Sobrevivente

G. S. Reis

Sobrevivente

Lembro-me do tempo em que vivíamos em harmonia. As árvores eram nosso lar, nosso abrigo e provedor. A folhagem era tão densa e abundante que apenas ocasionalmente víamos a luz do sol, que se esgueirava em fachos estreitos e escorria pelos ramos. Lá embaixo, havia um manto verde, pontilhado de cores infinitas de incontáveis flores, rasgado por cursos cristalinos que murmuravam uma canção perene.

Somente a aparição eventual de um predador perturbava nossa paz. Mas sabíamos nos defender. Não tínhamos garras como as dos grandes pássaros, nem presas como as das serpentes, mas tínhamos mãos hábeis para construir, e usar ferramentas—e nossa união. Poucos ousavam nos desafiar, o que era bom, pois detestávamos matar.

A vida era nosso bem e valor maior. Às vezes, pareço ouvir as melodias sopradas nos grandes chifres, e tento acompanhá-las, mas... elas não estão mais lá. São apenas recordações ecoando em minha cabeça.

Pois vocês vieram. Vocês, que um dia deixaram o Grande Verde, haveriam de voltar. Vocês, que parecem ter esquecido de nossa existência, de que um dia fomos irmãos, trouxeram a ruína.

Vi ferramentas que rugiam horrivelmente em suas mãos, ceifando em momentos vidas seculares. Vi-os guiar gigantes de metal a violentar a Mãe Terra. Vi a floresta agonizar em chamas, vi o lar queimar seus filhos. Assisti, impotente, ao genocídio de meu povo.

Desespero, loucura, dor, morte... Morte!...

Poucos foram poupados. Melhor se não tivéssemos sobrevivido para ver o que vocês fizeram. Em lugar do verde, o marrom cinzento da terra queimada, onde o único movimento era o das serpentes negras—muito mais apavorantes que as que conhecíamos—erguendo-se em volutas ao céu escurecido. Árvores, antes majestosas, deitavam-se entre suas próprias cinzas e as de tantas outras criaturas. As águas, também negras e sujas, corriam como filetes de sangue pútrido por uma face maltratada.

Quem são vocês, que trazem tamanho horror? Por que tanto ódio, tanta destruição, e nenhuma piedade? O que vocês se tornaram? Uma raça de insanos?

Hoje estou só. Os outros não resistiram muito. A comida é escassa. Tivemos de comer a carne dos companheiros mortos. Não tenho muito tempo. Ouço o mar lá embaixo, as ondas contra os rochedos. Quanto tempo até que vocês o destruam também?

A morte se aproxima. A minha será um alívio. Mas a de minha espécie será dolorosa. Quantas espécies terão vocês exterminado? Quantas ainda exterminarão, sem ao menos conhecê-las?

Os abutres comerão minha carne. Eles sobreviverão em seu rastro, parasitas da Terra. Um dia, vocês matarão seu hospedeiro... e morrerão com ele.

Ou serão capazes de encontrar um outro?


"Anuário dos Escritores", Litteris Editora, 1996.

Arte de Blizzard Entertainment
Música de Brad Fidel

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