Confira reportagem publicada pela IDG Net: Linus Torvalds é uma dessas pessoas modestas que, trabalhando em silêncio, acabam conquistando mais fama do que esperavam. Como criador do sistema operacional Linux, Torvalds é hoje um ícone para os desenvolvedores que trafegam dentro e fora dos departamentos de tecnologia da informação das corporações. O editor executivo do jornal americano InfoWorld, Michael Vizard, entrevistou o programador discutindo desde as principais encruzilhadas que despontam para o desenvolvimento dos futuros sistemas operacionais até os modelos econômicos que regem a indústria hoje. Acompanhe abaixo os principais trechos da conversa. InfoWorld: De alguma forma,
você acabou se tornando uma espécie de garoto-propaganda para
o movimento que defende a liberação dos códigos-fonte
dos programas. E, mesmo sem ter a estrutura de apoio de uma grande empresa
por trás do seu trabalho, consegue que os seus seguidores façam
um bom trabalho suportando o produto. Você acha que esse modelo pode
ser replicado para outras companhias ou o Linux é um caso único?
Torvalds: Eu não vejo por que não poderia funcionar. O problema é que você tem hoje em muitas companhias times separados de desenvolvimento e marketing. Há algumas interfaces entre eles, mas o marketing usualmente agrega aquelas pessoas de cabelos espetados que dizem ao desenvolvimento o que fazer. O fato é o grupo de desenvolvimento gosta de estar por cima das coisas e fazer as coisas certas. Quando você tem um grupo de marketing com prioridades completamente diferentes, acontece esse conflito de interesses que atrapalha as companhias. InfoWorld: E como funcionaria esse conflito em um ambiente de desenvolvimento aberto? Torvalds: Num ambiente aberto, você separa esses grupos, mas não muito. Por exemplo, a Netscape fez um desmembramento do Mozilla de forma a ter um braço completamente diferente, mas eles ainda estão no mesmo prédio. A outra alternativa é o modelo Linux - eu sou absolutamente desinteressado das questões de marketing. Eu não quero trabalhar para a empresa Linux. Mas isso é uma questão de prioridades de cada um. Eu não quero sentir que o sucesso econômico da companhia na qual eu trabalho depende das decisões técnicas que eu tomar. Eu quero tomar as decisões de tecnologia baseado apenas em critérios técnicos. Isso não quer dizer que o trabalho com o departamento de marketing não existe. Para isso há a Red Hat Linux - um grupo separado que faz o marketing, a distribuição e o empacotamento. É parecido com o modelo tradicional, apenas com a diferença de ser mais claramente separado. InfoWorld: Agora que o código do Netscape Navigator está aberto, você vê a possibilidade de integrar o browser com o Linux ou com um servidor Web? Torvalds: Há poucas coisas que faz sentido combinar com um sistema operacional aberto, e um browser de Web não é um bom exemplo. Você não iria querer colocar o browser no seu sistema operacional. Já com um servidor Web, algumas coisas funcionam mais rápido se já estão no sistema operacional. Só que você deveria colocar não o servidor Web, mas alguns ganchos para fazer coisas específicas de um servidor Web via sistema operacional. Mas é muito complicado fazer isso porque é ruim para o desenvolvimento. Isso significaria, por exemplo, que quando o pessoal que desenvolve o servidor Apache quisesse avançar teria de sincronizar com meu trabalho e isso seria muito chato. InfoWorld: Você está falando com grandes companhias como IBM, Digital e Sun para agregar suporte ao Linux? Torvalds: Depende. A Digital tem a tendência ter uma divisão justa entre seus lados de hardware e software, portanto ela tem estado aberta ao Linux. Eles não se vêem perdendo nenhuma venda porque eles vão vender mais hardware para preencher as possíveis perdas do lado do software. Já a Sun está atando muito fortemente seu hardware com seu software. InfoWorld: O que você diz a respeito da Java? Torvalds: Eu não gosto de toda a agitação em torno do tema. Eu acho que está tudo superestimado. Eu gostaria que a Java tivesse mais quilometragem e eu acredito que as restrições ao licenciamento estão prejudicando o desempenho da linguagem. Eu entendo que a Sun queira manter suas mãos sobre a Java, mas eu também acho que a Java não está assim tão bem cuidada. Se nesse exato momento alguém perceber um bug na Java, vai ser muito difícil consertar, a menos que você seja do pessoal interno da Sun. Mas o ponto principal aqui é que é uma boa idéia cuja hora chegou. É uma idéia que já foi tentada antes, mas você não tinha o mesmo tipo de poder de hardware que se tem agora e também não havia o mesmo tipo de interfaces de software. Portanto, se você pergunta se é possível fazer a Java eficiente, eu lhe respondo que potencialmente é uma grande tecnologia, mas ainda não foi testada o suficiente e está sofrendo de excesso de propaganda. InfoWorld: Quem você pode apontar como um bom estudo de caso do uso do Linux na área corporativa? Torvalds: As coisas não acontecem tão linearmente assim. Os gerentes de tecnologia da informação das empresas notam, em um belo dia, aquela caixa no canto do escritório e alguém conta a eles que se trata de um servidor de Web que há um ano e meio está funcionando movido a Linux. Uma das reações mais comuns é pedir imediatamente para mudar para NT e voltar logo em seguida para o Linux porque a performance cai. Por isso é que o Linux avança no sentido de fazer parte de uma lista aprovada por meios extra-oficiais. Mas não é todo mundo que decide "assumir oficialmente" a condição de usuário do Linux. A NASA, por exemplo, é muito aberta sobre o fato de usar o Linux, assim como as universidades. Mas eu sei que o Linux está sendo usado em lugares como a Boeing, mas não posso apontar uma Web page que confirme isso. |