Conjugar os interesses de possuidores de trails de apelido
africano com possuidores de Guzzi's e afins foi quase tão
difícil como conseguir convencer as respectivas famílias a
deixarem-nos queimar sozinhos dois fins de semana, quatro
dias de férias e um feriado para participar nesta aventura.
Os argumentos usados não irão ser aqui referidos, mas posso-vos
desde já adiantar que esta viagem saiu-nos cara...
Assim, e depois de algumas desistências por motivos vários,
(estranhamente ninguém disse "a minha mulher não me deixa
ir..."), formou-se um grupo de nove pessoas cujo único
denominador comum era a vontade de passar uma semana em Marrocos,
pois até uns quantos se fizeram deslocar de jipe...
Após longas e calorosas discussões (leia-se reuniões),
foram tidas em conta as seguintes considerações na elaboração
do roteiro:
(Leia-se quadro de intenções)
DATA | OBSERVAÇÕES | KM's |
Domingo 29/05/94 |
Partida de Beja às 15:00 h. Chegada a Algeciras às 22.00 h. Dormida no cais! Actividades: Tentar não ser roubado enquanto se dorme |
475 475 |
Segunda 30/05/94 |
Ferry-Boat às 07:30 h. Chegada a Ceuta às 08:00 hora local. (diferença horária de 02:00 h) Viagem para Beni-Melal: Tetouan (40), Chefchaouen (60), Ouazzane (60), Meknes (140), Azrou (50), Khénifra (100), Beni-Melal (130) chegada prevista para as 18:00 h. Dormida em hotel Actividades: Floresta de Cedros (percurso fora de estrada) |
580 1055 |
Terça 01/06/94 |
Viagem para Marrakesh: Afourer (10), Azilal (30), Cascatas d'Ouzoud (20), Marrakesh (140) chegada prevista para as 14:00 h. Dormida em hotel ou Camping. Actividades: Visita de Marrakesh especialmente a praça Jemaa el Fna. Jantar típico na Tenda. |
200 1255 |
Quarta 02/06/94 |
Viagem para El-Kella-M'Gouna: Taddert (90), Ourzazate (120), Skoura (45) e El-Kella-M'Gouna (75). Travessia do Atlas, passagem a 2500m de altitude. Vale do Dadés. Dormida em hotel Actividades: Travessia do Atlas, passagem a 2500m de altitude. Vale do Dadés. |
330 1585 |
Quinta 03/06/94 |
Viagem para Merzouga: Garganta do Dades (40), Garganta do Todra (40), Tinerhir (40), Erfoud (140) e Merzouga (55). Dormida em albergue no deserto. Actividades: Ligação das gargantas do Todra e Dades por fora de estrada. Percurso fora de estrada no deserto |
315 1900 |
Sexta 04/06/94 |
Viagem para Mildet: Taouz (30), Rissani (70), Erfoud (10), Er Rachidia (100) e Mildet (125) Dormida em Hotel. Actividades: Duna de Merzouga. Percurso fora de estrada no deserto |
335 2235 |
Sábado 05/06/94 |
Viagem para Casa: Azrou (160), Fez (70), Ouazzane (150), Chefchaouen (60), Ceuta (100). 2.30h de travessia. Chegada a Ceuta às 16:30h. Viagem para Beja com chegada prevista para as 24:00h Actividades: Apanhar o ferry das 16:00h em Ceuta |
540 + 455 3230 |
Dinheiro - O dirham, cerca de 20$00, pode ser obtido por troca na maioria dos bancos, nomeadamente: Banque Commerciale du Maroc, Banque Marocaine pour le Commerce et l'Industrie, Societe Generale Marocaine et de Banque, Credit du Maroc, Wafa Bank. Em todos eles e possível levantar dinheiro directamente com o cartão Visa.
Bebidas - Água mineral apenas a SIDI HARAZEM
e a SIDI ALI merecem confiança e claro os refrigerantes
pasteurizados. Dizem que o sumo de amêndoas "jus d'
amandes" é uma bebida deliciosa. A confirmar. Chá, muito
chá, especialmente de hortelã-pimenta. Sobre o chá convém
assinalar que os marroquinos o usam como sinal de boas vindas e
será sempre considerado indelicado não o aceitar uma, duas,
três ou mais vezes. Bebidas alcoolicas, só nos hoteis e para
estrangeiros.
Casbahs - No sul de Marrocos entre palmeiras
aparecem edificações fortificadas em terra que foram a
residência dos senhores, onde se abrigavam as populações dos
ataques de invasores e onde as caravanas vindas do Este de
África para o Maghreb se refugiavam. A técnica de construção
é variável ao contrário da sua fragilidade . Os vales do DRAA
e DADES são férteis nestes castelos de areia. O Casbah de AIT
BENHADDOU perto de Ouarzazate foi considerado património
mundial pela UNESCO.
Cozinha - Entre outras delícias, compartilhadas
com as moscas, temos:
Guias - Os verdadeiros usam aquela túnica
"djellaba" branca e um crachat do Ministério do
Turismos. Os falsos recebem dos forasteiros e mais uns 30 a 40%
de comissão das compras
Hotéis - A classificação apenas toma em linha
de conta o conforto e as instalações sanitárias. Nem o
acolhimento nem o serviço contam para a história da
atribuição das estrelas pelo que definitivamente o hábito não
faz o monge. O preço máximo de cada hotel é fixado em cada ano
e está disponível nos gabinetes de turismo. Normalmente os
preços variam entre os 9 contos para os 5 estrelas, 6 contos
pelos 4 estrelas e os 4,5 contos pelos três estrelas. Os hotéis
de 4 estrelas da cadeia SALAM e P.L.M.-DOUNIA
possuem boa qualidade a bom preço e podem-se encontrar, para
além das grandes cidades, em Ouarzazate e Erfoud.
Mesquitas - Em Marrocos a visita às mesquitas
é sempre interdita aos não Muçulmanos. Se for de algum modo
possível entrar, há que se descalçar e lavar imperativamente
os pés.
População - Grande diferença cultural entre os árabes ( um terço) e bérberes (2 terços da população). Normalmente os árabes residem nas grandes cidades.
Os bérberes do Atlas são semi-nómadas. Para eles o árabe
é uma língua estranha, preferindo exprimir-se em francês.
Restaurantes - Um em todas as cidades (assim
rezam os guias). Para o exotismo os das medinas são os
preferidos. Mesmo nos restaurantes há que discutir o preço. Os
restaurantes dos hotéis são divididos em cozinha marroquina e
internacional, aparentemente a cozinha marroquina é melhor
confeccionada.
Costumes - Descalçar-se se notar que vai
entrar em aposentos onde já existem sapatos à entrada;
Responder às perguntas, mesmo indiscretas do género quantos
filhos tens; tens mulher; e amantes? ...
Artesanato - Durante séculos o
artesanato marroquino tem sido cotado como de boa qualidade e
variedade. Os tabuleiros de madeira entalhada encontram-se de
melhor qualidade em Fés e Meknés. Os trabalhos em cobre e
latão de Tetouan e Marrakesh são conhecidos pela sua qualidade
e preço moderado. Os sabres e mosquetes de prata de Rissani,
embora haja que conferir que não se trata apenas de casquinha,
são recomendáveis para os afortunados motards e encapsulados da
expedição. Os tapetes recomendados nos guias encontram-se em
Ouarzazate. Os preços praticados variam com a proveniência e a
aparência do turista. Regra geral ofereça um quinto do que lhe
pedem e vá subindo...
Meknés - é uma cidade milenar. Combina o moderno com o antigo. A medina e restante parte velha da cidade foram afectadas pelo terramoto de 1755 que destruiu Lisboa, tendo sido alvo de reconstrução recente. De particular interesse encontra-se um arco datado do século XVII à entrada da cidade imperial, junto à praça de Hedim.
Azrou - Primeira cidade bérbere.
Marrakesh - Dizem os guias que não é interdito sonhar em Marrakesh, sobretudo na praça de Jemaa-el-Fna ao som dos encantadores de serpentes. Artística e culturalmente é uma das cidades mais importantes do Islão. Fundada em 1062 pelo Sultão Almoravid Yousef Ibn Tachfin, foi no reinado de seu filho, Ali, que foram construidos os túneis que servem para irrigar os inúmeros jardins da cidade. Desde o século XII que a cidade sofreu diversas invasões e reconstruções, tendo sido sob o domínio francês que foi construída a " Ville Nouvelle" e foi revitalizada a velha medina, permitindo o crescimento do turismo e a prosperidade da cidade.
Ouarzazate - Foi criada pelos franceses como centro administrativo, não existindo nada antes, apesar da cidade próxima de Taourirt e o seu kasbah. O crescimento tem sido exponencial tendo hoje cerca de 600 000 habitantes !
Erfoud - é a principal cidade do vale do Ziz encontrando-se bastante degradada e sendo um tormento para os turistas pelos enxames de guias e vendedores que fustigam o turista.
Rissani - tem as ruínas de Sijilmassa, capital da heresia Shiita do ano 700, sendo desde então uma das cidades mais importantes das rotas trans-Saharianas.
Merzouga - é quase o único lugar de Marrocos
onde se pode ver um erg. Estas massas de areia movem-se ao
sabor dos ventos e são, dizem, irmãs gémeas das argelinas.
NUNCA:
NÃO ESQUECER:
Combustível + Lubrificantes | 30.000$00 |
Seguro | 3.000$00 |
Travessias de Ferry-Boat | 12.000$00 |
Dormidas (4 noites) | 16.000$00 |
Refeições (13 principais) | 12.000$00 |
Lanches + cafezinhos | 5.000$00 |
Guias + "Gorjetas" | 5.000$00 |
Imprevistos (leia-se coeficiente de cagaço) | 17.000$00 |
Compras + Presentes | ??? |
TOTAL (mínimo) | 100.000$00 |
Nota: Leve metade da bagagem que está a pensar levar e
o dobro do dinheiro que está a pensar gastar...
1º Dia: Beja - Algeciras
Jipe e motas carregadas e lá partimos nós estrada fora para
devorar os entediantes quilómetros que nos separavam de
Algeciras. Nem o atraso à partida, de mais de duas horas, do
pessoal do jipe nem o facto de ter visto um saco cama igualzinho
ao meu no meio da estrada, a que se seguiram outros tantos
parecidíssimos com os dos meus companheiros, nos tirou a boa
disposição. Após a operação de salvamento de parte da
bagagem que seguia no atrelado do jipe (que por sinal não era um
Jeep mas sim um Toyota...), e que tinha ficado espalhada por
alguns quilómetros de estrada houve uns quantos elementos que
ficaram proibidos de lhe mexer!
Chegados a Algeciras já depois da meia-noite, comprámos os
bilhetes do ferry numa das várias agências que se encontram
abertas 24 horas por dia, estacionámos as motos na bicha do
ferry e dormitámos junto delas pois não nos parecia boa ideia
deixa-las sozinhas e procurar um local para dormir em Algeciras.
(o primeiro ferry parte às 7.30h e queríamos ter a certeza de
ir nele)
2º Dia: Algeciras - Beni-Melal
De manhã lá reunimos os ossos, agradecemos o facto de os
jardineiros de Algeciras se levantarem cedo para ligar o sistema
de regra dos jardins (não há casa-de-banho na estação
fluvial!), e lá embarcámos no Ferry. Após a travessia do
estreito, o continente Africano esperávanos e com ele as, por
vezes, exasperantes diferenças culturais. Assim e chegada a
nossa vez de passar a fronteira fomos surpreendidos por um
esquema burocrática no qual se deve ter inspirado Goscinny
quando escreveu os doze trabalhos de Asterix. Aqui há duas
hipóteses ou se paga a quantos senhores prestáveis que se
oferecem para tratar dos papeis, ou então, somos enviado de
guichet em guichet pois parecem estar todos combinados uns com os
outros. Uma hora depois (não pagamos!...) lá seguimos viagem
convencidos que o melhor é entrar no ritmo local e não ter
pressas.
O nosso objectivo era rumar o mais rápidamente possível para
Sul e para o interior deixando para trás o incaracterístico
litoral. No entanto recomendo uma paragem na região da floresta
de Cedros onde em acessíveis percursos fora de estrada se podem
ver macacos em liberdade numa floresta de rara beleza. Devido ao
adiantado da hora decidimos ficar num motel na beira da estrada a
uns 30Km de Beni-Melal; uma óptima escolha pois o preço foi
óptimo (7000$00 - 2 pessoas), com direito a piscina e ar
condicionado e, melhor que tudo, era murado e não tivemos
preocupações com a carga das motos e do jipe. Aliás,
adoptámos este método no resto da viagem: procurávamos um
hotel na estrada a umas dezenas de Km's da cidade que queríamos
visitar evitando assim as confusões e perigo de sermos roubados.
3º Dia: Beni-Melal - Marrakesh
Na viagem para Marrakesh fizemos um pequeno desvio para
visitar as cascatas de Ouzoud. É impressionante como no meio de
toda aquela aridez surgem umas impressionantes quedas de água
com mais de 200m de altura. É imprescindível descer e tomar um
banho no lago por elas formado. Rumámos então a Marrakesh e
assentámos arraiais noutro hotel a cerca de 20Km da cidade
(9000$00 - 4 pessoas), tomámos um banho na piscina e
dirigimo-nos a Marrakesh onde foi preciso pagar para nos
guardarem as motos, para nos guiarem pela praça, para
usar os telefones públicos, para nos levarem ao restaurante...
enfim, imaginem uma cidade em que metade da população tem como
fonte de rendimento esquemas similares aos dos arrumadores de
carros de Lisboa.
Assim após umas voltas na praça Jemaa el Fna onde se podem
ver lado a lado encantadores de serpentes, dentistas, vendedores,
etc, etc (a não perder o sumo de laranja feito na hora por menos
de 40$00). Seguindo o que estava combinado, fomos jantar a um
restaurante "típico" com as dimensões de um campo de
futebol, e decoração estilo "mil e uma noites" em que
o campo central é usado para espectáculos de folclore e
demonstrações de perícia equestre. Não recomendo, quer devido
ao seu elevado preço (jantar + espectáculo + bebidas 9000$00),
quer ao facto de os restantes comensais serem maioritariamente
reformados americanos e ingleses e o ambiente ser do tipo casa de
fados para turistas no Bairro-Alto.
4º Dia: Marrakesh - El-Kella-M'Gouna:
De manhã após uma rápida visita ao palmar de Marrakesh (o
maior do mundo), deambulamos mais de uma hora em Marrakesh em
busca da saída para Ourzazat e finalmente dirigimo-nos para o
interior.
A passagem do Atlas faz-se por uma estrada com paisagens
magníficas que sobe a mais de 2500 m de altitude onde chegamos
mesmo a avistar neve nos cumes mais elevados, para depois
descermos em direcção a Ourzazat (a porta do deserto). Daqui
para a frente a paisagem muda significamente e as zonas verdes
são apenas estreitas faixas que seguem os rios (oueds), que
escolheram o lado errado do Atlas indo assim perder-se no
deserto.
Seguimos então a estrada que estende ao longo do vale do
Dadés e assentamos arraiais em El-Kella-M'Gouna, a cidade mais
perto das gargantas do Dadés. O hotel, único na cidade digno
deste nome, tinha piscina e está situado numa colina sobranceira
à cidade. Daí podemos observar a cidade em toda a sua
diversidade de cores, sons e cheiros; e garanto-vos que não tem
nada a ver com o ambiente criado no espectáculo a que assistimos
em Marrakesh na noite anterior.
5º Dia: El-Kella-M'Gouna - Algures no Erg Chebi
De manhã cedo, e após mais uma conversa com o pessoal das customs
que estava um pouco renitente em fazer a ligação por fora
de estrada entre as gargantas do Dadés e do Todra, (e com razão
como se veria mais à frente!), lá fomos nós fiados no guia
Michelin que dizia que era possível fazer a ligação em 4L.
O início da ligação faz-se por alcatrão a que se segue um
percurso de estradão de terra que acaba numa garganta
impressionante. Daqui para a frente a estrada vai estreitando
até que desemboca numa pequena povoação. Este percurso foi dos
mais belos que fizemos em Marrocos. À saída da aldeia
cruzamo-nos com um grupo de motociclistas completamente equipados
que vinham em sentido oposto e que ficaram atónitos quando viram
uma Guzzi carregada de malas com os cromados a brilhar, passar
por eles. Daqui para a frente, e seguindo as indicações obtidas
no "Café" da aldeia seguimos um trilho que
serpenteava a montanha, para depois descer gradualmente até às,
ainda mais espectaculares, gargantas do Todra durante uns 70
longos e suados quilómetros (feitos em 1ª - 2ª pelas motos de
estrada). Sem querer desencorajar ninguém não é percurso que
se faça duas vezes com uma mota de estrada...
De volta ao alcatrão contámos os feridos (uma tampa lateral
da virago amolgada, umas quantas peças soltas da Guzzi, uns
quantos enlatados rebentados nas malas, o reboque amolgado...);
ouvimos umas quantas bocas do pessoal do jipe que tinha saltado e
comido pó durante horas. tentámos explicar que sim, que
sabíamos que havia uma estrada de alcatrão, mas que...; e lá
seguimos na direcção de Erfoud.
A paisagem a partir daqui torna-se ainda mais desértica,
chegamos mesmo a encontrar um pequeno grupo de camelos que
pastava, não percebi bem o quê, na berma da estrada. A umas
dezenas de quilómetros de Erfoud a estrada começou a estreitar
pois as areias invadiam a estrada, chegando mesmo, nalguns pontos
a corta-la (Passar uma dezena de metros de areia a 120 Km/h é
brincadeira que não aconselho a ninguém).
Chegamos a Erfoud, contra os nossos planos, ao anoitecer.
Após uma PEQUENA discussão para decidirmos entre pernoitar na
cidade ou fazer mais uns 30Km fora de estrada à noite para ir
dormir a um dos pequenos albergues que ladeiam o Erg Chebi,
decidimo-nos por esta última hipótese. Contratamos um guia, que
foi à pendura numa das motos, não sem antes um grupo de guias
rivais nos ter avisado que ele tinha roubado uns turistas na
semana anterior...
Com o credo na boca lá partimos em direcção ao deserto. É
incrível como o guia se conseguiu orientar de noite no deserto.
Tudo é areia, (uma mais solta do que outra como haveríamos de
constatar mais tarde...), a "pista" não é mais do que
um emaranhado de rodados em todas as direcções e foi com
satisfação quando uma hora depois avistámos uma pequena luz e
os contornos de uma construção. Nem o facto de os duches não
funcionarem há pelo menos uns anos (ao contrário do que nos
tinham dito), o frigorífico não funcionar e ninguém ter
querido ouvir o relato do colega que espreitou a cozinha;
estragou a magia que é passar uma noite no deserto.
Quanto à dormida há duas hipóteses, ou os quartos,
que eu não descrevo para não ferir susceptibilidades, ou o
terraço. Unanimemente fomos buscar os sacos-cama, que tinham
quase tanto pó como nós e adormecemos a contar estrelas.
6º Dia: Algures no Erg Chebi - Ifrane
Ao acordar pudemos finalmente ver onde é que estávamos: dum
lado o deserto, do outro o Erg Chebi (uma imensa duna de areia
solta com mais de 70Km de extensão). Após a possível
"higiene" matinal, seguimos em direcção a Rissani e
ao alcatrão. Estes 60 Km foram um verdadeiro prazer,
especialmente a travessia de um lago salgado seco, completamente
plano, que permitiu rolar a mais de 130 Km/h... (finalmente as Trails
estavam a ser compensadas pelos suplícios passados nas
auto-estradas).
A entrada em Rissani faz-se através de uma zona de fech fech
(pó muito fino), que tem a particularidade de se infiltrar por
todo o lado e favorecer os "atascanços". Foi
com satisfação que pisámos de novo o alcatrão. Nova reunião
e mudança de planos; íamos tentar andar o mais possível de
modo a tentar diminuir os Km's da última etapa. Este plano foi
parcialmente sabotado pelo jipe que perdeu um dos parafusos de
apoio do motor, (possivelmente este foi-se desapertando devido ao
efeito de chapa ondulada do deserto), despedaçando parte da
ventoinha do radiador e obrigando-nos a perder umas horas.
Ajudados por dois Marroquinos lá resolvemos o problema e
seguimos viagem. À medida que íamos avançando para Norte o
deserto ia ficando para trás e quando eu pensava que Marrocos
não me ia surpreender mais nesta viagem eis que chegamos a
Ifrane. Ifrane é uma estância de inverno que não tem nada a
ver com as cidades marroquinas que tínhamos atravessado. As ruas
estão impecavelmente limpas, os espaços verdes jardinados, a
própria população parece que saiu de uma qualquer estância de
inverno europeia.
Escolhemos para pernoitar um hotel de cinco estrelas (cerca de
7000$00 por pessoa), pois achámos que merecíamos uma
compensação pelos extenuantes dias anteriores. No entanto
existem outros hotéis mais em conta, e até um parque de
campismo. Após termos encontrado um soldador para nos reparar a
lança do reboque que ameaçava divorciar-se do jipe a todo o
momento, fomos jantar e já confortavelmente deitado no hotel em
plena montanha, com o telecomando da televisão na mão, a ouvir
o suave ronronar do ar condicionado pensei que ainda ontem à
noite estava num saco-cama cheio de pó no deserto, as voltas que
a vida dá...
7º Dia: Ifrane - Beja
O regresso não teve história: O incaracterístico norte
Marroquino, o pesadelo da fronteira, as bombas de gasolina, as
entediantes auto-estradas espanholas, as bombas de gasolina, a
ventosa via do infante, as bombas de gasolina, a IP2, as bombas
de gasolina, as bombas de gasolina...., e por fim a agradável
sensação de ter chegado, seguida, uns dias depois, pelo
desgosto de já ter chegado.
Este Artigo foi publicado na Revista MOTOCICLISMO, tendo ganho o 1º prémio do passatempo "Férias de Mota".