Por outro lado, tal situação deixou as ferrovias à mercê das vicissitudes típicas das commodities agrárias: esgotamento de terras, ocorrências de pragas e geadas, flutuações de cotações... E, de fato, não deu outra: o grande baque promovido pelo crack de 1929 foi um duro golpe tanto para a cultura cafeeira como para as ferrovias que a serviam. Sua substituição por outras culturas, que geravam menor volume para transporte ou não eram tão atraentes do ponto de vista exportador, também colaborou para a decadência ferroviária que então se iniciava, solapada pela insidiosa concorrência rodoviária.
Outra conseqüência prejudicial dessa forma de expansão ferroviária foi a falta de uma rede ferroviária realmente nacional, prejudicando a integração entre as diversas regiões e impedindo a criação de sinergias econômicas que alavancassem o progresso do país. Essa deficiência revelou-se de maneira particularmente forte durante a II Guerra Mundial, quando o sudeste e sul brasileiros ficaram virtualmente isolados das regiões norte e nordeste, uma vez que a única comunicação possível entre eles, a navegação de cabotagem, estava ameaçada pelos submarinos alemães.
Contudo, o Brasil não era só café, embora aparentemente os brasileiros não soubessem disso. No início do século XX foram descobertas enormes jazidas de minério de ferro em Minas Gerais, material estratégico para um mundo que estava se industrializando de forma muito rápida. O problema era conseguir investimento para instalar equipamentos de lavra, ferrovias e portos em escala suficientemente grande para processar e transportar essa matéria prima de forma econômica. Afinal, apesar de toda sua importância, o preço do minério de ferro é muito baixo e é necessário que os custos de extração e transporte a ele agregados sejam muito pequenos para que ele mantenha sua competitividade, principalmente no mercado exportador. E o Brasil do início do século XX não tinha recursos nem tecnologia para construir sozinho toda a estrutura necessária.
Foram necessários quarenta anos para que fossem desatados todos os nós que prendiam o desenvolvimento da extração do minério de ferro no país. A partir de 1940, sob a ameaça da II Guerra Mundial, finalmente foram conseguidos os investimentos estrangeiros necessários para a extração, transporte e embarque desse insumo. A E.F. Vitória-Minas, entre Nova Era e o porto de Vitória se especializou no transporte desse insumo, enquanto que a Central do Brasil teve no minério de ferro a oportunidade de reverter a tendência declinante de volume transportado que já se verificava na sua Linha do Centro, entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro.
As sucessivas melhorias efetuadas na Linha do Centro entre 1940 e 1970 não pareciam ser suficientes para atender à futura demanda de transporte de minério de ferro entre a região de Belo Horizonte e o porto do Rio de Janeiro, ao menos na opinião do governo militar da época. Por essa razão, em 1973 aproveitou-se um projeto de ligação ferroviária entre São Paulo e Belo Horizonte - uma das maiores pendências dentro de uma rede ferroviária nacional realmente integrada - para incluir um ramal entre Jeceaba e Volta Redonda. Esse ramal recebeu o nome de Ferrovia do Aço, cuja construção começaria dali a dois anos, enquanto se abandonava o plano original de ligação entre as duas capitais brasileiras.
Infelizmente a nova obra foi planejada açodadamente, sem o cuidado e reflexão necessários. Era a época do Brasil Grande, onde qualquer opinião discordante ao governo era considerada impatriótica e silenciada por uma censura poderosa. A tentação da realização de mais uma obra faraônica venceu o bom senso. Quando finalmente se constataram os enormes custos necessários para a realização das obras da Ferrovia do Aço, em decorrência da região de relevo altamente acidentado que ela iria atravessar, os compromissos para sua construção já haviam sido assumidos e não havia como se retornar.
Finalmente, após 14 anos de construção - mais de cinco vezes o prazo inicialmente previsto - a Ferrovia do Aço foi inaugurada, ainda que sem contar com vários dos recursos originalmente previstos. O pior problema foi a supressão de sua eletrificação, que deixou abandonados milhões de dólares em equipamentos elétricos. Além disso, obrigou que as composições que a percorressem fossem tracionadas por locomotivas diesel-elétricas, inadequadas para percorrer trechos que incluíam túneis com vários quilômetros de extensão e sem ventilação adequada, já que seu projeto original previa o uso de locomotivas elétricas. Mas, ao menos, a ferrovia tornou-se operacional, evitando-se um prejuízo completo ao país.
Felizmente nem todos os projetos brasileiros ligados à extração de minério de ferro foram tão conturbados quando a Ferrovia do Aço. A Companhia Vale do Rio Doce, além de ter tido a sorte de atravessar terreno menos acidentado, também sempre teve a prudência de executar os planos de expansão da sua E.F. Vitória Minas a longo prazo, dentro de perspectivas realistas. Em 1984 a mesma empresa iniciou a extração de minério de ferro em sua província mineral de Carajás, no estado do Pará. Na época iniciou-se o tráfego na E.F. Carajás, outra ferrovia de grande capacidade de transporte especializada em minério de ferro.
1908-1940: Ferrovias e Minérios - Um Longo Namoro
A exploração das gigantescas jazidas de minério de ferro de alto teor do chamado Quadrilátero Ferrífero, no estado de Minas Gerais, era uma grande ambição do país no início do século XX, mas não haviam recursos para se implantar toda a estrutura necessária, inclusive as ferrovias de grande capacidade que se faziam necessárias.
As primeiras tentativas para se explorar o minério de ferro da região de Itabira datam de 1908, através da iniciativa de um grupo inglês, o Brazilian Hematite Syndicate, que pretendia aproveitar a recém-construída E.F. Vitória-Minas para transportar o minério até o porto de Vitória. O empreendimento previa a reconstrução dessa linha ferroviária dentro de padrões mais rigorosos para permitir um transporte seguro das vastas quantidades de minério desejadas, bem como sua extensão até Itabira. O curioso é que também se propunha a eletrificação dessa ferrovia, aproveitando-se o grande potencial hidrelétrico do rio Doce e seus afluentes.
Em 1910 o Brazilian Hematite Syndicate adquiriu o controle acionário da então Companhia Estrada de Ferro Vitória Minas, sendo então iniciados os planos para modernização e eletrificação da ferrovia. Previa-se o transporte de 3.000.000 de toneladas de minério de ferro anuais, que seria feito com trens de 12 vagões, cada um com 40 toneladas, tracionados por locomotivas elétricas de 2.000 HP. Cada locomotiva seria composta de duas unidades acopladas de forma permanente, cada uma com três eixos conjugados. Estava prevista a compra de 40 locomotivas e 432 vagões. O projeto de eletrificação da ferrovia foi encomendado à firma inglesa Dick, Kerr & Company, sendo orçado em 3,64 milhões de libras esterlinas.
As negociações progrediram de maneira tão favorável que os trabalhos da eletrificação foram inaugurados de forma açodada, a 28 de julho de 1910 - nem haviam chegado ainda os materiais e equipamentos encomendados aos fornecedores! O próprio presidente da República, Nilo Peçanha, compareceu à solenidade. O Brazilian Hematite Syndicate associou-se com banqueiros ingleses, transformando-se então na Itabira Iron Ore Company, que se estabeleceu no Brasil em junho de 1911.
Tudo ia de vento em popa, mas o que seria a primeira eletrificação numa ferrovia de primeira linha no Brasil acabou sendo abortada por um problema inesperado. Na época a legislação brasileira impunha que a exportação de minério também tinha de ser aprovada pelo governo de Minas Gerais, que exigiu o pagamento de uma quantia adiantada por conta de fretes futuros. A Itabira Iron recusou-se a fazer esse pagamento e paralisou as obras na ferrovia, inclusive as da eletrificação. As obras na via permanente eventualmente continuaram, ainda que em ritmo lento, mas não mais se falou sobre sua eletrificação, desconhecendo-se também qual o destino dado ao material que havia sido encomendado...
Como se vê, a incompatibilidade entre eletrificação e ferrovias brasileiras para transporte de minério de ferro vem de longe! Se este empreendimento tivesse vingado, o papel de destaque que o minério de ferro tem hoje no panorama ferroviário nacional já teria ocorrido em pleno Ciclo do Café...
No governo de Epitácio Pessoa, em 1920, foram renegociadas as condições para exploração do minério de ferro brasileiro pela Itabira Iron Corporation. O novo contrato provocou enorme divisão na opinião pública, pois os termos do contrato impunham que a empresa teria ferrovia e portos privativos, além de ser dispensada de pagar impostos por 60 anos. Além disso, outros grupos estrangeiros, que pretendiam explorar as reservas de minério de ferro na região de Conselheiro Lafaiete e Sabará, não viam com bons olhos o monopólio de transporte que a Itabira Iron tinha. O próximo presidente, Arthur Bernardes, cancelou o contrato, tachando-o de entreguista. Sucederam-se várias negociações e acordos por anos e anos sem que se pudesse criar condições para uma efetiva retomada das obras. Em 1937 o advento da ditadura de Getúlio Vargas criou um sério problema para a Itabira Iron: a constituição outorgada logo no início desse período autoritário impedia a exploração de riquezas minerais brasileiras por empresas estrangeiras.
Como se vê, a exploração intensiva do minério de ferro brasileiro foi atrasada por várias décadas em função desse conflito entre a Itabira Iron e os governos federal e mineiro. Mas, ainda assim, esse insumo passou a ocupar uma fração significativa e crescente da capacidade de transporte da E.F. Central do Brasil. Seu crescimento começou a se tornar significativo a partir de 1935, atingindo em 1938 volume superior a 2.000 toneladas diárias proveniente das minas do vale do Paraopeba, também no estado de Minas Gerais. Na verdade, era um novo e bom cliente para a ferrovia, e que vinha bem a calhar, uma vez que a concorrência rodoviária, que ainda era incipiente, já vinha causando uma perda significativa no volume dos fretes da Central. Afinal, minério de ferro não é perecível e seu manuseio é bastante fácil. O único problema era dar conta do enorme volume a ser transportado. Isso era um problema particularmente sério no caso da Central do Brasil, uma vez que a linha entre o Rio de Janeiro e o vale do Paraopeba, nas imediações de Belo Horizonte, apresentava um perfil bastante inadequado, com curvas de pequeno raio e trechos com declividade acentuada, pois atravessava uma região de revelo muito difícil. Já a E.F. Vitória-Minas contornou esse problema fazendo com que sua linha acompanhasse os vales do Rio Piracicaba e Doce, o que permitiu enfrentar regiões com relevo menos crítico.
A solução para a Itabira Iron foi se transformar numa nova empresa, constituída de acordo com a legislação então vigente, que veio a se chamar Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia - CBMS. A deflagração da II Guerra Mundial contribuiu decisivamente para romper esse impasse. O minério de ferro brasileiro passava a ser necessário para o tremendo esforço de guerra dos aliados, o que favoreceu as negociações para se implantar toda a estrutura necessária para sua exploração.Já em 1940 a CBMS negociou boa parte de sua produção com siderúrgicas americanas, iniciando finalmente a exploração do minério de ferro no pico do Cauê, o qual passou a ser exportado pelo porto de Vitória através da E.F. Vitória Minas.
A entrada do Brasil no conflito mundial propiciou condições para se conseguir diversos recursos fundamentais para a infraestrutura brasileira. Os Acordos de Washington, assinados a 3 de março de 1942 pelos governos do Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, permitiram a nacionalização dos bens da Itabira Iron. O Brasil, em contrapartida, criou uma empresa para continuar a exploração do minério de ferro, a Companhia Vale do Rio Doce, bem como construir toda a estrutura necessária para exportar no mínimo 1,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Outra concessão prevista nesse acordo foi a constituição da Companhia Siderúrgica Nacional, a primeira usina siderúrgica integrada do país, em Volta Redonda (RJ).
O advento dessa siderúrgica foi outro fator que aumentou a motivação para a exploração do minério de ferro. Além disso, os enormes volumes de movimentação de matérias primas e produtos acabados que ela criou exerceram uma grande pressão sobre as ferrovias da região, como a E.F. Central do Brasil, a antiga E.F. Oeste de Minas e Rede Mineira de Viação, que tiveram de investir na expansão da capacidade de suas linhas. Outra ferrovia que ganhou grande impulso com o advento da Grande Siderurgia no Brasil foi a E.F. Dona Teresa Cristina, no estado de Santa Catarina, que foi encampada pelo Governo Federal em 1943 justamente para ser capacitada a atender ao enorme aumento de demanda de carvão que estava previsto. É curioso notar que cogitou-se em eletrificar essa ferrovia nessa época. O pré-projeto, divulgado em 1945, previa a eletrificação de um total de 211 quilômetros de linha, com alimentação feita por três subestações. Dez locomotivas elétricas - com cabine dupla, rodagem 0-6-6-0, 66 t de peso e potência de 900 HP unihorários - circulariam por essas linhas. O que chama a atenção aqui é que combustível nunca foi problema na E.F. Dona Teresa Cristina, que servia a região carbonífera de Santa Catarina. Logo, não havia a mesma premência que fez com que parte das ferrovias do Sudeste Brasileiro se eletrificassem, em função da elevação acentuada dos preços do carvão mineral e vegetal. A justificativa para a eletrificação da Teresa Cristina estava baseada no aproveitamento dos refugos oriundos da lavagem do carvão. Essa operação se fazia necessária para tornar o carvão nacional mais adequado - ou menos inadequado - para uso siderúrgico, pois continham um alto teor de cinzas e enxofre. Esses refugos seriam queimados numa termelétrica que seria localizada em Capivari e que geraria energia elétrica não só para a ferrovia como para a região em seu redor. De toda forma, esse projeto não foi concretizado; muito provavelmente foi considerado como sendo um investimento grande demais considerando-se a abundância de carvão na região.
1940-1973: Reaparelhando a Linha do Centro
Mas foi a Central do Brasil que sofreu o maior impacto em termos de volume de tráfego ferroviário decorrente da construção da usina de Volta Redonda. Agora a havia não só o tráfego de exportação de minério entre Belo Horizonte e Rio, como também seu transporte para Volta Redonda, via Barra do Piraí, bem como o transporte de carvão proveniente do porto do Rio de Janeiro até a usina siderúrgica. Por esse motivo foram realizadas várias obras para melhorar o perfil e as condições de tráfego na chamada Linha do Centro, que ligava Barra do Piraí a Belo Horizonte. Essa era um trecho de perfil bastante difícil, dado o relevo muito irregular da região. Essas obras lograram aumentar a capacidade do trecho de 600.000 toneladas anuais em 1938 para 3.000.000 em 1954. A implantação da tração diesel-elétrica, bem como a eletrificação entre Barra do Piraí e Rio de Janeiro, ajudaram a cumprir essas novas metas de tráfego.
Ainda assim a Central do Brasil vivia assosserbada com o congestionamento de suas linhas com o volume crescente de minério. Em 1956 desejavasse exportar 2.000.000 de toneladas de minério de ferro através do porto do Rio de Janeiro, mas a Central do Brasil não tinha condições de transportar esse volume. A Rede Mineira de Viação propôs então uma solução de emergência, que basicamente consistia na eletrificação e melhoria da via permanente de sua linha entre Barra Mansa e Angra dos Reis, da antiga E.F. Oeste de Minas, bem como o reaparelhamento do porto existente nessa localidade. O objetivo era permitir o transporte de 1.000.000 toneladas anuais de minério entre Barra Mansa e Angra dos Reis e, no retorno, 700.000 toneladas anuais de carvão para a usina siderúrgica de Volta Redonda. Isso desafogaria não só o porto do Rio de Janeiro como o trecho entre Barra do Piraí e a Baixada Fluminense.
Como se sabe, este foi mais um projeto ferroviário que ficou no papel, algo que ocorreria com desanimadora freqüência a partir da década de 1950. Mais uma vez eletrificação ferroviária e transporte de minério de ferro não se juntaram... Mas o interessante esse mesmo projeto incluía uma proposta para resolver definitivamente o problema do crescimento vigoroso e constante do volume de minério de ferro para exportação que era transportado do vale do Paraopeba para o porto do Rio de Janeiro, conforme escreveu na época o eng° Dermeval José Pimenta:
Em uma das reuniões realizadas pela Comissão designada pelo senhor Ministro da Viação, para fazer o estudo da questão da exportação do minério de ferro, pelo porto do Rio de Janeiro, tivemos oportunidade de declarar que o ponto de vista que a Rede Mineira de Viação vem sustentando, de há muito, é o de que a solução definitiva do problema da exportação do minério de ferro, em larga escala, procedente da zona do Vale do Paraopeba, no Centro de Minas Gerais, está na dependência da construção de uma via especializada de transporte que, partindo da estação de Jeceaba, da Central do Brasil, naquele vale, passe pelas imediações de São João del Rey e Andrelândia e prossiga até o porto de Angra dos Reis, onde será construído, na baía da Ribeira, um cais especializado, com 12 metros de profundidade, para o embarque de minério e desembarque de carvão.
Essa via especializada, construída pra o transporte de matérias primas, virá não só abastecer de minério de ferro, manganês, calcário e carvão as usinas siderúrgicas situadas no Vale do Paraíba e na Capital de São paulo, mas permitirá também que, pela via Angra dos Reis, o minério de ferro seja encaminhado para futuras usinas situadas no litoral sul do país, além de atender ao seu maior objetivo, que é o de promover a exportação de alguns milhões de toneladas de minério de ferro, sem prejudicar o transporte de outras mercadorias da zona compreendida entre Belo Horizonte, Rio e São Paulo, servidas pela Central do Brasil e pela Rede Mineira e Viação. Essa questão já foi por nós abordada em uma palestra que pronunciamos no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. |
A proposta termina com a seguinte recomendação:
Realizar, quanto antes, o estudo de uma estrada de ferro industrial, para o transporte de minério destinado à exportação, em quantidade não inferior a 10.000.000 toneladas anuais, escolhendo-se e aparelhando um porto capaz de atender a esse movimento. |
Como se pode observar, esta deve ter sido uma das primeiras propostas do projeto que receberia a denominação de Ferrovia do Aço no início da década de 1970!
Em 1965 foi inaugurado o alto-forno da Companhia Siderúrgica Paulista - COSIPA que, na época, era o maior do mundo. Isso aumentou a demanda de transporte de minério na Central do Brasil, não só na Linha do Centro como também no chamado Ramal de São Paulo. No ano seguinte essa ferrovia iniciou o desenvolvimento do chamado Projeto Águas Claras, visando a exploração do minério de ferro existente nessa região, pertencente à MBR - Minerações Brasileiras Reunidas. A idéia era capacitar o país para exportar 12 milhões de toneladas desse insumo por ano, e, em estágios posteriores, 15 e 20 milhões de toneladas, através do novo porto de Sepetiba. Para tanto era necessário investir na construção de ramais complementares e capacitar as vias já existentes. Foram construídos um ramal de 22 quilômetros entre Ibirité e a mina de Águas Claras e uma variante entre Japeri e Brisamar, além da remodelação da Linha do Centro entre Japeri e Ibirité e do ramal de Mangaratiba entre Brisamar e a ponta de Santo Antonio. O ramal entre Ibirité e Águas Claras apresentava várias obras de arte, pois havia uma diferença de nível de 310 metros entre as duas estações e era atravessado terreno montanhoso. Em termos de material rodante foram adquiridos oitenta locomotivas GE U23C e 1340 vagões gôndola, o que requereu um investimento total da ordem de 130 milhões de dólares. As obras se iniciaram a 2 de julho de 1972 e foram inauguradas pouco mais de um ano depois, em 8 de agosto de 1973. O grande aumento no movimento de trens de minério pela Linha do Centro causou seu congestionamento e vários acidentes, inclusive com o trem de passageiros Vera Cruz, que acabou senso suprimido várias vezes ao longo da década de 1970, sendo descontinuado a partir de setembro de 1976. A meta principal da ferrovia agora era aumentar cada vez mais a capacidade de transporte de minério de ferro pela linha, pois se tratava de sua atividade mais rentável, com o menor custo em termos de tonelagem unitária por quilômetro. De fato, em 1972 foram transportadas 5.120.000 toneladas de minério de ferro, correspondendo a 52% do total transportado; em 1980 o volume aumentou para 21.578.000, passando a corresponder a 71%... Nesse mesmo ano o Vera Cruz voltou a circular, mas só aos fins de semana.
1973-1989: A Ferrovia dos 5.098 Dias
No início da década de 1970, a mesma época em que o projeto Águas Claras estava sendo executado, foi feito um estudo preliminar pelo consórcio Transcon/Engevix para o estabelecimento de uma ligação ferroviária moderna entre Belo Horizonte e São Paulo. Os resultados desse estudo foram publicados com estardalhaço pela imprensa em maio de 1973, recebendo então o nome de Ferrovia do Aço. Essa futura ligação teria um ramal que, partindo de Itutinga, alcançaria Volta Redonda. Essa linha, além estabelecer uma ligação ferroviária direta entre duas das principais capitais do país, desafogaria a Linha do Centro, pois passaria a escoar o minério requerido pela COSIPA e pela Companhia Siderúrgica Nacional, bem como poderia assumir parte do volume destinado à exportação. Os padrões técnicos dessa ligação, num total de 834 quilômetros, eram de Primeiro Mundo: via dupla, raio mínimo de 900 m, rampa máxima de 1% e eletrificação com corrente alternada a 25 kV, 60 Hz. O trem tipo teria 100 vagões tracionados por quatro locomotivas em tração múltipla, teria comprimento de um quilômetro e pesaria 12.000 t. O custo do projeto também era impressionante: 1,1 bilhões de dólares.
A Ferrovia do Aço nada mais era do que a concretização do velho projeto de uma linha especializada para transporte de minério de ferro que a Rede Mineira de Viação já havia recomendado em 1956. O ponto de partida, por sinal, era o mesmo: Jeceaba. Só o destino do minério a ser exportado é que havia sido modificado. O projeto original da R.M.V. recomendava que a linha se estendesse até um novo porto a ser construído em Angra dos Reis. Contudo, o porto de Sepetiba havia acabado de ser implantado como terminal especializado na exportação massiva de minério de ferro dentro do projetos Águas Claras. Dessa forma ele acabou se tornando o destino lógico das composições que percorreriam o novo ramal: de Saudade os trens provenientes da Ferrovia do Aço tomariam o ramal de São Paulo da Central do Brasil rumo à Barra do Piraí, desceriam a Serra do Mar até Japeri e de lá seguiriam para Sepetiba pela variante Japeri-Brisamar.
Apesar de gigantesco, o projeto até era justificável considerando-se o impressionante desempenho econômico do Brasil no início da década de 1970, a famosa era do Milagre Brasileiro. A economia crescera a taxas superiores a 10% anuais entre 1968 e 1974 e imaginava-se que ia manter um crescimento não inferior a 8% até 1980. A demanda de transporte em termos de tku na região servida pela Linha do Centro (Superintendência Regional SR-3 da R.F.F.S.A.) crescera a 29,5% ao ano no quadriênio 1973-1976. Essa evolução fez com que o Governo Federal temesse pelo estrangulamento da oferta de transporte de minério de ferro, ameaçando o abastecimento das usinas siderúrgicas do sudeste do país e o cumprimento dos compromissos assumidos com a exportação dessa matéria-prima.
Vários meses se passaram entre esse primeiro anúncio e as ações efetivas. Durante esse período decidiu-se cancelar a construção do trecho entre Itutinga e São Paulo, já que o ramal de São Paulo da Central do Brasil tinha capacidade ociosa entre Volta Redonda e a capital bandeirante. Apenas em outubro de 1974 foram iniciadas as obras no trecho entre Belo Horizonte e Jeceaba. A 14 de março de 1975 era assinado um dos maiores contratos da época entre a ENGEFER - Engenharia Ferroviária S.A. e 25 empresas da área ferroviária, no valor de 9,42 milhões de cruzeiros, envolvendo o desenvolvimento dos projetos finais de engenharia e a construção do primeiro trecho da Ferrovia do Aço: Belo Horizonte-Itutinga-Saudade. A ENGEFER era uma empresa estatal, ligada à R.F.F.S.A., incumbida de administrar a construção da Ferrovia do Aço. O início das obras nos demais trechos ocorreu a 30 de abril do mesmo ano, mesmo sem se dispor dos projetos definitivos a serem executados. E, mesmo assim, o governo apelidou a obra de Ferrovia dos Mil Dias, uma vez que as obras deveriam ficar prontas dentro desse prazo.
Poucas combinações poderiam ser mais indigestas: falta de um projeto definitivo, prazo exíguo e o difícil relevo da região que seria percorrida por essa ferrovia. Talvez o fato de nunca ter havido anteriormente uma ligação ferroviária direta entre São Paulo e Belo Horizonte se deva justamente por esse fato. A E.F. Oeste de Minas, que atravessa a região em questão, tinha graves dificuldades operacionais por conta de seu relevo irregular, o que acabou levando à eletrificação de seus piores trechos para se manter economicamente viável. E a Central do Brasil havia acabado por passar por experiência semelhante na construção de seu ramal entre Ibirité e Águas Claras... Mas, na época, a férrea censura - e outros instrumentos mais intimidatórios - inviabilizavam uma discussão ampla e séria das questões nacionais.
Pode-se ter uma idéia do relevo irregular da região a ser atravessada pela Ferrovia do Aço analisando-se as altitudes das diversas cidades que ela ligaria. A ferrovia se iniciaria em Belo Horizonte, a 800 metros acima do nível do mar, atingiria altitude de 1027 m e depois baixaria a 900 m ao chegar à Jeceaba, a 900 m. Itutinga, a seguir, se localiza a 1.000 m acima do mar. Mais ao sul se encontra o ponto culminante da ferrovia, em Bom Jardim de Minas, a 1.124 m. A partir daí se inicia uma longa descida até Volta Redonda, a 400 m de altitude. Para se vencer todos esses acidentes estavam previstos setenta túneis, com extensão total de 50 quilômetros, sendo que o maior deles - que foi posteriormente apelidado de Tunelão - media 8,7 km. Além disso, ela também previa 92 pontes e viadutos, num total de 30 quilômetros de extensão. Todas essas obras de arte correspondiam a 25% da extensão total do trecho.
Foi a primeira vez que o padrão de eletrificação de 25 kV em corrente alternada foi selecionado para uma ferrovia brasileira. Era um claro avanço em relação ao padrão de 3 kV em corrente contínua que havia sido usado pioneiramente pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro na década de 1920, mas que já havia sido superado pelo avanço tecnológico do setor ao longo dos mais de cinqüenta anos que haviam decorrido desde então. O mesmo padrão de eletrificação também seria proposto para a eletrificação de outra obra contemporânea, o Corredor de Exportação Santos-Uberaba da Ferrovia Paulista S.A. - FEPASA, mas posteriormente ele seria recusado em favor do sistema antigo. Lamentavelmente acabaram sendo duas oportunidades perdidas para se implantar esse novo padrão.
A eletrificação na Ferrovia do Aço tomou como base o projeto da linha Sishen-Saldanha, na África do Sul, que também era destinada ao transporte massivo de minério de ferro. Na verdade, ao longo da década de 1970 esse país ganhou grande experiência na operação e eletrificação de linhas ferroviárias de grande capacidade para o transporte de minérios usando corrente alternada de alta voltagem. No início da década de 1970 foi implantada a primeira eletrificação nesse novo padrão, numa ferrovia de alta capacidade para transporte de carvão para exportação, que ligava Ermelo, localidade localizada no Transvaal, a leste de Johannesburg, até o porto de Richards Bay na província de Natal, às margens do Oceano Índico. Sua eletrificação foi feita com corrente alternada, 25 kV/50 Hz, usando locomotivas elétricas G.E.C. 7E para tracionar as composições. Em 1980 trafegavam nessa ferrovia 14 trens diários carregados, sete dias por semana, cada um com 84 vagões com peso bruto de 4500 toneladas; testes envolvendo composições de até 184 vagões, com 2,4 quilômetros de comprimento, também tinham sido bem sucedidos.
O desempenho da ferrovia entre Sishen e Saldanha era ainda mais impressionante. Essa linha, inaugurada em 1977, tem 859 quilômetros de extensão, une as jazidas de ferro de Sishen, a oeste de Johannesburg, até o porto de águas profundas em Saldanha Bay, a noroeste da Cidade do Cabo. Ela foi construída pela ISCOR - South African Iron & Steel Industrial Corporation entre 11 de novembro de 1974 e terminada em 28 de abril de 1976. Os primeiros trens começaram a circular em 7 de maio de 1976, usando tração diesel, geralmente cinco locomotivas diesel-elétricas G.E. U26C em tração múltipla. A ferrovia foi transferida para a South African Railways - conhecida agora como Spoornet - em 1° de abril de 1977. Esta ferrovia foi eletrificada em decorrência da primeira crise do petróleo, que aumentou os preços desse combustível de forma exorbitante e instabilizou sua disponibilidade. Sua eletrificação, somente implantada em meados de 1978, adotou um padrão de corrente pouco comum, 50 kV/50 Hz, que alimentam locomotivas elétricas C-C G.E.C. 9E de 5070 HP, fabricadas na África do Sul pela Union Carriage & Wagon Company (Pty) Ltd., com equipamentos elétricos fornecidos pela empresa britânica G.E.C. - General Electric Company. Foram fornecidas 17 unidades desse tipo, as mais poderosas do mundo em bitola de 1.152 mm. Seu peso é de 168 toneladas, com comprimento de 20 metros, controle de velocidade por tirístores e frenagem dinâmica conseguida através de quatro resistências, capaz de dissipar 5525 HP durante longas descidas. Os trens-tipo que circulam nessa ferrovia apresentam 200 vagões de quatro eixos, que conduzem 17.000 toneladas de minério, totalizando um peso bruto de 20.000 toneladas; eles circulam a velocidades de até 72 km/h tracionados por três locomotivas G.E.C. 9E em tração múltipla.
A eletrificação era considerada vital para a Ferrovia do Aço por várias razões. Em primeiro lugar, em função da alta velocidade planejada para as composições carregadas, da ordem de 60 km/h, a ser imposta numa região de relevo bastante acidentado para se manter a capacidade de carga da linha. Outro problema era a grande quantidade de túneis de grande comprimento que estavam previstos em seu traçado, onde o uso de locomotivas diesel não era recomendado, a menos que eles fossem dotados de caros sistemas de exaustão dos gases liberados pelas máquinas durante sua passagem. Finalmente, a economia de petróleo havia se tornado uma obsessão do governo brasileiro da época, em função de seu preço cada vez mais elevado e disponibilidade duvidosa.
É curioso notar que nessa mesma época a E.F. Vitória-Minas também estava considerando eletrificar suas linhas, mais de sessenta anos após a primeira tentativa nesse sentido... Lá o problema não era tanto o relevo da região que atravessava, mas, provavelmente, a política governamental de racionalização dos derivados de petróleo. Chegaram a ser feitos estudos técnicos detalhados entre 1975 e 1978, sendo o projeto orçado entre 400 e 450 milhões de dólares. Um dos estudos, efetuados pela CIE - Internacional de Engenharia e IECO International Engineering Co. contemplava a eletrificação em 25 kV ou 50 kV, corrente alternada, do trecho entre Vitória e Itabira. Mas a idéia não foi levada adiante, uma vez que na época essa ferrovia estava dando prioridade para a duplicação de sua via permanente e não havia fundos suficientes para uma eletrificação simultânea. A idéia foi adiada e posteriormente esquecida.
As locomotivas escolhidas para trafegar na Ferrovia do Aço se baseavam no modelo 9E fornecido pela G.E.C. Traction Ltd. para o projeto da South African Railways para a linha Sishen-Saldanha, com a diferença que estas máquinas trabalhavam com tensão de 50 kV, enquanto que as destinadas para o Brasil usariam 25 kV. Elas teriam 4.700 HP de potência em regime contínuo, esforço de tração contínuo de 65,2 kN e máximo de 97,1 kN, comprimento de 21.100 mm e 180 toneladas de peso. O controle de potência era feito através de tiristores. Elas tinham um sistema de freio dinâmico capaz de dissipar 4 MW de energia através de reostatos resfriados através de ar forçado; os cálculos indicaram que um eventual aumento de temperatura no interior dos túneis decorrente desse processo seria aceitável.
A empresa inglesa G.E.C. Traction Ltd. forneceu equipamentos elétricos para a construção de 35 unidades, a qual seria feita pela planta da Equipamentos Villares em Araraquara (SP); a caldeiraria e parte estrutural seria feita com materiais brasileiros. A capacidade original da linha era de 28 pares de trens diários, levando um máximo de 7.000 toneladas no sentido importação, resultando num volume anual superior a 50 milhões de toneladas. Acreditava-se que o movimento inicial da linha seria da ordem de 24 milhões de toneladas. As velocidades máximas dos trens seriam de 80 km/h e 60 km/h, respectivamente para composições vazias e carregadas, exceto nos trechos com declividade acentuada. As composições seriam tracionadas por quatro locomotivas elétricas de Jeceaba a Bom Jardim, devido à diferença de nível entre essas localidades, originando fortes aclives; entre Bom Jardim e Saudade seriam necessárias apenas três máquinas.
A alimentação das locomotivas elétricas que circulariam pela Ferrovia do Aço seria feita através de onze subestações distantes entre si de 30 a 35 quilômetros. Cada uma delas seria alimentada por linhas duplas de 138 kV para dois transformadores de 32 MVA. As linhas alimentadoras de 25 kV para as catenárias da via permanente seriam controladas por fusíveis a vácuo. Os circuitos seccionadores ao longo da via permitiam que, em caso de uma falha numa subestação, o suprimento de energia continuaria a partir de uma das unidades adjacentes a ela. O intervalo normal de circulação entre os trens foi estabelecido em 50 minutos; contudo, o sistema tinha potência suficiente para permitir que esse intervalo fosse reduzido para 10 minutos. Isso era especialmente útil para a retomada do tráfego das composições após interrupções inesperadas na linha.
Uma vez que não havia muitas linhas de transmissão na região cortada pela Ferrovia do Aço foi decidido que as subestações teriam apenas três pontos de conexão com a malha pública de energia elétrica, localizados em Saudade, Itutinga e Lafaiete. A partir daí ela seria distribuída por linhas de transmissão próprias usando circuito duplo de 138 kV ao longo de uma distância de 150 km. A implantação dessas linhas de 138 kV, totalizando 450 km, acoplada com um fornecimento público de energia relativamente fraco, exigiu um estudo para se verificar se as cargas monofásicas de tração e a distorção harmônica causada pelas locomotivas controladas por tiristores não degradariam as características da energia elétrica proporcionada pela fonte primária.
As linhas de contato foram projetadas e fornecidas pela Balfour Beatty Power Construction Co Ltd., dentro do contrato firmado com a GEC. Ela foi dimensionada para proporcionar uma corrente contínua de 760 A, sendo que nas áreas de tráfego pesado ela podia ser aumentada de 1250 A através da adição de cabo alimentador isolado sustentado pelos postes de concreto que sustentavam as catenárias. A corrente extraída por quatro locomotivas em tração múltipla podia alcançar 1100 A, o que causaria grande queda na voltagem quando os trens estivessem distantes das subestações alimentadoras. Isso fez com que a configuração das linhas de contato tivesse seus cabos alimentadores e de terra configurados de forma a minimizar a impedância e permitir o funcionamento das seções mesmo se ocorresse o pior caso, ou seja, com uma subestação fora de serviço. A baixa impedância assim conseguida também teria a vantagem de reduzir a interferência nas poucas linhas telefônicas existentes na região. Um fator que preocupava os projetistas era a alta incidência de raios na região, o que poderia vir a causar falhas nas linhas de contato.
O projeto global da eletrificação na Ferrovia do Aço previa uma segunda etapa após a conclusão das obras no trecho entre Jeceaba e Saudade: seria a modernização da eletrificação do trecho entre Saudade e Japeri da antiga Central do Brasil, que passaria a ter o moderno sistema de 25 kV, corrente contínua de 60 Hz. A tração elétrica também seria estendida no trecho Japeri-Brisamar-Sepetiba, que havia sido construído e remodelado durante as obras do projeto Águas Claras.
A eletrificação era vital para a operação do trecho entre Saudade e Bom Jardim de Minas, onde havia uma grande diferença de nível, com muitos e longos túneis em trechos com declividade da ordem de 1%. A operação de trens pesados com tração diesel era considerada impraticável nesse trecho, particularmente no que seria chamado de Tunelão, o mais longo túnel brasileiro, com 8,5 km de comprimento, próximo a Bom Jardim de Minas. Uma vez que o túnel não tinha ventilação, acreditava-se que a passagem de trens pesados tracionados com locomotivas diesel provocaria superaquecimento e falta de oxigênio no interior do túnel, o que levaria à paralisação das locomotivas e morte das equipagens por asfixia. O restante da linha, entre Bom Jardim de Minas e Jeceaba trabalharia com tração diesel por mais um ou dois anos até o término das obras de eletrificação.
Em 1976 foi assinado formalmente o contrato das obras e equipamentos para a eletrificação e sinalização da Ferrovia do Aço entre a ENGEFER e a GEC Transportation Projects Ltd no valor de 149 milhões de libras (ou 262 milhões de dólares). O objetivo inicial era ter todas as locomotivas operacionais em dezembro de 1983, de forma que a tração elétrica estivesse plenamente viabilizada pelo menos entre o trecho Saudade-Bom Jardim de Minas assim que a ferrovia estivesse pronta, já que a tração elétrica nesse trecho teria importância fundamental, como já foi visto anteriormente.
Nesse mesmo ano começaram os primeiros sintomas de crise econômica, com a persistente elevação
dos índices inflacionários. O controle da inflação tornou necessário reduzir os gastos
governamentais, inclusive na Ferrovia do Aço. O ritmo das obras, que era bastante intenso, foi
bastante reduzido a partir de fevereiro de 1977, tornando impossível cumprir o famoso prazo de
mil dias para conclusão das obras. Na verdade era o fim da era do Milagre Econômico e o
desempenho da economia brasileira jamais seria o mesmo. A situação econômica foi
gradativamente piorando e as obras foram suspensas em 1978.
A chamada distensão política, na verdade o lento desmonte da ditadura militar iniciado pelo general-presidente da época, Ernesto Geisel, propiciou uma maior clima de liberdade de expressão, o que fez com que no final desse ano a diretoria da
R.F.F.S.A. emitisse uma documento oficial onde considerava a Ferrovia do Aço um empreendimento inviável economicamente e que a melhor solução para aumentar a capacidade de transporte de minério de ferro no eixo Belo Horizonte-Rio de Janeiro seria a duplicação e eventual eletrificação da antiga Linha do Centro da Central do Brasil. A G.E.C. foi informada dessa alternativa, sendo acertado na época que, na eventualidade de ser adotada essa nova opção, eventuais sobras do contato original seriam aplicadas na conversão do antigo sistema de eletrificação da Central do Brasil entre Saudade e Japeri para 25 kV, corrente alternada, bem como a eletrificação, no mesmo padrão, entre Japeri-Brisamar-Sepetiba. O novo governo, do general-presidente João Baptista Figueiredo, ignorou o alerta dos técnicos e retomou as obras em julho de 1979, demitindo a administração dissidente da R.F.F.S.A. Decidiu-se, contudo, adiar indefinidamente a construção do trecho entre Belo Horizonte e Jeceaba, com 108 quilômetros.
O ritmo do empreendimento, contudo, não era mais o mesmo, tornando-se extremamente lento a partir de outubro de 1982. Ironicamente, nesse mesmo ano chegaram os primeiros lotes de equipamentos para a eletrificação previstos no contrato de 1976 com a GEC. A grave crise financeira de 1983 só agravou o quadro, levando à paralisação total da construção da Ferrovia do Aço no ano seguinte.
Viadutos inacabados, túneis inúteis e acampamentos de empreiteiras repletos de máquinas abandonadas, tudo se degradando à ação do tempo, pontilharam a paisagem no sul de Minas por vários anos ao longo das décadas de 1970 e 1980, ilustrando clamorosamente o fracasso do empreendimento. Haviam sido gastos 1,9 bilhões de dólares, sendo cerca de meio bilhão somente no contrato de eletrificação. Somente então as críticas ao projeto da Ferrovia do Aço começaram a aflorar, favorecidas pelo ambiente cada vez mais livre reinante no país. Até mesmo o decano dos conservadores brasileiros, Eugênio Gudin, aproveitou a ocasião para arrasar com o empreendimento, em entrevista concedida à revista Senhor e reproduzida no livro Lembrança do 'Trem de Ferro':
A estrada de aço é uma outra loucura. Uma loucura de botar o sujeito no xadrez. É doido varrido quem fez aquela estrada. O senhor sabe o que é uma estrada de aço? Eu, como engenheiro, sei. Uma locomotiva - uma Maria Fumaça - puxa mais ou menos, num plano, 50 vezes seu peso. Numa rampa, puxa três vezes, quatro vezes. Fizeram uma estrada de ferro em condições técnicas fantásticas, com curvas de 900 metros de raio, com não sei quantos viadutos e túneis. Vai custar um dinheirão para fazer o que? Para transportar ouro, cedro, marfim? Nada. É para tansportar um material pobre como é o minério de ferro, que existe em todo o mundo, que custa 14 ou 16 cents por quilo. Só mesmo um frete muito barato é que permitiria este transporte. Agora, como fazer um frete barato se só o custo de capital desta estrada de ferro é uma coisa enorme? |
A situação se encontrava mal parada há vários anos quando, em 1986, a direção da R.F.F.S.A. desenvolveu um plano para tornar viável a Ferrovia do Aço, mais especificamente o trecho entre Jeceaba e Saudade, com 319 quilômetros de extensão, onde a infra-estrutura estava praticamente terminada. A nova abordagem previa diversas simplificações no projeto da Ferrovia do Aço, como linha singela, menor altura de lastro (28 cm ao invés de 40 cm) e operação com locomotivas diesel-elétricas. Além disso, o esquema de circulação dos trens incluía a antiga Linha do Centro da Central do Brasil: os trens de minério circulariam cheios de Minas Gerais para o Rio de Janeiro pela Ferrovia do Aço e voltariam vazios pela Linha do Centro, permitindo o transporte anual de 25 milhões de toneladas de minério de ferro. O custo necessário para viabilizar esse plano era relativamente pequeno, da ordem de 136 milhões de dólares, incluindo ainda a adequação da via permanente entre Saudade-Barra Mansa e Saudade-Manoel Feio, de forma a habilitar o ramal de São Paulo a receber a carga adicional. A eletrificação da linha não foi descartada nessa ocasião, mas sim adiada indefinidamente, uma vez que somente sua implantação requeriria um investimento superior a um bilhão de dólares. Ele foi viabilizado através da participação da iniciativa privada no projeto, onde houve a participação decisiva da mineradora MBR e a presença simbólica de outros usuários interessados, como a Matsulfur, Cosigua, Cimento Paraíso, Ciminas, Cimento Tupi, Ferteco e Socicom. A 9 de fevereiro de 1987 era assinado o Acordo de Cooperação Mútua entre a ferrovia e essa empresa, cujo desembolso ao projeto foi feito como adiantamento para fretes futuros. Os investimentos necessários foram distribuídos da seguinte maneira: MBR, 57%; BNDES, 22%; Governo Federal, 15%; R.F.F.S.A., 6%.
Enquanto isso os materiais destinados à eletrificação continuavam chegando ao Brasil. Até 1988 a GEC já tinha fornecido o equivalente a 190 milhões de dólares em componentes diversos. Os equipamentos de telecomunicação e sinalização foram eftivamente usados na Ferrovia do Aço. Contudo, uma vez que as perspectivas de implantação da eletrificação eram cada vez menores resolveu-se aproveitar parte do material especificamente destinado a ela em outras obras ferroviárias governamentais. Materiais para a rede aérea de contato e subestações originalmente fornecidos para a Ferrovia do Aço foram usados no metrô do Recife e nas linhas suburbanas da C.B.T.U. do Rio de Janeiro e São Paulo. Todo o equipamento efetivamente aproveitado foi avaliado em 57 milhões de dólares.
Pelo menos as obras da construção civil da Ferrovia do Aço retomaram o ritmo e seguiram sem
interrupções até seu término. No dia 14 de abril de 1989 as duas frentes de obras se
encontraram no km 138 + 965 m da ferrovia, no município mineiro de Madre Deus, finalmente
permitindo a circulação de trens na Ferrovia do Aço, após 14 anos de obras. A chamada
Ferrovia dos Mil Dias tinha se tornado, na verdade, a Ferrovia dos 5.098 Dias. A
conclusão da superestrutura e a entrada em operação comercial ocorreram no mês de julho
seguinte.
O primeiro problema era: o que fazer com o material destinado à sua eletrificação, uma vez que
sua implantação se tornava cada vez mais improvável? A edição de abril de 1989 da
Revista Ferroviária aproveitou a
oportunidade do anúncio do final das obras da Ferrovia do Aço para fazer um balanço sobre a
situação de sua eletrificação. Naquela época cerca de 137 milhões de sólares em equipamentos
importados da Inglaterra encontravam-se estocados num armazém de 13.000 m2 da AGEF
na cidade de Cruzeiro (SP) há cerca de sete anos, aguardando a implantação da eletrificação na
Ferrovia do Aço - que custaria, no mínimo, mais 150 milhões de dólares. Dadas as suas
especificações bastante particulares esse material é praticamente inservível para outras
ferrovias: 22 transformadores pesando 38 toneladas
cada um, 1800 caixas contendo transformadores de potência,
disjuntores e painéis de controle e 1241 caixas de ferragens diversas. Havia também cinco
toneladas de cabos de cobre, e um total de 870 t de semi-produtos para a trefilação de cabos,
divididos em 360 t de barras de cobre e 530 t de lingotes de alumínio. Outras 1365 caixas
continham 219 motores para locomotivas, sendo que para
cada locomotiva foram computados seis unidades mais nove sobressalentes, mais alternadores,
pantógrafos, equipamentos eletrônicos de controle e tonéis de óleo para motor. A tabela abaixo
discrimina os detalhes dos equipamentos disponíveis na época:
1989-2002: A Vida Como Ela É
As obras da Ferrovia do Aço finalmente haviam sido concretizadas, ainda que algo mutiladas.
Restavam, contudo, algumas pendências a ser resolvidas, algumas vitais para sua entrada em
operação comercial.
Discriminação | Número de Volumes | Itens | Valor [US$ milhões] |
Cabos e Acessórios | 3 Bobinas, 46 Caixas, 4 Prateleiras | Cabos de Telecomunicações | 591,83 |
Telecomunicações | 17 Caixas | Equipamentos de Telefonia Operacional | 2.399,44 |
Sinalização | 114 Caixas | Máquinas de Chave, Sinais e Relés | 32.746,13 |
Rede Aérea | 5 t de Cabos de Cobre 2.850 Barras de Cobre (340 t) 1.148 Lingotes de Alumínio (580 t) 128 Bobinas de Alumoweld 1.241 caixas | Matéria-Prima para Trefilação de Cabos e Fios, Chaves e Ferragens | 10.359,96 |
Subestações | 22 Transformadores 1.800 Caixas | Transformadores de Potência Disjuntores Painéis de Controle | 30.553,60 |
Tração | 1.365 Caixas | Motores Alternadores Pantógrafos Equipamentos Eletrônicos de Controle | 56.308,19 |
Total | 133.009,14 |
O artigo da Revista Ferroviária ainda informava que os equipamentos mais sensíveis tinham embalagem especial contra umidade, dispondo de indicador do nível de umidade do ar colocado no interior de cada caixa, podendo ser observado através de um visor que mudava de cor em caso de anormalidade. Equipamentos mais sensíveis, como painéis internos de subestações e alguns componentes eletrônicos, eram mantidos dentro de quatro câmaras climatizadas mantidas sob temperaturas entre 18 e 21°C. Contudo, a responsabilidade pela integridade do material era da própria G.E.C. britânica, em virtude da extensão da garantia que foi negociada em 1984, quando a empresa se comprometeu a prestar assistência técnica até a efetiva instalação dos equipamentos. Portanto, pelo menos até a época da publicação desse artigo os técnicos da G.E.C. vistoriavam periodicamente as condições de armazenagem dos equipamentos por ela fornecidos.
Por outro lado, essa era uma situação já considerada insustentável, pois os equipamentos para a eletrificação não poderiam ficar armazenados indefinidamente, e a um custo de manutenção muito alto, da ordem de 9.000 dólares por mês (NCz$ 9.000, em janeiro de 1989). Já naquela época a venda do material era considerada extremamente improvável, dada suas características extremamente específicas de projeto. O grupo PELTREC - Projeto de Eletrificação da Ferrovia do Aço - levantou algumas possibilidades para aproveitamento desse material que, lamentavelmente, acabaram por também ficar no papel, por envolverem altos custos numa época em que a situação econômica do país atravessava forte turbulência e a perspectiva das empresas estatais - principalmente ferrovias - era praticamente certa:
Uma vez que a eletrificação da Ferrovia do Aço estava morta e enterrada, restava resolver outra pendência fundamental: como seria a circulação de pesados trens de minério tracionados por locomotivas diesel-elétricas em longos túneis sem ventilação, adequados para composições rebocadas por locomotivas elétricas? Essa questão vinha sendo levantada desde meados de 1983, quando se começou a conjecturar a operação da Ferrovia do Aço com locomotivas diesel. Os primeiros laudos das consultorias contratadas pela R.F.F.S.A. eram sombrios, prevendo a elevação da temperatura dos túneis a 60°C durante a passagem dos trens, além do acúmulo de gases de exaustão decorrentes da combustão do óleo diesel. Havia risco do calor paralisar o trem dentro do túnel, expondo a equipagem a um ambiente agressivo. Na verdade, os técnicos da R.F.F.S.A. supunham que seria possível estabelecer um intervalo entre trens (headway) de duas horas, que permitiria uma renovação da atmosfera dos túneis, mas temia-se que houvesse a possibilidade de paradas inesperadas das composições em seu interior.
As soluções propostas para o problema foram das mais diversas:
Os primeiros testes para verificar os efeitos da passagem de trens movidos a locomotivas diesel nos túneis da Ferrovia do Aço haviam sido feitos já em 1984 pelo Departamento de Eletrificação e Sistemas Elétricos da R.F.F.S.A., quando já se dava como certo o atraso da eletrificação da ferrovia. As experiências práticas iniciaram-se antes mesmo da conclusão das obras, em fevereiro de 1989, sendo desenvolvidas pela Fundacentro, CETEC e Universidade de Juiz de Fora. Eles foram realizados no Tunelão (localizado entre os quilômetros 89 e 97 da Ferrovia do Aço, com 1% de declividade) e no Túnel dos Cabritos (este entre os quilômetros 103 e 104). Esse último túnel fica a dois quilômetros de Bom Jardim de Minas, indo-se rumo à Jeceaba. Os ensaios então efetuados com trens pequenos não apresentaram maiores problemas, mas um teste com um trem-tipo da MBR - 86 vagões carregados com minério de ferro, tracionados por quatro locomotivas diesel -, indo no sentido mina-porto, apresentou alguns problemas. A composição apresentou problemas operacionais, tendo dificuldades para vencer a rampa ascendente de 1%. A concentração de gases nocivos no túnel atingiu níveis elevados, enquanto que a terceira locomotiva atingiu a temperatura limite de 60°C. A velocidade da composição foi automaticamente reduzida de 28 para 23 km/h em função desse problema e houve risco de uma parada total. A solução encontrada para o problema foi usar duas locomotivas de auxílio no final da composição, o que apresentou bons resultados.
O esquema usando locomotivas de auxílio levou dois anos, até que se encontrou uma solução alternativa para intensificar a ventilação no túnel dos Cabritos. Foi instalado um portão de madeira na saída do túnel no rumo mina-porto, com quatro metros de largura por cinco de largura, o qual se encaixa numa guarnição de chapas de aço, fechando completamente a entrada. No momento em que o trem entra no túnel, transportando minério rumo à estação de Saudade, esse portão se encontra fechado. Dessa forma, o ar empurrado pela composição é impedido de sair pela saída do túnel, uma vez que ela está bloqueada pelo portão. Esse ar ainda fresco é obrigado então a recuar e a passar pelas locomotivas, levando os gases emanados pelos motores diesel para trás, rumo à abertura de entrada do túnel. Dessa forma garante-se um fluxo de ar e fresco para a equipagem e locomotivas, garantindo-se sua integridade. Na saída do túnel um empregado fica atento, abrindo o portão assim que as locomotivas estiverem próximas da saída. A abertura do portão ocorre por meio de contra-pesos, facilitando seu acionamento. Em caso de falhas não há maiores problemas, uma vez que o portão é construído de madeira e é relativamente frágil, podendo ser quebrado com facilidade pelas locomotivas se, por algum motivo, ele não for levantado. Seu custo também é relativamente baixo, da ordem de 2.500 dólares. Uma vez que a composição tenha passado o portão continua aberto por mais meia hora, permitindo a renovação da atmosfera no interior do túnel.
O resultado da operação da Ferrovia do Aço deve ter sido bastante favorável, pois em 14 de novembro de 1991 a M.B.R. e a R.F.F.S.A. celebraram novo contrato para a construção de parte do chamado Trecho Norte da Ferrovia do Aço, desde Jeceaba até o Terminal do Andaime, a 5 quilômetros da mina do Pico da mineradora. Esse novo trecho, de 57 quilômetros, também sofreu diversas simplificações em seu projeto, de forma a reduzir seu custo. Também não foi desta vez que a Ferrovia do Aço atingiu Belo Horizonte.
Em novembro de 1993 a R.F.F.S.A. registrava que o faturamento proporcionado pelo transporte de minério pela Ferrovia do Aço já era da ordem de 110 milhões de dólares por ano, um valor significativo para a empresa. Em 1997 a M.B.R. conseguiu transportar pela Linha do Centro cerca de 23 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, em 2001 esse volume atingiu 34 milhões de toneladas, ou seja, sofreu um aumento de mais de 30%, o que atesta o bom desempenho dessa ferrovia.
A Ferrovia do Aço teve um final até que feliz, mas os equipamentos que deveriam ser usados em sua eletrificação até hoje vagam pelo limbo. Uma das últimas tentativas de resolver essa pendência foi registrada na edição de 24 de junho de 2001 do Jornão da Tarde, de São Paulo (SP)
Oferta: trem R$ 430 mi mais barato RFFSA tenta vender, por R$ 50 milhões, 35 locomotivas compradas há 15 anos. O preço pago pelo governo foi de R$ 480 milhões A Rede Ferroviária Federal (RFFSA) está tentando vender, por R$ 50 milhões, componentes de 35 locomotivas elétricas comprados em 1976 por U$ 200 milhões (hoje cerca de R$ 480 milhões). As locomotivas destinavam-se à Ferrovia do Aço, que deveria ligar Minas a São Paulo e ser eletrificada. Como nenhuma das duas coisas ocorreu, as caixas com os componentes permanecem até hoje num depósito de 14 mil metros quadrados, em Cruzeiro, interior de São Paulo. A mercadoria é um mico. Não tem similar em operação no País, nem em outras partes do mundo. Não serve, portanto, para ninguém. Os únicos eventuais compradores poderiam ser a Índia ou a África do Sul, que têm "algo parecido" em funcionamento. Mas, até o momento, não houve nenhuma manifestação de interesse. Com a privatização de sua malha, entre 1996 e 1997, a RFFSA está liquidando seus ativos. O engenheiro Eduardo Agassi, coordenador de alienação de estoques da empresa, diz que os componentes das locomotivas estão sendo oferecidos em eventos internacionais da área ferroviária. O último, em Cuba, não resultou em negócios. O problema é que o projeto de eletrificação foi desenvolvido pela empresa inglesa GEC, fabricante dos equipamentos, especialmente para a Ferrovia do Aço. Nos caixotes, em Cruzeiro, estão guardados motores de tração, pantógrafos (que ligam a locomotiva à rede aérea), equipamentos de controle da locomotiva, entre outros. Como se disse, nenhum deles empregáveis em outro lugar. Há também 22 transformadores de 138 quilowatts (kW), grandes, que se destinavam à rede aérea. A idéia de que hoje, com a crise energética, esses transformadores poderiam ter bom uso é logo derrubada por Agassi: "São monofásicos, não têm aplicação fácil."
Pelo projeto, o material rodante e o corpo das locomotivas seriam fabricados no Brasil, pela Villares. Isto também não aconteceu. Agassi diz que alguma coisa do material foi aproveitada no País. Parte do material de sinalização, na própria Ferrovia do Aço. E outra parte no metrô do Rio. Circuitos de controle e máquinas de chave (abrem e fecham as vias) também saíram. "Tudo o que está no depósito já foi oferecido a todas as companhias de energia elétrica do Brasil e da América Latina e às ferrovias do mundo", diz o engenheiro Agassi. O valor de R$ 50 milhões é negociável. "Não sei se consigo vender por esse valor, o equipamento é antigo e tem pouca aplicação." A Ferrovia do Aço, iniciada em abril de 1975, durante o governo Ernesto Geisel, deveria, em três anos, ligar Minas Gerais a São Paulo por 800 quilômetros de linhas eletrificadas. Quinze anos e US$ 2 bilhões (R$ 4,8 bilhões) depois, em 1993, alcançou 320 quilômetros, de Jaceaba, Minas, a Barra Mansa, Rio. E parou por aí. |
Há um ligeiro consolo aqui: pelo menos na Ferrovia do Aço o prejuízo decorrente da desistência em se eletrificar a linha só decorreu de equipamentos que não foram instalados; já no Corredor de Exportação Santos-Uberaba da FEPASA houve a instalação parcial da eletrificação, que funcionou precariamente por alguns anos até ser desativada e posteriormente erradicada, sem nunca permitir o retorno do investimento feito.
É interessante notar que esses dois projetos, a Ferrovia do Aço e o Corredor de Exportação Santos-Uberaba, foram planejados praticamente na mesma época. Ambos também foram marcados pela colisão frontal entre um arrojo excessivo e a grave crise econômica mundial da década de 1980. De certa forma, a ansiedade da ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985 em executar seus projetos de modernização tem seus fundamentos. Quem lê clássicos de Monteiro Lobato como Mr. Slang e o Brasil, Problema Vital, Ferro e O Escândalo do Petróleo tem contato com um Brasil sufocante, vergado pelo peso de sua herança agrícola e pela incompetência de suas elites em integrar o país e sua população como um todo a um mundo cada vez mais industrial. Foi somente no limiar da II Guerra Mundial, uma situação de confronto crítico entre grandes potências, que o país pôde barganhar recursos para implantar suas indústrias de base. A Guerra Fria que se sucederia a esse conflito apresentou caráter crônico e também facilitou a execução de grande número de projetos em siderurgia, mineração e energia para o Brasil, dentro da bonança econômica que marcou os chamados trinta anos magníficos que se sucederam à II Guerra. O início dos anos setenta pareciam ser a época ideal para se dar um grande salto à frente, ainda mais com o país sob a rígida disciplina do jugo militar. Contudo, de 1973 em diante, o panorama internacional mudou de forma impressionante. Os choques do petróleo de 1973 e 1979 conduziram à uma grave crise econômica internacional, uma espetacular alta de juros bancários e a conseqüente à moratória dos países em desenvolvimento, pesadamente endividados em dólar, em 1982 e 1983. Em 1991 acaba a União Soviética, o grande espantalho do capitalismo, abrindo definitivamente o caminho para a globalização e ao fim das concessões políticas das grandes potências aos antigos aliados de bloco, que passaram a ser considerados como meros competidores... Tudo isso certamente torna mais difícil atualmente conduzir projetos desenvolvimentistas da envergadura dos iniciados na década de 1970. Talvez o recrudescimento do terrorismo, com os atentados incrivelmente mortíferos de setembro de 2001, marquem uma reversão nessa tendência, mas ainda é muito cedo para se afirmar isso.
- Referências Consultadas
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Última Atualização: 27.05.2002
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