Com habilidade e paixão de fã, Peter Jackson dá prosseguimento à missão gigantesca de transportar a saga de J.R.R. Tolkien para o cinema. O fato de os três filmes serem produzidos juntos garante que todas as qualidades do primeiro se repitam nos seguintes, num espetáculo soberbo e fascinante que vai firmando a trilogia como o grande épico do gênero fantasia.
Os excelentes efeitos especiais voltam a se unir às belíssimas paisagens naturais e cenários construídos, formando um conjunto visualmente deslumbrante. A música de Howard Shore perde o sabor de novidade mas segue eficiente, repetindo alguns temas e adicionando uns poucos, dos quais o mais belo é o de Rohan. E o elenco continua competente, acrescido de novos e bons coadjuvantes, que, se não chegam a brilhar, também não comprometem - se bem que eu teria preferido uma Éowyn um pouco mais jovem e bonita.
O começo é arrebatador! Sem perder tempo com intróitos desnecessários, esta segunda parte da trilogia não dá a mínima para quem não viu a primeira, partindo direto para a ação e mostrando em eletrizantes detalhes a luta de Gandalf contra o Balrog. Com a sociedade dividida, o roteiro se torna menos linear e mais complexo, acompanhando três grupos distintos. A trama principal traz Aragorn, Legolas e Gimli lutando para defender o reino de Rohan contra os orcs de Saruman, culminando com a grandiosa batalha no Abismo de Helm. Merry e Pippin, escapando de seus captores, se vêm às voltas com os ents, criaturas antigas em forma de árvore, enquanto Frodo e Sam encontram o atormentado Gollum, que os guiará em sua jornada para Mordor.
É curioso que o filme, às vezes, consegue ser ainda mais fantasioso que o livro, como na libertação do Rei Théoden do feitiço e a súbita transformação, originalmente sutil e gradual. Ou na concepção das criaturas, pois Tolkien, embora exaustivamente descritivo na geografia da Terra-Média, sempre foi terrivelmente vago em relação aos seres que a habitam, não deixando claro se os olifantes eram só elefantes mesmo ou algum animal aparentado, nem dando qualquer idéia de que os wargs seriam mais que lobos grandes e ferozes. Para deleite do público, Peter Jackson deixa a imaginação correr solta e nos mostra criaturas impressionantes.
Mas a maior novidade é mesmo Gollum, que, feito em computação gráfica com captura de movimentos e voz do ator Andy Serkis, vem sendo apontado como o melhor personagem digital jamais criado. Destaca-se a seqüência em que suas duas personalidades discutem, mostradas de pontos de vista diferentes, que só não achei melhor porque de imediato me lembrou Geri's Game, aquela ótima animação da Pixar sobre um velhinho que joga xadrez consigo mesmo.
Defeitos? Uma certa quebra de ritmo aqui e ali, mais evidente quando cenas de Barbárvore são intercaladas às da batalha no Abismo de Helm. E continuo não gostando da tremedeira da câmera nas cenas de ação, mas desta vez já estava preparado e tentei não deixar que isso me incomodasse muito. Fazer o quê? Nada é perfeito. E as qualidades são tantas e tão maiores, que os defeitos passam quase despercebidos.
Os fãs radicais vão reclamar das mudanças, como de costume. É verdade que os flashbacks românticos são dispensáveis, só estando lá para dar a Arwen o que fazer e talvez para agradar o público feminino, mas felizmente são poucos. A presença dos elfos no Abismo de Helm serve para impedir que o público não-iniciado se pergunte como seres tão nobres e bons poderiam deixar os homens abandonados à própria sorte. E tanto a mudança de atitude de Faramir, levando Frodo para Osgiliath, quanto o confronto com o Nazgûl, acrescentam tensão e aventura àquela parte da jornada do Portador do Anel, que de outro modo seria tranqüila e bastante enfadonha.
Quem ficou frustrado com o final do primeiro filme (ou a falta dele) não deve reclamar agora. Se A Sociedade do Anel tinha o clímax pouco claro e deixava o público desavisado esperando mais, As Duas Torres tem um clímax triplo, que termina com a vitória das forças do Bem em duas grandes batalhas, e com Frodo e Sam seguindo livres para Mordor, sem perigo imediato a ameaçar qualquer dos heróis. O Anel e Sauron não são destruídos, obviamente, mas o final é mais que satisfatório para o filme do meio de uma trilogia - bem melhor que o de O Império Contra-Ataca, por exemplo.
Peter Jackson foi muito feliz em deixar Shelob (ou Laracna, como quer a criativa tradução brasileira) para o terceiro filme, ao mesmo tempo evitando a quebra no ritmo da ação e as reclamações recorrentes de que o filme não teria final. O esperado confronto entre Gandalf e Saruman também foi adiado. Com certeza tiraria um pouco da força do ápice bélico, ainda que servisse para unir duas tramas paralelas e arrematar com perfeição a derrota de Isengard - pressupondo-se, é claro, uma luta bem mais emocionante que o duelo verbal do livro. Melhor para O Retorno do Rei, que vai começar com pique total!
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