CLICHÊ
Pela noite sombria e opaca
Perambula o sujismundo...
A passos largos estremece
Os tímpanos do asfalto.
Lança-lhe escarninhos
O cão sarnento.
E o vagabundo estende a cuia.
Não há psicanalistas para sua timidez:
A fome espanta-a!
Arranha as cordas de um violão
Burila uma sanfona
Sopra uma gaita
E do seu bornal cheirando a amoníaco
Arranca música.
E os homens na pressa rotineira
Esquecem-se de lhe dar a esmola.
Deixam-lhe, pra descarrego de consciência
Apenas a gorjeta.
Rói-lhe o estômago: é hora de ruminar quimeras.
Calam-se as ruas, e, entre jornais velhos
Defrauda a via-láctea com um olhar sinistro.
A pena de carvão
Escarra, num pedaço de papelão
Uma poesia sacra.
Degusta o excremento
Assim que seus lábios o pronunciam
Pois não há espaço para outros clandestinos.
FILHO DE APOLLO
Quando cruza o olhar
Com um par de olhos negros e hipnóticos
E é agraciado com um sorriso
De covinhas,
O poeta canta,
Ri, chora, ama...
Circunscreve o mundo numa reticência.
Tresloucado como os elétrons
Sem órbita fixa, percorre as galáxias
Num piscar de olhos,
E na epopéia da ciência sacra
Faz opostos se atraírem
E semelhantes se afinarem.
Une o UNO ao VERSO,
E o UNIVERSO cabe numa frase desarticulada.
Mas, o que acontece com o poeta
Se numa curva qualquer do tempo,
Perde sua musa nas areias da ampulheta?
Nauseabundo, vomita
Poesia sem Inspiração.
CONJUNTIVITE TÁTIL
O riso corre solto,
De mão em mão,
E em doses desmedidas.
A taça cheia de afagos, apara
Uma lágrima de consciência.
Corpos espalhados pelo chão
Ébrios de sensualidade.
Mórbidos olhos vesgos
Procuram sentido
Nesta encruzilhada de vida.
Aos que ainda restam de pé:
Força!
Entornem o último
Resquício de fraternidade,
E se ainda restar
Espaço nesta nevoada aquarela
Deitem o rosto no vômito fresco.
Copos quebrados,
Corpos dispersos, se afastando
Como os astros do BIG-BANG.
O que restou?
O amor escorreu pelo
Ralo da pia...
Resta recolher as
Cinzas que se misturam
Com os últimos caracóis de fumaça.
TE AMO
O suor cai-lhe do rosto:
Sua alma chora pelos poros.
E, entre a fumaça amarela
Do meu cigarro de palha,
Percebo as nuances de
Um sorriso cadavérico.
Seus olhos não sabem mentir,
E uma ponta de lágrima
Se mistura ao suor.
Sua mão áspera
Acaricia a enxada,
Sua pele morena desbota,
Enegrecendo o futuro.
Corre o olhar pelo campo.
E o vento brinca
Com os garranchos.
Nem do chão, nem da mente,
Nada brota.
O céu está limpo e seco
Como meu espírito de luta.
Seus olhos se voltam pra mim,
Seus lábios pedem,
E eu dou-lhe o que tenho:
Amor e Fome.
FRESTAS
Moribundo e decrépito
Entre perfumes rosáceos
E cores festivas
Deitaram-me na lousa fria
E para que não doesse
Ver a beleza do mundo
E os viciosos Vermes do Tempo
A devorar minha esperança,
Amortalharam-me
Dos pés à cabeça...
Mas, apressados,
Os fúnebres alfaiates
Esqueceram-me frestas
Pelo toldo pano
E por elas vejo o mundo
E a vida em mim derrama
Fazendo essa caixa fechada
Se comunicar
E dela derramar os sonhos
E sinto dor e sede,
Ah tanta sede
Que se não cuspo
Minha alma morre
Em trevas e vácuo
E a vida perde
A deleitosa essência!
FANTASIA
Choro
Lá fora
Aqui dentro
Nenhuma pontinha de lágrima
As luzes todas acesas
O ódio fétido brilha
A dor se ausenta
De me fazer melhor
Em minha pele só carícias
Em minh’alma as pegadas
Concisas de mim mesmo
Não amo
Vivo as partes
E no entanto
O céu todo pode ser meu
Se você esquecer as outras
E me der mais uma noite
Onde não haja o luar.
Onde o sol brilha
Debaixo de suas sobrancelhas
E meus trêmulos lábios
Destilam sussurros
De frases não ditas
E o amor que
Nunca houve.
DUETO
Um sonho arrota
Euforia mágica
Num ar carregado
De lógica.
No prato
Nada a degustar
Só moedas
Que pesavam
Num bolso qualquer
De linho ou seda.
Por trás de
Olhos gasos
De fome e ressaca,
Esconde-se um Demônio
Preso pela pseudo-humildade
E agrilhoado pelo eterno pedir.
Até quando?
Talvez até encontrar
O que todos procuram:
Alguém à quem vender
Sua alma;
Ou, quem sabe,
Até que a dor
Se desprenda
Da compaixão
E venha
Chicotear a mente
E o corpo, já tão arranhados,
Com lições
Tolas de AMOR.
ESPREMIDA
Um farol,
Dois faróis,
Dois olhos se apertam
Entre as sobrancelhas.
As pestanas chicoteiam-se
Cílio após cílio,
Mais faróis, menos luz...
E os zumbis aparecem
Nus à la blackie tie
Chocam-se uns nos outros,
Há muita grana a ser
Ganha e gasta.
Na pressa que apenas
Aproxima os prazeres ínfimos,
Masturbam-se no teatro
Do dia-a-dia.
No frenético movimento
Das mãos do Destino,
Jorra, no êxtase voluptuoso,
O Tempo Destronador.
E mais uma vez,
Num suspiro longo
Os olhos apertam
Uma lágrima
Entre os cílios.
INDEPENDÊNCIA
Entrou no Buteco,
Sentou-se na mesa da frente
E, risonho,
Tomou uma cerveja
Sozinho.
QUEDA LIVRE
Curva a dor
Parabolicamente
Ao fundo do poço.
No vértice há sangue.
Nas veias da água
Nasce todo homem.
As raízes não se
Encontram ali
E nem em lugar
Algum.
Tudo flue
De número em número
E a realidade virtual
É uma conta
Imagem da imagem
Do domínio da verdade.
Corre os dedos
Pela luz
E tudo leva cor
E uma pitada de sal...
Uma fantasia
E... PRESTON!
O Grande Tradutor
Cospe seus cálculos
Numa tela.
NOITE
Gritaria
Desespero
Pânico injustificado
Justiça cega
Suspiros noturnos
Lei do silêncio
Vidraça quebrada
Bala perdida
Que encontra criança no berço
Tufo de carne
Saindo pela boca
Sono interrompido
Poças de sangue no chão
Tiro surdo
Calado no peito do neguinho
Reboliço da Mídia
Olhos estatuados
Cheios de terra
Vêem o vai e vem
Dos gorduchos encintados
Dentes caninos
Incisos
Ferozes
Mordem a boca cheia de formigas
Névoa preta
Fumaça de carro
Espirro podre
Tosse requintada a lenços brancos
Insônia da Noite
Luzes da cidade
Engolem o céu
Engolem os nomes
Engolem os homens
E deixam o beco
Pra gente se libertar.
RODOVIÁRIA
Ah! Esses Corpos
Anti-esteticamente sensuais
Que desnudam minha retina
Que bailam desajeitados
No empurra-empurra
Do meio-dia
Escada acima
Escada abaixo
Beliscam-se
Languidos de mostrarem-se
Barrigas salientes
Umbigos soturnos
Corpos suados
Músicas de pedintes
Suspiros de moscas
Cheiro de bons perfumes
Lixo de gente
Apertam-se na lata
Espalham-se pelo chão
Grudam nas paredes
Com as mãos estendidas
Feito lixo rico
Chutado por garotos vadios
E se misturam
Aos gritos do mascates.
ENCONTRO
A chama do seu fôlego
Guia minhas mãos
No escuro dos olhos fechados
E se esbarro em sua pele
Seu cheiro se espalha
Feito frasco vítreo
Lançado ao chão
Desencarna
Sua essência
Sobe tênue
Frágil como lençóis de fumaça
Invade minha alma
Seqüestra minha mente
Aguça os sentidos
Poros abertos
Respiram
A procura
Nossas bocas se atropelam
E o mundo inteiro
Lá fora espera:
A gente se encontra!
Quando esse eclipse passa
O seu riso
Quebra as vidraças
Dos meus olhos
Embala minhas noites
Vela meus sonhos
Bagunça minha memória
E vive
Eternamente.
delfo