poucos onde ainda há transporte ferroviário de cargas usando locomotivas elétricas no Brasil, tendo sido registrado em janeiro de 2002 que ainda estão funcionando nove locomotivas elétricas e duas diesel-elétricas na Serra do Mar. Ainda assim, é uma pena que ele não possa ser melhor aproveitado, tanto para o transporte de cargas como também de passageiros em rotas metropolitanas entre Santos e Campinas.
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Última Atualização: 10.03.2003
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Webmaster: Antonio Augusto Gorni
Ano
Numeração
Rodagem
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Fabricante
Peso
[t]
Comprimento
[m]
Diâmetro
Rodas
Motrizes
[mm]
Diâmetro
Rodas
Guia
[mm]
Tração Múltipla
1949-1955 1000-1015 C+C 2400 English Electric 127 20,701 1219 - Sim
Ano
Potência
[HP]
Fabricante
Configuração Básica
Comprimento
[m]
Velocidade Máxima
[km/h]
Aceleração Máxima
[m/s2]
Capacidade
1957 1200 Budd/G.E. M+R+R 25,907 100 0,5 1200 por TUE
Ano
Numeração
Rodagem
Potência
[HP]
Fabricante
Peso
[t]
Comprimento
[m]
Diâmetro
Rodas
Motrizes
[mm]
Diâmetro
Rodas
Guia
[mm]
Tração Múltipla
1972
1979
19902001-2008
2009-2012
9042-9043B-B 3780 Hitachi 86,5 15,800 1120 - Sim
- Referências Consultadas