A Sala dos passos perdidos
 
Na ante-sala do tempo, inolvidáveis, sobrevivem as recordações do passado desta terra, berço de caudilhos, boêmios, poetas, escritores, jornalistas, artistas esquecidos e sonhadores...
Esta fronteira "já teve" (espressão usada pelo historiador Ivo Caggiani) uma porção de coisas boas.
Uma dessas coisas foi a sua época romântica e aventureira. Bons tempos que vivenciei em parte, entre os doze e vinte anos no máximo,quando morri para a vida profana..
A partir da década de sessenta veio a decadência, devastando a paisagem noturna e um modo de viver que era próprio das noites de Sant'Ana do Livramento e Rivera.
Os antigos cafés, bares, restaurantes e cabarés naufragaram, levando consigo boêmios, jogadores, músicos, malandros e belas mulheres...
Sobrou a recordação, a memória visual, olfativa, gustativa, tátil e auditiva. Sim, porque a lembrança nos faz sentir a musicalidade, as imagens, as fragrâncias e a sensação epidérmica dos contatos revividos.
O último dos cafés, para ser solidário com os mais jovens, foi o Palacinho. Dele não restam nem as paredes. Hoje, em seu lugar, apenas um vazio de um estacionamento de veículos... Àdireita, se adentrarmos por alí num passeio saudosista, veremos o que restou do Cinema Internacional; à esquerda, os fundos carcomidos de antigos locais, como o Bar Rio Branco, a Pensão Espanhola e o Restaurante Pedrinho, igualmente desaparecidos. São ruínas históricas...
O antigo "Largo do Internacional" mudou de nome, como mudaram seus prédios, onde hoje habitam lojas comerciais. Mas a memória é filha da mãe... Ela não esquece o Café Tupinambá, o Bar do Cabellito, o Marisol, a Cantina di Nápoli, a Gruta Azul...
Não esquece também, de ambos os lados, o Café Tronio, o Ponto Chic, o Bar Americano, a Cueva, o Sabó, El Galeón, Los Barrillitos, El Rancho, o Bar Europa, o Bar Pingüín...
Tudo isso pertence aos arquivos da memória dos sobreviventes ou, se me permitirem, ao inconsciente coletivo.
Como os rostos de velhos boêmios aposentados e ainda insepultos, a própria fisionomia da cidade envelheceu, adquirindo um semblante apagado e triste, talvez lamentoso, com o que dela fizeram os novos tempos...
Luciano Machado - escritor
 
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