A Eletrificação nas Ferrovias Brasileiras

Hidrelétrica de Itatinga


O ciclo do café no Estado de São Paulo, iniciado na segunda metade do século XIX, encontrou uma região com infraestrutura precária e totalmente inadequada para o transporte das safras destinadas majoritariamente à exportação. A situação foi sendo revertida com a própria riqueza gerada por essa cultura, justificando a construção de centenas de quilômetros de ferrovia. Contudo, era necessário também melhorar as condições do embarque de café nos navios atracados no Porto de Santos, que era feita de forma precária até finais da década de 1880.

A 12 de Julho de 1888, nos estertores do Império, foi concedida a Gafreé, Guinle & Cia a concessão para construção e operação de um cais acostável no Porto de Santos. Surgiu então a Companhia Docas de Santos, surgida com o início das obras do novo porto, que foi inaugurado a 2 de Fevereiro de 1892, com 260 metros de cais.

A era do café estava no auge e o porto - e seu movimento - aumentavam ano após ano. O uso da energia elétrica como força-motriz e iluminação era uma realidade comercial apresentava inúmeras vantagens e estava conquistando rapidamente seu mercado. O Porto de Santos não era exceção; sua demanda de energia elétrica era crescente, sendo atendida na época para Companhia City de Santos.

No início do século XX as necessidades de eletricidade do Porto de Santos já eram grandes o suficiente para justificar a construção de uma usina hidrelétrica própria. As investigações da Companhia Docas apontaram como o melhor local para construção dessa hidrelétrica na Fazenda Pelais, um local a 7,5 quilômetros ao norte de Bertioga, no sopé da Serra do Mar, próximo ao Rio Itatinga. A 22 de Agosto de 1905 a empresa foi autorizada a construir uma hidrelétrica no local, que seria alimentada por um reservatório situado serra-acima, a 900 metros de altitude.

A construção da usina foi muito difícil. Em primeiro lugar, o local era assolado pela malária, que vitimou massivamente os operários no início das obras forçando a paralisação das obras; somente um enorme esforço de saneamento do local, conduzido pelo Dr. Carlos Chagas, do Instituto Manguinhos, logrou viabilizar o empreendimento.

Outro problema a ser resolvido era o difícil acesso ao local, que era separado de Bertioga pelo estuário do Rio Itapanhaú. Após se atravessar o estuário era necessário cruzar mais de sete quilômetros através de mangues e florestas para se chegar até o local da futura usina. A solução para este problema foi a construção de uma pequena ferrovia desde um pequeno porto, na margem direita do Rio Itapanhaú, até as obras da usina. Esta via, com a singular bitola de 800 mm, foi assentada ao longo da futura linha de transmissão de energia elétrica. Suas obras se estenderam desde o final de 1905 até o final de 1906. Sua locomotivas eram do mesmo tipo das já usadas no Porto de Santos: a vapor, construídas em 1889 pela firma alemã Locomotiv Fabrik Kruas e Cia München & Linz. Uma delas ainda se encontra em funcionamento nessa ferrovia.

A usina hidrelétrica foi inaugurada em 10 de Outubro de 1910, passando a fornecer 15.000 kW de energia para o Porto de Santos conforme previsto; eventuais excessos eram usados no abastecimento público da cidade de Santos. A ferrovia usada na construção da usina foi mantida para o transporte de empregados entre a vila próxima a usina e o porto no Rio Itapanhaú, além de víveres e materiais de manutenção. Mas, no melho estilo casa de ferreiro, espeto de pau, ela não foi eletrificada mesmo com a ampla oferta de energia elétrica, mantendo-se com a tração a vapor por décadas e décadas. Note-se que também a ferrovia interna que servia o Porto de Santos não foi eletrificada.

No primeiro trimestre de 1956 - após cinqüenta anos de operação - a Companhia Docas de Santos iniciou os estudos sobre a eletrificação da ferrovia que servia sua usina de Itatinga, em função do alto custo que a tração a vapor impunha. Essa decisão apresenta alguns aspectos intrigantes. O preço da lenha tornou-se ameaçadoramente alto para as grandes ferrovias a partir da I Guerra Mundial, mas a ferrovia de Itatinga levou quarenta anos para reconhecer isso - talvez em função de seu pequeno consumo e da farta disponibilidade de lenha na região servida por ela. Além disso, na época em que a eletrificação de Itatinga estava sendo cogitada, já se faziam vinte anos que bondes e pequenas ferrovias eletrificadas estavam agonizando, sendo substituídas por estradas de rodagem. Por exemplo, o Tramway do Guarujá seria fechado em julho desse mesmo ano e o Ramal Férreo Campineiro duraria apenas mais quatro anos. Não teria sido mais lógico substituir a antiga ferrovia de Itatinga por uma estrada de rodagem? Mas, para gáudio dos fãs ferroviários, a ferrovia foi mantida; neste caso, a tração elétrica deve ter sido a mais atraente, posto que produzida pela mesma empresa a que a estrada servia.

A execução das obras da eletrificação iniciou-se no quarto trimestre de 1956, com a instalação dos postes de concreto para sustentar os cabos de alimentação dos trens. A linha é alimentada em dois pontos: em sua estação inicial, onde há um pequeno porto, e em seu ponto final, na usina hidrelétrica.

O material rodante foi construído nas próprias oficinas da Companhia Docas de Santos. São apenas dois bondes. O bonde B1 é composto de dois truques, cada um com um motor de 10 HP, totalizando 20 HP, e controles nas extremidades dos carros. O bonde B2 foi feito a partir de uma locomotiva elétrica que havia sido usada durante as obras da eletrificação; ele possui dois truques, sendo que apenas um deles é motorizado, dispondo de motor elétrico de 18 HP. Além disso, ele tem uma característica peculiar, muito provavelmente herdada de seu passado como locomotiva: controle através de uma cabine central fechada; os passageiros se acomodam à frente e atrás dessa cabine, o que prejudica um pouco a visibilidade do condutor.

A nova ferrovia eletrificada entrou em funcionamento em janeiro de 1958 e até hoje se encontra em atividade com o mesmo material rodante elétrico. Ela continua servindo a hidrelétrica, seus funcionários e eventuais visitantes, que devem obter autorização prévia para acessar a região, uma vez que se trata de propriedade particular. Trata-se de um local belíssimo e, no caso dos fãs por trens e bondes, com uma atração cada vez mais rara: uma linha de bondes elétricos ainda em funcionamento.

Mas, infelizmente, também é um paraíso ameaçado: as vilas junto à usina e reservatório estão cada vez mais vazias em função da redução do efetivo operacional. O quase total isolamento do local, que ainda não possui estradas de rodagem, também penaliza excessivamente os habitantes - afinal, todas as comodidades do progresso estão a apenas oito quilômetros da usina, do outro lado do Rio Itapanhaú. A única forma de acesso continua sendo os bondes elétricos, mas não se sabe até quando eles serão mantidos. Já há propostas de tombamento histórico da Usina de Itatinga, como a descrita numa notícia publicada a 12 de Junho de 2002 n'A Tribuna de Santos:

ITATINGA - CUNHA BUENO PEDE TOMBAMENTO DE USINA

Da Reportagem

Já defendido por lideranças políticas da região e empresários, além da Prefeitura de Bertioga, por sua importância histórica e cultural, o processo de tombamento da Usina de Itatinga, ganhou mais um aliado. Trata-se do deputado federal Cunha Bueno, que, por meio de indicação na Câmara Federal, solicitou que o Ministério da Cultura determine ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a realização de estudos com essa finalidade .

A usina, que fornece energia para o Porto de Santos e que foi construída pelos ingleses no final do século XIX, já se encontra em processo de tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), mas não há prazo ainda para a conclusão do estudo. Uma das suas atrações é a vila, construída com arquitetura da época.

Segundo o deputado, pela Constituição de 88, o conceito de patrimônio cultural foi ampliado, incluindo, também, ‘‘os conjuntos urbanos e os sítios de valor histórico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Por isso, a Usina de Itatinga não pode ficar fora dessa avaliação’’.

Além disso, a própria Constituição, em seu Artigo 23, Inciso VI, estabelece a competência comum da União, estados, Distrito Federal e municípios para a proteção do meio ambiente. ‘‘A Vila de Itatinga, encrustada no sopé da Serra do Mar é reconhecida internacionalmente como um santuário ecológico e importante pólo ecoturístico que abriga a primeira usina hidrelétrica do País, responsável pelo abastecimento do Porto de Santos desde 1910’’, afirma Cunha Bueno.

Ainda segundo o parlamentar, o Iphan é a autarquia federal que tem entre suas atribuições as ações de identificação, proteção, restauração, preservação, fiscalização dos bens físicos, paisagísticos e outros.

Prejuízos

Porém, ele afirma que a exploração do turismo local está sendo prejudicada pela dificuldade de acesso, em função da falta de manutenção de equipamentos do bondinho que faz o transporte de passageiros. Em vista disso, ele pede que o ministério faça os esforços necessários para a realização de estudos e análises necessárias ao processo de tombamento da usina, ‘‘como forma de preservá-la da degradação que vem sofrendo’’

Infelizmente, num país surrealista como o Brasil, tais iniciativas às vezes geram efeitos contrários aos esperados, como ocorreu na E.F. Perus-Pirapora, que vem apodrecendo há quase vinte anos após processo semelhante.




- Referências Consultadas


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Última Atualização: 22.06.2002

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