Téo e Bia, casal branco de classe média, tem dois filhos legítimos, Júnior e Chiquinha, além de Demê, um negrinho efeminado adotado. A história começa quando Téo chega em casa, depois de um dia comum de trabalho.
TÉO: Querida, cheguei!
BIA: Oi, meu Pitoquinho!
Beijam-se voluptuosamente.
TÉO: Ah, Pitoquinha! Parece que o tempo não passa pra você. O mesmo rostinho de criança, o mesmo corpinho da adolescência, o mesmo fogo… Mmmmm…
CHIQUINHA, saltitante, interrompendo o beijo: Oi, Pápi! A bença, Pápi.
TÉO: Hã… er… Deus te abençôe, fi-lhi-nha.
DEMÊ, eufórico: Oooi, Pai! Já chegou?
TÉO: Não, tô na rua. E não me chama de pai, que eu não tenho filho preto!
BIA: Que que é isso, Teobaldo?!
TÉO: Ah!, esquece. Vai brincar, Demê, vai. É que o pessoal no escritório…
Demê e Chiquinha saem.
BIA: Te chama de corno, né? Mas, meu amor, todos os nossos amigos sabem da adoção.
TÉO: Você, também, não podia esperar pra ter um filho! Foi só a gente adotar e… pá! Já tava esperando o Júnior!
BIA: Depois de três anos tentando, e nada! E foi você que não quis fazer o exame de fertilidade. Ia afetar a tua macheza, né?
TÉO: Tá, tá legal! Mas tinha que ser um pretinho?
BIA: Lembra da carinha dele no orfanato? Aquele olhinho tão carente, tão doce… Você também gostou dele. Hmmmm…
Começam um beijo suave.
CHIQUINHA, entrando correndo, de repente, chorando: Pápiii!!!! Mâmiii!!!
BIA: Que foi, Chiquinha?
CHIQUINHA: O Demê, Mâmi. Ele pegou minha boneca e não quer me dar.
TÉO: Ô, Demê, vem aqui! Que negócio é esse?
DEMÊ: Pô, Pai! Eu também tenho direito. Se o senhor não quer que eu brinque com as bonecas dela, então me dá pelo menos uma!
TÉO: Um galalau desses brincando de boneca! Senhor, que que eu fiz pra merecer isso?
BIA: Ele só tem doze aninhos, Pitoquinho. Deixa ele, vai. E você, Chiquinha, deixa de ser egoísta! Vai brincar com ela, Demê.
DEMÊ e CHIQUINHA, resmungando: Hum… Tá… Tá bom.
Sentam no chão e ficam brincando.
BIA: Fica assim não, Pitoquinho! Vem cá, eu te consolo… Mmmm…
JÚNIOR, chegando da rua com revista e headphones: Aí, galera! Tô chegando nas parada. Pô, cara, mó sonzão, aí! Esses cara do "Escrotos do Planalto" rebenta. Ih! Ó o cara, aí! Qualé, mermão? Brincando de bonequinha de novo? Pô, aí, nada a ver!
Chiquinha pega a revista.
DEMÊ: Você que não tem nada a ver com isso, tá?
JÚNIOR: E tu vai fazer o quê, negão?
DEMÊ: Não enche, pô!
JÚNIOR: "Não enche, pô!" Cai dentro, mermão! Cai dentro!
BIA, severa: Vamos parar com essa briga?
CHIQUINHA: Ih!, Mâmi, olha só! O Júnior trouxe revista de mulé pelada de novo, ó!
Pai pega a revista, enquanto Bia dá um puxão de orelha em Júnior.
BIA: Júnior! Já falei pra não mostrar essas indecências pra Chiquinha!
TÉO: Deixa, Pitoquinha, ele é homem. Vem cá, Demê. Olha só!… Mas, hem?
DEMÊ: Ih!, Pai, que bobeira! Deixa eu brincar.
JÚNIOR, cantando: Ananinaninha, Demê é mariquinha…
BIA: Pára, Júnior!
JÚNIOR: Falou, vou sair fora! Me dá a revista. Vou pro banheiro.
BIA: Vai nada! Senta aí! Sossega esse facho um pouco. Isso demais faz até mal, não sabia não?
JÚNIOR: Pô!, Mãe, nada a ver.
Júnior liga a TV e senta.
DEMÊ: Chiquinha vamos dar de mamar pra ela?
CHIQUINHA: Não dá. Eu perdi a mamadeira.
DEMÊ: Ah!, tudo bem. Me dá ela. Mama aqui, nenê, no peitinho gostoso.
TÉO, engasgando no meio de um beijo: Ah, não! Assim já é demais!
BIA: Calma, Pitoquinho…
DEMÊ: Não posso deixar ela morrer de fome, posso?
CHIQUINHA: Pode não.
TÉO: Por que você não vai brincar na rua, como os outros meninos, hem? Vai bater uma bola, sei lá! Leva essa peste, Júnior!
JÚNIOR: Qualé, Pai! Pra rapeize ficar me sacaneando? Eu não!
DEMÊ: Olha, eu vou pra rua, sim. Mas vou sozinho, tá?
JÚNIOR: Vai mermo, vacilão! E vê se arruma uma mulé, pô!
CHIQUINHA: É rúim, hem? Aposto que ele vai é brincar com o Pedrão.
TÉO: Pedrão?! Quem é esse Pedrão?
BIA: É um coleguinha dele da escola, Pitoquinho. Liga não.
DEMÊ: Tô indo.
JÚNIOR: Vai mermo, animal!
TÉO: Não vai, não! Senta aí pra gente conversar.
DEMÊ: Conversar, Pai? Você nunca conversa comigo. Só sabe me dar bronca. Você só gosta do Júnior, Pai. Por quê?
CHIQUINHA: É mentira, viu, seu bobão? O Pápi gosta de mim também. Né, Pápi?
DEMÊ: O Pedrão é o único que me entende. Você nunca me deu carinho.
TÉO: Será que a culpa é minha?…
BIA: Não é não, Pitoquinho. Ele tá nervoso.
TÉO: É minha culpa, sim. Ele tá certo. Eu o rejeitei, só porque uns babacas ficavam falando¼ Porque ele é preto. Porque não é meu filho de verdade.
BIA: Não fala isso! Ele é teu filho. Nosso filho. Tanto quanto o Júnior e a Chiquinha. É só você o aceitar… do jeito que ele é.
TÉO: Eu aceito, sim. Sou eu que tenho que mudar. Vem cá,… Meu Filho!
BIA, comovida, enquanto Téo e Demê se abraçam: Vem, Júnior, abraça o teu irmão.
JÚNIOR: Ah! Que que há? Virou família feliz, agora? Pô, mó vacilagem! Com que que eu vou me revoltar? Quer saber? Eu vou é pro meu quarto, curtir o meu som!
DEMÊ: Mano…
JÚNIOR: Sai pra lá, boiolão!
TÉO: Júnior! Você vai pro seu quarto, sim. De castigo, sem jantar. E nada de som. E dá essa revista aqui!
Júnior sai.
DEMÊ: P-P-P-Pai! Você me defendendo e castigando o Júnior! Ai, não acrediiito! Oh, Papai, estou tão feliz! Ai, que vontade de cantar, de dançar… Larilará… Lalará… Uuuuiii! Que vontade de voar feito uma borboleta, de correr pelo campo feito um cabritinho!… Aaaaaaiii!
TÉO: Pára com isso, Demerval! Já pro seu quarto, de castigo também! Vai logo, sem choro!
Demê sai, batendo os pés.
TÉO: Ah! Será que ele ainda tem jeito?
CHIQUINHA: Tem não, Pápi. Depois que prova da fruta¼ Mas você não disse que ia aceitar ele do jeito que ele é?
Música de Vince Guaraldi
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