A Décima Fortaleza Estelar

de G. S. Reis

A Décima Fortaleza Estelar

Arte de G. S. Reis
Música de Rob Hubbard

"Nove!", exclamei, emergindo do hiperespaço e contemplando a formidável explosão silenciosa. Minha missão, de cujo êxito dependeria a vitória da Aliança sobre o Império Gorl, aproximava-se do fim. Dez magníficas fortalezas, construídas no interior de asteróides de seu próprio sistema solar, eram o centro de seu poder bélico.

"Um ataque em massa atrairia a Frota de Gorlak, custaria muitas vidas e fracassaria", disseram. "Mas uma única nave, pequena e ágil, poderia ter uma chance."

Tinha a impressão de já ter ouvido aquilo em algum lugar…

Havia apenas uma nave, ainda um protótipo não testado, com qualidades suficientes para a missão—e também apenas um piloto.

Com o cristal gerador do campo defensivo restaurado pelas energias do hiperespaço, eu tinha novamente o bastante para resistir a cerca de oito impactos diretos das armas gorls. Aproximei-me a velocidade sub-luz da última fortaleza, pois tentar alcançar seu interior pelo hiperespaço seria muito mais arriscado do que enfrentar suas defesas. O asteróide cresceu em minha tela, e logo surgiu, como das outras vezes, uma esquadrilha de caças: um aperitivo antes do prato principal. Com prazer, vi-os explodir sob o fogo preciso de meus canhões energéticos. Sua vantagem numérica era superada por uma nave melhor com um piloto melhor. Alguns passavam por mim, escapando da morte, e um deles passou tão perto que pude ver o rosto horrível de um gorl, através de sua cabine transparente. A bocarra de presas afiadas contorceu-se em ódio, mas os olhos facetados de inseto eram difíceis de penetrar.

Passei incólume pelos caças e mergulhei em direção ao túnel, onde não ousariam me perseguir, já que as defesas internas do asteróide, totalmente automáticas, eram programadas para eliminar qualquer objeto móvel, segundo informações dos espiões da Aliança.

Canhões atiraram de todos os lados: das paredes, do chão, do teto. Esquivando-me aos raios, levei minha nave para a direita e, quase tocando a parede, fui eliminando todas as baterias daquele lado. Mas não escapei a um disparo vindo da esquerda, que drenou um oitavo da energia do meu escudo de força e empurrou-me contra a parede, fazendo-me perder outro tanto e quase me chocar com uma bateria no teto. Isso, porém, serviu para aumentar minha fúria e, num ziguezague alucinado, varri o pequeno trecho que restava naquele setor.

Meu furor destruidor ainda não havia passado quando a primeira horda de robôs surgiu em meu caminho. O som maravilhoso das explosões chegava a meus ouvidos graças à presença de uma atmosfera rarefeita que não parecia cumprir outra função.

Os obstáculos iam-se sucedendo, numa ordem a que eu já me acostumara. Eram canhões, barreiras móveis, um campo de minas flutuantes e robôs que variavam em forma, tamanho, armamento, resistência e padrões de vôo. No fim do túnel, havia sempre um robô monstruoso, criado à imagem e semelhança de alguma terrível criatura de um dos numerosos mundos imperiais. Logo antes, porém, os gorls gostavam de reservar uma desagradável surpresa. Da última vez, eu quase sucumbira a um enxame de esferas suicidas. O que viria agora teria de ser pior. E foi.

Uma nuvem densa e negra tornou meus faróis inúteis. Bati em algo e comecei a atirar. Um pilar metálico, que ia do chão ao teto, foi atingido, mas não destruído, pois um campo defensivo ativou-se, brilhando por um instante e provocando algum tipo de reação na estranha nuvem, talvez a ionizando. Naquela fração de segundo, meus olhos puderam contemplar um verdadeiro labirinto formado por incontáveis pilares. Depois, tudo voltou à escuridão absoluta, mas não por muito tempo. Não parei de atirar, fazendo com que os pilares me mostrassem o caminho. Não conseguia mantê-los iluminados todo o tempo, e às vezes tinha de me desviar de obstáculos que não via. Miraculosamente, completei o percurso sem novas colisões.

Ao deixar a nuvem, ainda tinha mais da metade do força do meu campo protetor. Por um momento, a certeza da vitória me invadiu, mas logo foi abalada por uma visão aterradora: o guardião.

O que estava diante de mim não era uma máquina. Aquilo parecia brotar da parede de rocha, penetrando-a com grossos tentáculos. Membros com muitas articulações terminavam em dedos longos providos de garras ou em imensas tenazes. Seis pares de mandíbulas horrendas abriam-se ameaçadoramente, revelando fileiras triplas de presas vermelhas e curvas. Olhos redondos, de diferentes tamanhos, piscavam alternadamente, espalhados entre tentáculos balouçantes que terminavam em grandes orifícios circulares, cuja finalidade não tardei a descobrir.

Antes mesmo que terminasse minha brusca desaceleração, uma bola brilhante de energia saiu de um dos tentáculos e veio em minha direção. Esquivei-me a tempo, mas outras se seguiram. É claro que meu polegar já acionava repetidamente o botão de fogo, no alto do manche, mas a viscosa pele azul da criatura era, obviamente, tão ou mais resistente que a blindagem dos robôs guardiães das outras fortalezas.

A nave avançava na velocidade mínima, mas ainda se movia nas outras direções com rapidez suficiente para escapar à incessante artilharia dos tentáculos e ajustar minha mira. Mais uma vez, eu tinha de descobrir os pontos fracos do inimigo, o que, de fato, não era muito difícil. Tudo o que tinha a fazer era atingir os locais não revestidos por aquela pele impenetrável. Coloquei-me diante de uma das bocarras escancaradas e um urro assustador saiu da garganta atingida. Mas não saiu só. Uma nuvem de pequenas criaturas vermiformes foi expelida num jato e atingiu-me em cheio, reduzindo a energia de meu campo defensivo a quarenta por cento. Contudo, exceto por essa inusitada reação, o terrível guardião não pareceu ter-se abalado. As mandíbulas entre as quais eu atirara moviam-se com vitalidade inalterada.

Os malditos olhos! Quando meus raios perfuraram o primeiro deles e um berro ensurdecedor partiu de várias gargantas enfurecidas, tive certeza de que aqueles eram meus alvos. Eram alvos difíceis, porque pesadas e invulneráveis pálpebras cobriam-nos intermitentemente. Minha tentativa seguinte esbarrou numa delas. Insisti no mesmo olho e vi-o romper-se esguichando um líquido amarelo-esverdeado. No mesmo instante, porém, recebi o impacto direto de uma bola de energia que veio em trajetória diagonal. Um clarão inundou a caverna e vi, com espanto, que o indicador de energia do campo defensivo percorrera quase metade do espaço que ainda o separava do zero.

Tive de exacerbar os limites da habilidade humana. A artilharia inimiga tornara-se ainda mais furiosa e minha nave ia de um lado a outro do túnel, de cima a baixo, enganando a morte e alvejando cada alvo, enquanto se aproximava, lenta mas inexoravelmente, daquela encarnação do terror. Contei três olhos ainda a me caçar e entrei no campo de ação dos numerosos braços. Mas foi outra bola de energia que me interceptou quando eu estava prestes a conseguir mais um tento. O cristal do campo de força quase apagou. Tentei corrigir a trajetória, mas aquele olho já se fechava, e dirigi-me ao alvo mais próximo, um pouco acima. Encontrei-o bem aberto e o atingi três vezes, embora uma fosse o bastante. Assisti com alegria irada ao estranho sangue jorrar e mergulhei entre dois tentáculos ferozes, em busca do alvo anterior. Vi-o abrir-se diante de meus canhões, mas, no momento do tiro, garras desceram velozmente sobre mim, obrigando-me a uma manobra evasiva. Quase não pude escapar, e não consegui evitar apertar o botão de disparo. Dois raios penetraram uma das bocas da fera, bem perto, e um jato de vermes voadores foi novamente liberado. Puro reflexo fez-me inverter a manobra suicida, mas uma tenaz descomunal moveu-se com rapidez em minha direção e o choque foi inevitável. Meu campo defensivo entrou em colapso e um certo sentimento de desamparo tentou me dominar. A vitória, que estava tão próxima, parecia escorrer entre meus dedos em minha tentativa desesperada de agarrá-la.

Obriguei-me a manter a calma. Meu fim estava a um simples impacto. Eu não podia cometer erros. Retomei a manobra de aproximação e, ao ver o olho bem aberto, atirei. Errei. Era muito pequeno. Atirei outra vez, e mais outra. Saí do curso para escapar a um disparo do oponente, voltei e vi que o olho se fechava. Não desperdicei aquela última chance. Ceguei-o e fugi dos braços e tentáculos que se precipitaram de todas as direções.

Ambos estávamos agora em situações quase idênticas. O próximo golpe decidiria a luta. Decidiria também o destino da Humanidade, e talvez de toda a galáxia. Eu sentia o inimigo agonizar. Ouvia seus uivos atormentados e quase cheguei a sentir pena. Quase! Eu, ao contrário, estava ileso, ainda que exausto, mas tinha que o atingir num ponto específico—o último olho—enquanto a ele bastava atingir-me. Mas o pior era que a agonia da morte parecia deixá-lo ainda mais enlouquecido, convertendo-se numa estranha vantagem para ele.

Estávamos tão próximos que meus olhos abrangiam apenas uma pequena parte de sua atemorizante imensidão. Procurei pelo último alvo onde já o vira, mas não o encontrei de imediato. Bolas de energia cruzaram-se centímetros a minha frente. Meus olhos percorreram ansiosamente o corpo repugnante e finalmente se depararam com uma fenda branca que se abria lentamente alguns metros à direita. Iniciei a aproximação, em manobras sinuosas que evitavam todos os ataques do gigante. Eu não o deixaria vencer. O olho se abria. Era um dos grandes. Um alvo fácil! Em poucos segundos, eu estaria em posição… Sorri cruel enquanto navegava inatingível entre tentáculos, garras, tenazes e bolas de energia. Totalmente aberto, o olho foi alcançado por minha mira. Fitamo-nos por um brevíssimo instante. E meu polegar desceu sobre o botão de fogo.

Mas não vi as trilhas azuladas que deveriam partir de meus canhões. A escuridão absoluta envolveu-me. Um silêncio opressor substituiu o fragor da batalha. Estava tudo terminado. E eu não triunfara. Meu corpo permaneceu imóvel, incapaz de qualquer reação. Uma tormenta de sentimentos rugiu em meu ser, mas eu só conseguia demonstrar uma apatia estupefata.

A escuridão durou pouco mais de um segundo, não dois. Mas minha completa imobilidade continuava. Mais alguns segundos se passaram. De repente, deparei-me com o olhar indecifrável de um gorl. Também vi suas presas disformes e a armadura de soldado sobre o corpo musculoso, onde escamas alaranjadas alternavam-se com partes cobertas de pêlo. Segurava uma arma pesada, mas não a apontava para mim ou qualquer lugar específico. Atrás dele estendia-se uma planície árida, ferruginosa. Picos imponentes, no horizonte, recortavam um céu negro e estrelado, onde gravitavam duas grandes luas purpúreas. Aquele mundo era Gorlak, centro do Império Gorl.

Nada mais havia a fazer. Eu não havia sido morto, certamente, mas tampouco cumprira a missão. Todavia, não fracassara. Não era culpado. O que acontecera estava fora do meu alcance evitar. Havia sido derrotado pelo mais puro acaso. Ou por uma ironia cruel do destino, não importa.

Acordes sombrios quebraram o silêncio. O guerreiro gorl permanecia imóvel, impassível, assim como eu. Não demorou um minuto para que os sons graves mudassem drasticamente para oitavas mais altas e um ritmo frenético, empolgante. No entanto, isso não teve qualquer efeito sobre mim e muito menos, é claro, sobre o gorl. Acima das montanhas distantes, desenharam-se duas palavras, formando um título em inglês, nada original: "Asteroids Raider".

O joystick ainda repousava em minha mão. Coloquei-o de lado. Não conseguia aceitar a idéia de ter sido derrotado pela ineficiência dos serviços da companhia elétrica, que permitira uma breve—mas fatídica—interrupção no fornecimento de energia. Haviam arruinado minha melhor partida e também o meu humor. Retirei o CD-ROM com o jogo autocarregável e desliguei o console.

Eu haveria de vencer. Mas num outro dia.


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